O desafio era bem maior do que vencer pela primeira vez o Liverpool, como se escreveu. Esta terça-feira, o desafio do FC Porto estava bem para lá de um só clube. O desafio dos dragões estava relacionado com um país. Em 19 deslocações a Inglaterra, o FC Porto nunca tinha vencido. Entre Newcastle, Wolverhampton, Manchester United, Tottenham, Liverpool, Chelsea, Arsenal e Leicester e ao longo de 50 anos, os dragões somaram 16 derrotas, três empates e não marcaram qualquer golo em seis ocasiões. Mais do que o desafio de vencer pela primeira vez o Liverpool, o FC Porto enfrentava o desafio de vencer pela primeira vez em Inglaterra.

Sérgio Conceição, que na antevisão recordou que o Liverpool tem mais desafios semanais do que o FC Porto — o treinador português tentou ressalvar que não queria diminuir as equipas portuguesas mas acabou por fazê-lo –, não podia contar com Pepe e Herrera, ambos castigados. Por outro lado, o lateral Alex Telles, que falhou os últimos dois jogos depois de se ter lesionado em Braga, estava recuperado e era opção para o onze inicial dos dragões. Conceição lançava então Maxi Pereira na direita da defesa, para colmatar a ausência de Wilson Manafá (que só chegou em janeiro e não está inscrito), Felipe e Militão faziam dupla de centrais, Danilo, Óliver e Otávio eram o trio do meio-campo, já que Brahimi começava no banco, e Soares e Marega eram os homens mais adiantados.

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Ficha de jogo

Liverpool-FC Porto, 2-0

Primeira mão dos quartos de final da Liga dos Campeões

Anfield Road, em Liverpool, Inglaterra

Árbitro: Antonio Mateu Lahoz (Espanha)

Liverpool: Alisson, Alexander-Arnold, Lovren, Van Dijk, Milner, Fabinho, Henderson, Keita, Salah, Firmino (Sturridge, 82′), Mané (Origi, 73′)

Suplentes não utilizados: Mignolet, Wijnaldum, Gómez, Shaqiri, Matip

Treinador: Jürgen Klopp

FC Porto: Casillas, Maxi (Fernando Andrade, 77′), Felipe, Éder Militão, Alex Telles, Corona, Danilo, Óliver (Bruno Costa, 73′), Otávio, Marega, Soares (Brahimi, 62′)

Suplentes não utilizados: Vaná, Hernâni, André Pereira, Diogo Leite

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Keita (5′), Firmino (26′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Soares (18′), Felipe (61′)

Do outro lado, Jürgen Klopp não podia contar com o lateral Robertson, que também estava castigado. James Milner era o escolhido para ocupar o lugar, o jovem Alexander-Arnold era titular na direita da defesa, Van Dijk fazia dupla com Lovren no centro e o meio-campo estava a cargo de Fabinho, Henderson e Naby Keita. No ataque, os três do costume: Salah, Mané, Firmino. Depois de golear por cinco contra nada no Dragão na temporada passada, o Liverpool queria agora voltar a eliminar o FC Porto e seguir rumo à final da Liga dos Campeões que, em maio de 2018, perdeu para o Real Madrid que ainda era de Cristiano Ronaldo.

Os dragões começaram melhor e realizaram cinco minutos de maior posse de bola e de superior desenvoltura. Num olhar rápido, parecia que o FC Porto queria marcar cedo em Anfield Road e trazer na bagagem um golo fora que poderia tornar-se importante nas contas da eliminatória. Esse período de superioridade, porém, não foi além dos cinco minutos: não por falta de qualidade da equipa de Sérgio Conceição, não por desgaste, não por escassez de vontade. Mas porque o Liverpool, na primeira vez que acelerou ligeiramente a partida, inaugurou o marcador. Fabinho até perdeu a bola no meio-campo mas James Milner surgiu em terrenos mais interiores para soltar um passe enorme para Mané, que aparecia em velocidade na esquerda; o senegalês passou para Roberto Firmino, que dentro da grande área e sem oposição assistiu Keita; o guineense, que se tinha estreado a marcar pelos reds apenas na sexta-feira, rematou em posição frontal e beneficiou de um desvio de Óliver que enganou Casillas. Cinco minutos de jogo e o FC Porto já perdia em Anfield Road.

O golo de Naby Keita, mais do que deixar os dragões a perder numa fase ainda muito embrionária da partida, terminou com esse fugaz período de motivação, discernimento e qualidade do FC Porto. A equipa de Sérgio Conceição demorou a reagir à desvantagem e poderia ter sofrido o segundo golo nos minutos seguintes, através de duas ocasiões que tiveram Salah como protagonista: na primeira, o egípcio rematou em posição frontal e Casillas defendeu a dois tempos (18′); na segunda, aproveitou um passe descabido de Otávio para Felipe e apareceu na cara do guarda-redes espanhol, acabando por atirar ao lado (22′). Salah, que parece ter adquirido uma nova vida no jogo de sexta-feira com o Southampton — marcou um grande golo que deu a volta ao resultado –, estava muito móvel no corredor direito e fazia o que queria de Maxi Pereira. Do outro lado, Alex Telles não tinha velocidade para acompanhar Mané e o senegalês tanto aparecia junto ao corredor para assistir como em terrenos interiores para oferecer linhas de passe.

