“Há o risco de desiludir o país e abrir a porta a um Governo marxista e anti-semita.” A frase foi proferida por uma deputada conservadora que não só é do partido da primeira-ministra, Theresa May, como é uma das deputadas que apoiaram o acordo de May no Parlamento — facto que a própria primeira-ministra fez questão de notar e agradecer na sua resposta. Caroline Johnson deu assim voz a muitos tories que se sentem profundamente desiludidos pela decisão de May de se sentar à mesa para negociar com o líder trabalhista da oposição, Jeremy Corbyn, esta quarta-feira.

Tudo isto num dia em que o Parlamento viu bloqueada a perspetiva de voltar a tomar as rédeas da situação, sendo impedida a repetição dos votos indicativos que não conseguiram qualquer maioria nas duas primeiras vezes em que foram votados. Esta quarta-feira, a Câmara votou sobre se essas opções deveriam voltar a ser votadas e ocorreu um empate: 310 votos para cada lado. As regras determinam então que deve ser o presidente da Câmara a desempatar — e John Bercow, citando o “precedente” e o princípio de que “votos importantes só devem avançar com uma maioria”, votou pelo Não.

Foi o primeiro empate na Câmara dos Comuns desde 1993, altura em que um dos debates sobre outro tratado europeu — o de Maastricht — também redundou em empate. E por pouco não havia um segundo empate imeadiatamente a seguir: 312 deputados votaram a favor e 311 contra a possibilidade de ser discutida pelo Parlamento a proposta da trabalhista Yvette Cooper que quer pôr na lei uma proibição expressa de no deal — o que significa que, se esta moção vier a ser aprovada, May pode ser obrigada a pedir automaticamente um adiamento prolongado do Brexit.

A decisão de Bercow deixa tudo ainda mais nas mãos de May e de Corbyn, que se encontraram esta quarta-feira à tarde. “Tivemos conversas exploratórias construtivas sobre como quebrar o impasse do Brexit”, afirmou um porta-voz do Partido Trabalhista depois da reunião entre os dois líderes, esta quarta-feira. “Chegámos a acordo sobre um programa de trabalho entre as duas equipas para explorar o âmbito do acordo.” O líder do partido, contudo, acabaria por colocar água na fervura ao explicar que a conversa foi “útil, mas inconclusiva”: “Tivemos uma conversa e não houve tantas mudanças como esperava, mas continuaremos a falar amanhã de manhã para explorar algumas das questões mais técnicas.”

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Esperam-se agora mais reuniões ao longo da semana e possivelmente no fim-de-semana. Mas na manhã desta quarta-feira, May esteve na Câmara dos Comuns para o debate semanal com os deputados e foi confrontada com as críticas de alguns dentro do seu partido que não veem com bons olhos as negociações com Corbyn.

Há aqueles que, como Johnson, esperam ver o acordo de May aprovado à direita, e os que, como Christopher Chope, preferiam que o país saísse simplesmente sem acordo a 12 de abril. Questionada por Sir Chope sobre se podia explicitar perante os deputados os “benefícios” que poderiam ser trazidos por um no deal, May deixou claro que essa não é a oportunidade que prefere, dizendo que o Reino Unido estará melhor no futuro “se sair com um bom acordo”. “Não há dúvidas de que sair sem acordo é melhor do que ter um mau acordo, mas nós temos um bom acordo”, tinha dito pouco antes a primeira-ministra numa resposta a outro deputado.

Perante a divisão que se tem acentuado dentro do próprio Governo entre os que preferem um no deal e os que simpatizam com a ideia de um novo referendo ou outra forma de assegurar a permanência do país na União Europeia (UE), May optou por uma terceira via ao sentar-se à mesa para negociar com Corbyn, sublinhando repetidamente que ambos são a favor de um Brexit ordenado e que essa é uma base de entendimento:

Ambos queremos sair da UE com um acordo. Ambos achamos que um acordo de saída deve fazer parte de qualquer acordo. Ambos queremos proteger os empregos”, afirmou a primeira-ministra em resposta a uma pergunta dos seus aliados parlamentares do DUP sobre que ideias da oposição poderia aceitar.

