Quando Ricardo Alves chegou ao aeroporto da Beira, em Moçambique, o frenesim da entrada e saída de pessoas, mercadorias, organizações humanitárias e jornalistas não passou despercebido. Tudo o que tinha visto — até àquele momento — sobre o ciclone Idai tinha sido transmitido pela imprensa, mas agora a história era diferente. Agora estava frente a frente com o que só tinha visto em imagens. Ricardo partiu de Lisboa num domingo, dois dias depois de o ciclone ter levado uma parte de Moçambique, provocando, até ao momento, quase 600 mortos, milhares de desalojados e uma destruição bem visível.

Naquele dia, o tempo estava tão mau que Ricardo e sua equipa tiveram de passar a primeira noite em Maputo, antes de conseguirem aterrar na Beira. A sua missão: ajudar a restabelecer as comunicações nas zonas mais afetadas do país e, assim, conseguir minimizar a preocupação de quem procura a mínima forma de contacto com familiares e amigos, bem como as organizações humanitárias que precisam de se coordenar entre si.

O português decidiu que não queria ficar parado e candidatou-se ao programa de voluntariado humanitário da Vodafone Global– Instant Network Emergency Response –, que reúne vários operadores de todo o mundo com o objetivo de repor as telecomunicações num país afetado por uma catástrofe, no menor espaço de tempo possível. Passou pela Beira e esteve também em Buzi. Em ambos, “as coisas avançam muito devagarinho”, mas a vida da população começa, pouco a pouco, a ser reconstruida.

Nos primeiros dias, Ricardo esteve no aeroporto da Beira, juntamente com mais três colegas que vieram com ele. Um da Holanda, outro da Hungria e uma colega da Roménia. Foi lá que identificaram uma das maiores necessidades de comunicação, uma vez que é neste aeroporto que se encontra o centro de operações de todas as organizações que vieram para dar auxílio humanitário, bem como os jornalistas e outros correspondentes. “Temos um kit que transportamos connosco sempre que há um desastre natural ou uma crise humanitária e em que é necessário e pertinente ter comunicações nesse sítio. São umas caixas que até podem ser transportadas em voos comerciais”, explicou Ricardo Alves ao Observador.

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A primeira tarefa, acrescenta, consistiu em fazer uma integração da rede local, que é possível através de duas formas: ou aproveitando alguma estrutura já existente para o fazer, ou então operar de forma completamente autónoma. “Quando chegamos, ao fim de algum tempo, conseguimos pôr num raio de 10 quilómetros rede para que todos pudessem fazer as suas chamadas e enviar SMS”, referiu o técnico. De seguida, foi implementada uma solução de wifi, que é mais limitada a nível geográfico, mas que permitiu às organizações e, especialmente, aos jornalistas que se encontravam no aeroporto da Beira poderem enviar e coordenar os seus trabalhos. Tudo isto foi feito através do kit que se consegue ligar via satélite a um servidor.

Por fim, a terceira solução e a mais importante de todas consistiu no fornecimento de acesso à energia elétrica à zona do aeroporto. Aqui também a equipa de Ricardo fez esforços para dar à população daquela zona uma forma de conseguir energia pela primeira vez desde que o ciclone passou pela Beira. “Seria inútil ter um cenário em que há wifi e cobertura de rede de telemóveis e depois toda a gente está sem bateria e não consegue fazer nada”, sublinhou o técnico. Neste caso, os dispositivos ficaram ligados a uma fonte de energia “que pode ser um gerador a gasóleo ou gasolina comprado localmente”.

Estas foram as funções de Ricardo Alves ao longo de 13 dias, enquanto se esperava que os três operadores locais de Moçambique conseguissem restabelecer a rede deles. “Obviamente que, ao mesmo tempo, como fundação temos um caráter humanitário. Não há um fundo de lucro nisto”, referiu o técnico, que já está de regresso a Lisboa. O início da jornada, conta, foi mais complexo, uma vez que chegou a um terreno onde não existia qualquer cobertura da rede.