Antes de que o FC Porto conseguisse reagir, o Liverpool chegou ao segundo golo de forma simples. Roberto Firmino começou o lance, soltou em Henderson na direita, o capitão fez um passe vertical para Alexander-Arnold, que aparecia já na grande área, e o lateral de apenas 20 anos assistiu Firmino, que ao segundo poste só precisou de encostar para a baliza deserta (26′). O FC Porto reagiu à passagem da meia hora, por intermédio de Marega, que esteve perto de reduzir em duas ocasiões mas foi impedido por Alisson. Primeiro, o maliano apareceu na cara do brasileiro e o guarda-redes ex-Roma defendeu com o pé (30′); depois, Marega atirou de pontapé de moinho na sequência de um canto e Alisson parou o remate (31′). Por esta altura, o árbitro da partida consultou o VAR sobre um lance de alegada mão na bola de Alexander-Arnold no interior da área do Liverpool mas nada foi assinalado.

Os dragões chegaram ao intervalo sem conseguir reduzir a desvantagem de dois golos e o Liverpool até esteve perto de fazer o terceiro, com um remate de Firmino que passou ao lado. Na ida para o descanso, o desafio do FC Porto estava ainda mais hercúleo do que já parecia antes do apito inicial. Nem que fosse pelas estatísticas: a equipa de Sérgio Conceição não perdia por dois ao intervalo há mais de um ano, precisamente desde o jogo com o Liverpool no Dragão.

O FC Porto começou a segunda parte assim como havia começado a primeira: com mais ímpeto e velocidade, a jogar sempre perto da grande área de Alisson e a procurar o tal golo fora que é muito importante nas contas da eliminatória. Repetiu-se, contudo, o problema da primeira parte. Mané voltou a colocar a bola no fundo das redes de Casillas e, apesar de não ter contado — o senegalês estava em fora de jogo na altura do passe de James Milner –, o Liverpool aproveitou o lance para tomar de novo as rédeas da partida e controlar os acontecimentos. Van Dijk e Lovren, a jogar muito subidos do terreno, colocavam a primeira linha de organização junto ao meio-campo e obrigavam toda a equipa do FC Porto a posicionar-se atrás da linha da bola. Marega e Soares, sempre muito perdidos, realizavam a função injusta de ocupar a primeira linha de pressão portuguesa e os dragões pouco mais conseguiam do que limitar estragos.

O Liverpool, porém, começou a pensar no jogo da segunda mão e nas jornadas da Premier League que ainda tem por disputar e colocou algum gelo no encontro, com o objetivo de acalmar o ritmo e segurar as ocorrências sem grande esforço adicional. Os dragões melhoraram e ganharam metros no terreno a partir da entrada de Brahimi, que substituiu Soares, e Marega voltou a beneficiar de duas oportunidades que não conseguiu concretizar, uma na direita e outra na esquerda (69′ e 78′). Sérgio Conceição arriscou tudo, tirou Óliver e Maxi e lançou Bruno Costa e Fernando Andrade, Klopp respondeu e deu-se ao luxo de poupar Mané e Firmino (entraram Origi e Sturridge) e o FC Porto acabou por dominar os últimos dez minutos do jogo — mas sem nunca conseguir propriamente criar uma ocasião. Até ao fim, Felipe ainda reclamou uma grande penalidade, o VAR voltou a nada assinalar e Salah teve uma entrada duríssima sobre Danilo, que podia ter sido punida a nível disciplinar. No final dos 90 minutos, com o 2-0 confirmado, fica latente a ideia de que o resultado não foi mais alargado para o lado do Liverpool porque os ingleses não quiseram; assim como fica patente a noção de que a equipa portuguesa não marcou em Anfield porque Marega não foi eficaz.

À 20.ª visita, o FC Porto continua sem conseguir ganhar em Inglaterra e traz na bagagem uma desvantagem de dois golos que obriga a uma noite quase perfeita na próxima semana no Dragão. Vida difícil para Sérgio Conceição nos quartos de final da Liga dos Campeões, que mesmo com exibições individuais de grande entrega, como são os casos de Alex Telles e Corona, não alcançou mais de uma derrota em Anfield Road. E grande parte disso deve-se a Roberto Firmino — ou Bobby, como lhe chamam os adeptos do Liverpool — que marcou um golo e ofereceu outro, foi o melhor dos reds e é já digno de se juntar a John, Paul, George e Ringo e ser um quinto Beatle.