“A questão é: é possível chegarmos a um acordo que ambos apoiemos? É aí que entram as negociações”, acrescentou.

Quem não gostou da ideia foram alguns membros do seu próprio partido, que não tiveram pejo em dizê-lo publicamente. Não só Johnson, que destacou as posições claramente de esquerda de Corbyn, bem como as acusações de anti-semitismo que têm florescido no Labour sob a sua direção. Lee Rowley, outro conservador, também partiu para o ataque: “Na semana passada, a primeira-ministra chamou-lhe uma das maiores ameaças à nossa segurança enquanto país. Qual é o pensamento que agora a leva a considerá-lo qualificado para ser envolvido nesta questão do Brexit?”, interrogou.

May optou por fugir à questão, sublinhando que “todos os membros da Câmara estão envolvidos no Brexit”. “As pessoas querem que trabalhemos de forma transpartidária e encontremos uma solução”, justificou a primeira-ministra. Antes disso, já tinha deixado claro que, embora vá negociar com Corbyn, não partilha muitas das suas ideias, nomeadamente ao nível da política externa do Reino Unido. “Não acho que o Partido Trabalhista deva estar no Governo”, assegurou, dando como exemplo uma divergência concreta. “Quando sofremos um ataque com armas químicas nas ruas de Salisbury, no nosso país, foi a primeira-ministra que enfrentou os autores do ataque. Jeremy Corbyn preferiu acreditar em Vladimir Putin do que nos nossos serviços secretos”, sentenciou.

“Se fosse líder da oposição e fosse convidada para uma armadilha como esta, seria tola o suficiente para a aceitar?”

O tom entre May e Corbyn foi, no entanto, bastante mais cordial do que o habitual e isso notou-se. O líder da oposição deu início à sua intervenção agradecendo “a oferta da primeira-ministra” para negociar e elogiando “a sua capacidade de fazer compromissos e avançar neste impasse do Brexit”.

Aqueles que esperavam que Corbyn desse detalhes sobre o que pretende exigir de May e onde pode vir a ceder, contudo, terão ficado desiludidos. O líder da oposição optou por focar todo o seu discurso na pobreza e nas desigualdades, atacando o Governo por uma ação que considera negativa nestas matérias. Apenas no final, a sua intervenção foi encerrada com alguma acidez: “Vamos tentar trabalhar e resolver o impasse do Brexit, mas, a não ser que este Governo resolva a insegurança no trabalho, os baixos salários, a crescente pobreza entre os pensionistas, o Governo de May ficará marcado por aquilo que é: um falhanço aos olhos do povo deste país.”

Os pormenores foram dados por outros membros da bancada trabalhista, não ficando claro se Corbyn — cuja posição no Brexit tem sido algo vaga — assina por baixo. O deputado Owen Smith destacou que a posição do partido é a de defender “uma união aduaneira, o mercado comum e um segundo referendo” ao acordo que sair das negociações e questionou May sobre se está disponível a aceitar alguma destas ideias. A primeira-ministra repetiu a cassete e disse haver ampla base de entendimento com o líder da oposição que será explorada.

Theresa May pode bem ter sido atingida por fogo amigo dos tories, mas Corbyn também não escapou, com o Partido Nacional Escocês a disparar em todas as direções: “Se a primeira-ministra fosse a líder da oposição e fosse convidada para uma armadilha como esta, seria tola o suficiente para a aceitar?”, questionou o deputado Stewart Hosie. May repetiu, uma vez mais, que os britânicos esperam que haja diálogo entre o Governo e os vários partidos e que o país “precisa de uma solução e merece uma solução”. Jeremy Corbyn teve de se manter sentado, em silêncio.