A primeira-ministra britânica Theresa May está esta terça-feira em Berlim e em Paris para se encontrar com a chanceler alemã, Angela Merkel, e com o Presidente francês, Emmanuel Macron, numa última tentativa de convencer os líderes europeus a aceitarem o seu pedido de adiamento do Brexit para 30 de junho. Ao mesmo tempo, em Londres, prosseguem as negociações com o Partido Trabalhista — motivo pelo qual vários conservadores estão a tentar preparar um plano para afastar a primeira-ministra cujo tempo, consideram, acabou.

O relógio, esse, continua a contar. Se um adiamento não for concedido ao Reino Unido no Conselho Europeu extraordinário marcado para esta quarta-feira, o Brexit está marcado para a noite desta sexta-feira, dia 12 de abril. Para tentar evitá-lo, o Parlamento britânico aprovou a lei Cooper que força a primeira-ministra a pedir um adiamento extraordinário em caso de não-acordo até à data — o que já foi feito por May — para evitar uma saída sem acordo. A medida, contudo, está sempre dependente dos líderes europeus, que têm de aceitar esse pedido de extensão do prazo.

Sabendo que a contagem decrescente não pára, a primeira-ministra irá encontrar-se com Merkel na manhã desta terça-feira, para a tentar convencer de que a data de 30 junho é razoável. Segue depois para Paris para tentar fazer o mesmo com Macron, mas essa tarefa é bastante mais complicada, já que o Presidente francês tem deixado claro que vetará qualquer adiamento do Brexit se May não trouxer “um plano credível”.

Macron recusa adiamento do Brexit sem plano credível de May

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“Este é um Conselho Europeu obviamente único e especificamente focado no Brexit. A primeira-ministra definiu um pedido claro em termos de extensão e é importante que explique qual o racional por detrás desse pedido”, explicou o porta-voz de May, citado pelo Guardian, sobre a decisão de se encontrar com os líderes francês e alemão.

O pedido de extensão para 30 de junho é problemático, devido à realização das eleições europeias, marcadas para 26 de maio. Por essa razão, o presidente do Conselho Europeu Donald Tusk já afirmou que gostaria de ver aprovado um adiamento flexível, apontando como data de saída o mês de março de 2020, mas abrindo a porta a um Brexit mais cedo caso o acordo de saída seja aprovado entretanto pelo Parlamento britânico.

Brexit. Theresa May pediu um alargamento do prazo até 30 de junho. Donald Tusk está disposto a conceder um ano

Em Bruxelas, a data de 30 de junho é recebida com ceticismo. Katya Adler, correspondente da BBC na capital europeia, afirma que os responsáveis europeus “suspeitam que Theresa May quer que eles façam o trabalho sujo por ela” — ou seja, “acredita e espera, segundo esta teoria, que os líderes europeus insistam na extensão longa e flexível de que ela necessita”, sem perder a face perante os seus deputados.

Os encontros de May com Merkel e Macron servirão sobretudo para a primeira-ministra britânica reforçar que o Reino Unido não irá perturbar o funcionamento da União Europeia (UE) até 30 de junho, em matérias como a definição do orçamento comunitário. Em causa está a sugestão do deputado conservador e eurocético Jacob Rees-Mogg, que afirmou publicamente que os britânicos devem “usar os poderes” que lhes restam para vetar o orçamento e impedir mudanças nos tratados. “A cooperação honesta até agora parece ter um sentido único”, sentenciou o deputado e membro do grupo de tories eurocéticos European Research Group (ERG).

“Depois da húbris vem a némesis”. Deputados conservadores tentam golpe para afastar May

Os membros do ERG são precisamente alguns dos deputados que têm feito movimentações, uma vez mais, para tentar afastar May da liderança do Partido Conservador. Em causa está o descontentamento com as negociações abertas pela primeira-ministra com o líder da oposição, Jeremy Corbyn.

De acordo com o Guardian, vários deputados conservadores estarão a enviar cartas para o líder do comité 1922, Graham Brady, que trata das questões disciplinares internas do partido. Os estatutos preveem que, caso 48 cartas de deputados descontentes sejam enviadas ao comité, deverá ser votada uma moção de censura interna à primeira-ministra. Contudo, as mesmas regras preveem que, caso a primeira-ministra sobreviva a essa moção, não poderá ser desafiada novamente na liderança durante um ano. Ora o problema está no facto de isto mesmo ter acontecido em dezembro do ano passado, tornando por isso impossível que May seja novamente posta à prova — o que já levou Brady a dizer que não tem “qualquer intenção de avançar” com uma moção de censura.

