O resultado pode até ser justo (embora também possa ser exagerado, dependendo da perspetiva), mas também é enganador: o marcador (1-3) só foi selado mesmo em cima do apito final e,até aos 100 minutos, num jogo que teve uns inusitados onze minutos de compensação, o Sporting vencia o Desportivo de Chaves, em Trás-os-Montes, pela margem mínima.

Apesar de ter controlado boa parte do jogo, a equipa leonina mostrou alguma letargia, depois de se adiantar no marcador, com um golo de Luiz Phellype. Mesmo reduzida a dez jogadores, por expulsão de Jefferson, a equipa flaviense conseguiu empatar e resistiu até aos 80 minutos, quando o capitão do Sporting, Bruno Fernandes, fez o que já tinha feito mais de 20 vezes esta temporada: um golo. O Sporting ainda teve pequenos sustos, controlou grande parte do jogo daí em diante, mas só aos 110 ‘matou’ a partida, com um bis de Luiz Phellype. No final do jogo, Keizer repetiu o que já é seu apanágio dizer depois do fim de um jogo: “We can play better”, isto é, “podemos jogar melhor”.

Aos 24 minutos, Luiz Phellype estreou-se a marcar

O jogo começou algo morno, com as defesas a superiorizarem-se aos ataques. O início, porém, revelou desde logo qual era a estratégia de cada uma das equipas: o Sporting instalava-se no meio-campo do Desportivo de Chaves e circulava a bola, enquanto os flavienses, não raras vezes, tinham os 11 jogadores instalados no seu meio-campo, tentando tapar os caminhos para a sua baliza ao ataque dos leões.

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Não chegando a “Keizerball”, expressão que descrevia o carrossel de futebol ofensivo da equipa leonina nos primeiros jogos do holandês Marcel Keizer como treinador, o Sporting parecia encaminhar-se para um jogo tranquilo e mais apelativo do que a última partida, a receção ao Santa Clara. Com mais jogo interior e menos insistência nos cruzamentos do que já se viu, o meio-campo dos leões ia fazendo tabelas ao primeiro toque e criando espaços no meio-campo defensivo do Desportivo de Chaves. Foi assim, por exemplo, que se criou uma das suas primeiras situações de perigo, aos 11 minutos, quando uma troca de bolas rápida que envolveu os três médios do Sporting — Gudelj, Wendel e Bruno Fernandes — deixou o primeiro com espaço para atirar à baliza de fora da área. Supostamente detentor de uma boa meia-distância — no passado, especialmente na liga holandesa, fez vários golos com remates de longe —, Gudelj não tem mostrado essas credenciais em Alvalade. Desta vez, porém, rematou forte, obrigando o guarda-redes António Filipe a uma defesa esforçada para canto.

O Sporting ia circulando a bola no meio-campo e meio-campo ofensivo, durante os primeiros 20 minutos. Perigo, contudo, causava pouco, o que também se justificará pela qualidade pouco impressionante das suas unidades ofensivas: Raphinha (nem sempre inspirado), Acuña (que fez boa parte da temporada como defesa-lateral, subindo no terreno após a contratação de Borja e saída de Nani) e Luiz Phellype, que este sábado ocupou o lugar do lesionado Bas Dost. Aos 24’, porém, num lance coletivo simples, mas bem gizado, Bruno Fernandes descobriu Ristovski em posição privilegiada no lado direito. O macedónio, que cumpriu o 50º jogo ao serviço do Sporting, serviu com precisão Luiz Phellype, que só teve de encostar para golo. Foi o primeiro golo do avançado brasileiro, contratado ao Paços de Ferreira no mercado de inverno, ao serviço do Sporting.

O golo teve o condão de abrandar a velocidade de jogo dos leões. Até ao intervalo, o jogo teve poucos motivos de interesse, excetuando um corte no limite de Coates, que evitou que a bola chegasse ao avançado do Chaves André Luís no interior da área do Sporting (aos 28’), e um remate à entrada da área do sportinguista Wendel (aos 37’). O ritmo do jogo era lento de parte a parte. Se o meio-campo do Sporting, incluindo o mal-amado Gudelj, ia conseguindo superiorizar-se ao meio-campo do Desportivo de Chaves, o ataque do Sporting (laterais a subir pela linha, Raphinha e Acuña a vir muitas vezes a espaços interiores no apoio a Luiz Phellype) pouco se evidenciou.

Uma expulsão a começar a segunda parte

A segunda parte começou com uma expulsão: aos 51’, o médio dos transmontanos Jefferson cometeu uma falta mais dura sobre Gudelj e viu Manuel Mota mostrar-lhe o segundo cartão amarelo. Se o Sporting já estava demasiado confortável no jogo, para usar uma expressão de Sérgio Conceição, mais ficou: desacelerou, empenhou-se menos e acabou castigado por isso. Aos 56 minutos, veio o primeiro aviso: Campi, defesa-central do Desportivo de Chaves, esteve quase a fazer a igualdade com um cabeceamento que permitiu a Renan (o guarda-redes brasileiro do Sporting) brilhar. O que Campi não fez, André Luís assegurou quatro minutos depois: aproveitando a desatenção e confusão de Coates e Ristovski, o avançado dos flavienses fugiu-lhes pelas costas, desmarcou-se, recebeu a bola e só teve de desviar do alcance do guarda-redes para o fundo da baliza.

