O ex-administrador da RTP Nuno Artur Silva disse este sábado que desde que foi criado o Conselho Geral Independente (CGI), na RTP, “não há interferência do poder político” na estação pública.

“Tal como é lembrado hoje numa entrevista do presidente do CGI ao Expresso, desde essa altura [criação do conselho, em 2014] não há interferência do poder político na RTP, ponto”, considerou Nuno Artur Silva durante o debate “O Estado e o Jornalismo — Tutela, necessidade ou tentação?”, que decorreu no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

O ex-administrador responsável pelo pelouro dos conteúdos da estação pública, entre 2014 e 2018, garantiu que tanto durante o governo de Pedro Passos Coelho (PSD/CDS-PP) como no de António Costa (PS) não houve interferência política na RTP, dizendo que no seu período não existiram reuniões “com ministros da tutela para falar sobre conteúdos”, algo que “havia antigamente”.

De acordo com Nuno Artur Silva, essa inexistência justifica-se “porque o modelo [do CGI] funciona”, uma vez que “é muito diferente a pessoa reunir com um administrador que dá uma ordem para tirar, e uma pessoa reunir com um ministro que não tem hipótese de com a sua ordem fazer o que quer que seja”, uma vez que não pode demitir administradores.

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“É muito mais difícil neste momento interferir na linha editorial da RTP do que se calhar fazer pressão num órgão privado, que está muito mais frágil do que a RTP”, considerou, acrescentando que “os ‘checks and balances’ [freios e contrapesos] da RTP têm tudo para funcionar”.

O Conselho Geral Independente “é um modelo recente que ainda não foi suficientemente testado”, e mesmo o facto de não ter sido reconduzido pelo CGI na administração da estação pública faz Nuno Artur Silva “pôr em causa” o órgão, que crê ter trazido “um enorme benefício à questão do serviço público em Portugal”.

Também presentes no debate “O Estado e o Jornalismo — Tutela, necessidade ou tentação?” estiveram José Manuel Fernandes, ‘publisher’ do Observador, Ana Sá Lopes, diretora-adjunta do jornal Público, e ainda Eduardo Moura, antigo jornalista do Diário Económico, numa conversa moderada por Maria Elisa.

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José Manuel Fernandes considerou que o papel do Estado no jornalismo é “uma faca de dois gumes”, e usou o exemplo da britânica BBC, que, se por um lado é financiada pelos contribuintes, por outro “os privados que vivem e necessitam de assinantes para sobreviver têm de concorrer no ‘online’ com os conteúdos da BBC”.

Por sua vez, Ana Sá Lopes disse não ter “medo” do Estado, mas sim “dos Governos”, e lembrou que Portugal tem “uma péssima história” no domínio da interferência, tanto em governos PS como PSD.

Já Eduardo Moura comparou o momento atual do jornalismo à chegada ao “pico de uma montanha”, que agora gera “falta de ar”, uma vez que se chegou “ao ponto que o jornalismo queria chegar”, em termos do “grande imediatismo” do direto, bem como de “excitação com as tecnologias”.

Diretor-adjunto do Expresso diz que ‘Fake News’ podem desencadear “uma guerra mundial”

Também presente no colóquio “Sete vidas — o futuro do jornalismo”, o diretor-adjunto do Expresso, David Dinis, afirmou este sábado que o fenómeno das ‘Fake News’ pode desencadear “uma guerra mundial”, defendendo a sua regulação.

“Nada disto é novo, mas hoje estamos muito mais sensíveis. O fenómeno das ‘Fake News’ não acontece só por interesse económico. Há também um interesse político e geopolítico de poder. As ‘Fake News’ podem desencadear uma guerra mundial”, observou David Dinis, num debate sobre ‘Fake News’ e populismo.

De acordo com o diretor-adjunto do Expresso, o jornalismo é pequeno para combater este problema, exemplificando com a existência de centrais de produção de informação falsa nos Balcãs.

“Hoje há uma preocupação de Bruxelas. Há centrais de poder que têm máquinas de produção de informação falsa, que são um assunto ultrassensível, nos Balcãs”, disse.

Para David Dinis, no que respeita às ‘Fake News’, não há outra solução se não regular.

“Não há outra solução se não regular. Hoje, [as ‘Fake News’] põem em perigo a democracia como a queremos, o sistema global como nós o conhecemos e à nossa vida”, declarou o diretor-adjunto do Expresso.

Por sua vez, Henrique Monteiro, antigo diretor do Expresso, o facto de se achar que tudo é igual é muito propicio para a existência de ‘Fake News’.

“A democratização sociológica, o alargamento, e a possibilidade de todos participarem como emissores e recetores, tendem para a demagogia, e a demagogia tende ao populismo”, frisou Henrique Monteiro, atribuindo o fenómeno a grupos de pessoas predispostas a votar em candidatos como Donald Trump ou Jair Bolsonaro.

O antigo diretor do Expresso garantiu ainda que as ‘Fake News’ são um problema complexo e que deve ser combatido.

No mesmo painel, Catarina Carvalho, diretora executiva do Diário de Notícias (DN), considerou que o problema está na forma, com o que aconteceu no início desta expressão.

“O problema está na forma. Com o que aconteceu no início. Quando foi capturada por Donald Trump e associou ‘Fake News’ ao mau jornalismo”, explicou.

Segundo Catarina Carvalho, quando o modelo de negócio são os ‘cliques’, a partir desse momento o ‘clique’ torna-se no “Santo Graal da informação”, deixando de haver distinção entre informação e desinformação.

No debate, São José Almeida, jornalista e fundadora do Público, lembrou que as ‘Fake News’ servem o populismo e que as democracias vivem em circunstâncias novas e desafios como as redes sociais.

“Há um relativismo ético. Vivemos numa sociedade espetáculo”, realçou, alertando que “um jornal ‘online’ não pode publicar vídeos de cães e de gatinhos como um objeto lúdico”.

Para São José Almeida, o jornalista não pode ser um mero transmissor. Não pode ser distinguido numa redação se sabe usar plataforma digitais. Um ‘clique’ não pode ser mais importante que uma cacha”, sublinhou.

O colóquio “Sete vidas — o futuro do jornalismo” decorre este fim de semana no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, onde é discutido o futuro do jornalismo português, dividido em sete debates.