Contudo, o ambiente dentro do Partido Conservador continua a ferro e fogo, com os jornais a relatarem que há deputados esperançosos de que uma enxurrada de cartas forçaria Brady a ceder. Na segunda-feira, segundo conta o Telegraph, uma delegação de membros do comité encontrou-se com a primeira-ministra para lhe dar conta do descontentamento interno e do “dano” que estará a causar ao partido. O mesmo jornal garante ainda que a ministra dos Assuntos Parlamentares, Andrea Leadsom, estará “completamente furiosa” com a primeira-ministra pela sua decisão de negociar com o Partido Trabalhista.

O deputado eurocético do ERG Mark François não teve problemas em declarar publicamente o seu descontentamento com May, tornando pública a carta que enviou para Brady. Nela, o deputado sugere que, em vez de uma moção de censura, sejam antes realizados uma série de votos indicativos internos sobre a liderança do partido. “Acredito que May foi um falhanço como líder do partido, que ameaça agora destruir. Aqui está um exemplo clássico de húbris [arrogância] — e depois da húbris, vem a némesis [vingança]”, afirmou.

De acordo com o Telegraph, a carta de François está longe de ter sido a única a ser enviada a Brady com pedidos semelhantes. O tory James Duddridge também defendeu a ideia publicamente:

Se os votos indicativos são bons os suficiente para a Câmara dos Comuns, também devem ser bons o suficiente para as regras internas de um partido”, declarou o conservador.

Labour aposta em segundo referendo nas negociações com May

Enquanto os tories afiam as facas, as negociações com os trabalhistas prosseguem, pelo menos oficialmente. Esta terça-feira, haverá nova ronda de negociações a nível técnico, enquanto May continua o périplo pela Europa.

No dia anterior, o líder trabalhista Jeremy Corbyn mostrou-se algo cauteloso sobre o resultado das conversações que já ocorreram. “Os assuntos-chave onde queremos ver cedências para conseguir um acordo é numa união aduaneira com a UE, alinhamento com o mercado comum e alinhamento dinâmico total com direitos dos trabalhadores, proteção ambiental e padrões para os consumidores”, declarou Corbyn, de acordo com a Sky News.

Estamos preparados para conversar e para apresentar a nossa visão, mas numa negociação tem de haver movimento e, até agora, ainda não houve qualquer alteração nessas linhas vermehas”, afirmou Corbyn, referindo-se à primeira-ministra.

O Telegraph, contudo, dá conta de que terá havido avanços na questão do alinhamento com direitos dos trabalhadores e proteção ambiental. O diário explica ainda que os trabalhistas, segundo explicou o ministro-sombra Keir Starmer, estão focados em conseguir um compromisso de May com um segundo referendo ao acordo que possa sair dessas negociações — algo que, segundo o jornal, estará a ser equacionado pela primeira-ministra, que sublinhou no seu Conselho de Ministros de segunda-feira a necessidade de se ser “pragmático”.

Se as negociações com o Labour colapsarem, May prometeu que levará ao Parlamento uma série de votos indicativos sobre diferentes alternativas. Nos Comuns já houve duas rondas de votos indicativos que não conseguiram reunir uma maioria em torno de nenhuma proposta.

Parlamento terá palavra a dizer num próximo pedido de adiamento

Enquanto trabalhistas e conservadores discutem possíveis acordos para o Brexit e tentativas de afastar a primeira-ministra, a câmara alta do Parlamento, a Câmara dos Lordes, aprovou na noite desta segunda-feira a chamada Lei Cooper, que obriga a primeira-ministra a pedir um adiamento em caso de falta de acordo, a fim de evitar um no deal, e a consultar os deputados.

A proposta de lei foi aprovada através de um procedimento inédito, dada a falta de tempo até ao dia 12 de abril, tendo sido aprovada nas duas câmaras em tempo recorde. Na lei, que já foi assinada pela Rainha, está agora definido que May terá de pedir um adiamento caso não haja acordo aprovado até à data do Brexit e terá de consultar o Parlamento para decidir a duração do adiamento a pedir à UE.

Os deputados, relembra a Sky News, podem agora propor emendas à moção do Governo, definindo o prazo do adiamento ou outro tipo de condições. Qualquer pedido, no entanto, está sempre dependente do OK dos líderes europeus. May sabe-o e é por isso que esta terça-feira estará com Merkel e Macron para tentar evitar uma saída sem acordo na próxima sexta-feira.