Ricardo e a equipa transportaram kits específicos que permitem assegurar as comunicações num determinado local (D.R)

Do “cenário muito volátil” à persistência da população

Depois de estar no aeroporto da Beira, a equipa de Ricardo viajou de helicóptero para Buzi, uma das comunidades mais afetadas pela passagem do ciclone Idai. Em ambos os locais, os dias eram duros: o trabalho começava bem cedo pela manhã e só terminava à noite, quando a equipa ia dormir. Em Buzi, uma “aldeia de caráter mais agrícola e com habitações mais precárias”, a equipa passou as noites numa tenda montada num jardim de uma casa.

É um cenário muito volátil, em que não se pode planear nada, em que a infraestrutura toda desta zona foi destruída. Não se sabe o que se vai encontrar no dia a seguir, se já vai haver isto ou não. Há muita incerteza”, descreve Ricardo.

Considerando que este é um trabalho que faz como se fosse no seu país, Ricardo percebeu que aqui tudo se torna mais difícil por se andar pelo desconhecido. “Chego a um sítio em que não conheço ninguém, não tenho contactos, se calhar também não consigo fazer um telefonema para aquela pessoa que eventualmente me resolvia o problema, portanto é tudo muito volátil”, referiu o técnico. A lentidão dos avanços, explicou, foi o maior desafio, uma vez que não existem “as estruturas boas de comunicação, o acesso a energia, as estradas que funcionam, a comida que chega” e há a frustração de não se conseguir ser mais rápido e resolver tudo. “Aqui temos de tratar de tudo, nada é fácil”, acrescenta.

É muito diferente ver as notícias quando se está sentado em casa, a olhar para a televisão e a ler o jornal, e efetivamente estar aqui, a ver as pessoas, tanto os locais que foram afetados pela catástrofe como as pessoas que vêm cobrir tudo. Ver como as organizações funcionam e como já há quase uma rede em que todos começaram a falar com todos, grupos que começam a trabalhar em conjunto”, acrescentou Ricardo Alves.

Apesar dos desafios e de todos os riscos de saúde que têm vindo a surgir depois da passagem do ciclone, nem tudo o que Ricardo viu foi destruição. A população de Moçambique, mesmo sem acesso a muito do que tinha antes, “começou imediatamente a restabelecer, dentro do possível, as suas vidas” e o “nível de stress” tem baixado com o passar dos dias. “É impressionante ver que a vida continua, com muitas mais dificuldades, com muita tragédia à mistura, mas as pessoas continuam, e seguem para a frente, trabalham arduamente para limpar a cidade e para restabelecer as infraestruturas”, sublinhou.

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Esta não é, aliás, a primeira vez que Ricardo parte para África para “dar acesso a uma janela para o mundo lá fora” através da tecnologia. Em anos anteriores, o técnico participou no mesmo programa, mas num contexto diferente. Esteve num campo de refugiados na Tanzânia e no Quénia, com o objetivo de fornecer às escolas o acesso à tecnologia e à internet. “Neste caso de Moçambique, estamos a fazer uma resposta a uma emergência de uma infraestrutura de telecomunicações que faz a diferença também, como muitas outras coisas. No caso dos trabalhos no campo de refugiados, trata-se do acesso à educação e a conteúdos que habitualmente essas pessoas estão privadas”, explicou Ricardo.

Em Moçambique, a maior dificuldade que diz ter tido foi a frustração de não conseguir acelerar a ajuda. “Num cenário em que foi tudo destruído e em que chegam as primeiras organizações para restabelecer as coisas mais básicas, toda a gente está muito preocupada em fazer o seu trabalho e ser o mais rápido possível. Só que, efetivamente, é impossível as coisas terem a velocidade que nós queremos que tenham”, contou Ricardo, acrescentando que, perante uma catástrofe destas, “toda a gente quer salvar toda a gente à sua maneira”: os médicos, as organizações, as equipas de resgate e as telecomunicações com a reposição da energia.

“É um pouco duro e muito frustrante ver que, por vezes, as coisas não andam rápido, porque também não podem. As coisas vão, aos poucos, indo ao sítio e acho que lidar com esta frustração inicial foi complicado”, terminou Ricardo.