A missão do Sporting complicava-se. Keizer começava a mexer, estranhamente fazendo uma troca de médios-defensivos (Gudelj por Doumbia), talvez para refrescar uma zona do terreno que teria uma missão mais exigente fruto da mudança seguinte, o recuo do extremo Acuña para lateral-esquerdo (por troca com Borja) e a entrada em campo de Jovane Cabral.

O Sporting começou a procurar o golo — e aos 67’ Bruno Fernandes deu um sinal de perigo, disparando de fora da área e de pé esquerdo para boa defesa de António Filipe — mas foi só quando Jovane Cabral entrou que a equipa acelerou em direção à baliza do Desportivo de Chaves. Retomando um estatuto de arma secreta que chegou a ter com José Peseiro e que lhe permitiu marcar vários golos — estatuto nos últimos jogos reservado a Diaby, desta vez indisponível por lesão — Jovane tentou o golo de fora da área de pé esquerdo (aos 75’), tentou o golo dentro da área por duas vezes consecutivas na mesma jogada (António Filipe desviou para canto) e causou calafrios ao Chaves. Embalado pela irreverência do jovem extremo formado em Alcochete, o Sporting ganhou confiança, aumentou a velocidade das suas trocas de bola e aos 80’ chegou ao golo, através de um remate de fora da área e de primeira de Bruno Fernandes, em resposta a um cruzamento atrasado de Acuña.

Jovane Cabral. O ‘culturista’ que chegou, marcou e venceu

Nova expulsão e a análise de Keizer

Num minuto, repentinamente, o jogo transformou-se: esteve quase sentenciado e ficou em aberto. Aos 87’, num contra-ataque, Raphinha tentou contornar o defesa mais recuado do Chaves, Maras, e caiu, depois de chocar com ele. O árbitro Manuel Mota marcou falta e expulsou Maras. Porém, ao rever o lance nas imagens (após consulta do vídeo-árbitro), não só reverteu a decisão por falta de Ristovski no início da jogada, como expulsou o lateral macedónio do Sporting.

Novamente em igualdade numérica (dez contra dez), as duas equipas tinham 14 minutos de jogo por jogar, contando já com a longa compensação. Apesar disso, excluindo um lance em que os jogadores do GD Chaves pediram pénalti (depois de um encosto de Acuña a um adversário na área do Sporting), os leões acabaram por controlar a partida. Sentenciaram-na mesmo à beira do apito final, já depois de uma confusão entre jogadores das duas equipas, com um bis de Luiz Phellype, que se isolou e ficou em frente a Ricardo (guarda-redes suplente do Desportivo de Chaves, chamado a substituir António Filipe, que se lesionou) a passe de Jovane Cabral.

O Sporting venceu assim por 1-3 na partida deste sábado e chegou ao 3º lugar. Apesar de ter ‘apenas’ igualado o Sporting de Braga em número de pontos (58), a equipa de Marcel Keizer tem vantagem no confronto direto. O holandês, contudo, voltou a não ficar especialmente convencido, insistindo na flash interview num discurso parecido com o de um analista externo que repete semana após semana as insuficiências de uma equipa como se não a treinasse diariamente. “Podemos jogar melhor do que isto. Com 11 contra 10 temos de passar a bola mais rápido, deixar o adversário correr. Fomos muito lentos”.

O diagnóstico não é errado, mas ao treinador da equipa habitualmente pedem-se soluções. É verdade que o holandês pode queixar-se de falta de opções ofensivas de qualidade (o plantel já era curto antes da saída de Nani e Montero em janeiro, mais ficou), é provável que não seja nem tão bom quanto se acreditou quando estava em estado de graça (na época do tal #Keizerball) nem tão mau quanto alguns detratores, que já lhe mostraram lenços brancos, dizem agora. Urge porém, ainda mais agora que tem o tempo para treino que não teve até aqui (fruto de um calendário mais aliviado), que a equipa melhore a sua regularidade de jogo.

Keizer já pensa na próxima época. Em entrevista recente aos meios de comunicação do clube, disse: “Estamos a analisar os jogadores que temos no momento e os que podem chegar e esperamos construir um bom plantel para realizar uma grande temporada”. Na próxima quarta-feira, porém, os leões têm um jogo decisivo nesta temporada: a segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal contra o Benfica, que venceu os leões em casa na primeira mão por 2-1. Apesar das reiteradas declarações de confiança da administração do Sporting no treinador holandês, uma eliminação da Taça de Portugal poderia trazer de volta os fantasmas que uma série mais positiva de jogos — seis vitórias e um empate nos últimos sete  — ocultou, mas não fez desaparecer.