Tal como já tinham anunciado, na tarde desta quinta-feira, os deputados socialistas fizeram entrar um projeto de lei para regular as nomeações de familiares para gabinetes ministeriais. No diploma, propõe-se que o membro do Governo que nomeie um familiar direto até 4º grau — ou seja, incluindo primos direitos — seja punido com a demissão automática. Já se sabia também que as nomeações cruzadas não ficariam sob alçada da lei. Mas a novidade é que terão de passar a ser divulgadas no Portal do Governo.

Não sendo exatamente a mesma coisa (Belém via com bons olhos que esse registo fosse entregue na Assembleia da República, como divulgou o Observador), a proposta vai no sentido desejado pelo Presidente da República que queria uma solução também para as chamadas nomeações cruzadas.

De acordo com o projeto de lei, os membros dos Governo não podem nomear para os seus gabinetes “os seus cônjuges ou unidos de facto”, “os seus ascendentes e descendentes”, “os seus irmãos e respetivos cônjuges e unidos de facto”, “os ascendentes e descendentes do seu cônjuge ou unido de facto”, “os seus parentes até ao quarto grau da linha colateral” e “as pessoas com as quais tenham uma relação de adoção, tutela ou apadrinhamento civil”.

Belém sobe a fasquia para resolver familygate: quer impedimentos alargados a deputados e Presidência

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Se esta norma for violada, o diploma, assinado por Pedro Delgado Alves e Carlos César, prevê “a nulidade do ato de nomeação, bem como a demissão do titular do cargo que procedeu à nomeação”. Já as nomeações cruzadas, segundo se lê na proposta, “são objeto de publicação” no Portal do Governo. Mas o rol de ligações familiares sujeitas a esta publicitação é menor do que o das nomeações de familiares: apenas abrange “os seus cônjuges ou unidos de facto; os seus ascendentes e descendentes; os seus irmãos e respetivos cônjuges e unidos de facto“.

O deputado Pedro Delgado Alves já tinha anunciado que o diploma ia ser entregue esta quinta-feira no Parlamento e que iria levar a discussão para a reunião desta tarde da Comissão eventual da Transparência.

Familygate. PS avança com proposta minimalista que só evita nomeações diretas de familiares

O tema que ninguém queria comentar, mas de que todos falaram

O projeto de lei deu entrada no Parlamento minutos antes do início da reunião desta comissão. Por isso, quando o deputado socialista Pedro Delgado Alves o chamou à discussão, todos os partidos utilizaram o mesmo argumento: “ainda não conhecemos o diploma, não podemos pronunciar-nos“. Embora tenham variado na formulação, quase nenhum partido fugiu a esta ideia.

Mas com o decorrer dos trabalhos, os deputados da comissão não resistiram ao comentário e, no fim, todos os partidos acabaram por se pronunciar sobre o diploma mesmo sem o conhecer. Até o próprio presidente da comissão, Luís Marques Guedes (PSD).

O PSD voltou a repetir os argumentos que tem utilizado desde que a ideia de legislar sobre as nomeações de familiares para o Governo foi trazida ao debate pelo primeiro-ministro no último quinzenal. “Aguardo saber o que está escrito no diploma. Se abrange todas as situações que é preciso resolver ou se há algumas que ficam de fora. Agora, posso já dizer que com resoluções casuísticas não concordamos. Sabemos que se pode resolver na Assembleia da República os problemas da Assembleia da República. Sabemos que o Governo pode tirar exemplos daqui e sabemos que as competências do Governo permitem legislar sobre matérias do Governo. Mas não sabemos se a Assembleia da República tem competências para legislar sobre o Governo“, avançou o coordenador do grupo parlamentar social-democrata nesta comissão, José Silvano.

O familygate que não foi gate e o ataque cerrado de Costa ao PSD “raivoso”

O também secretário-geral do PSD deixou ainda uma outra dúvida no ar: “Não sei se será esta a comissão indicada para eventualmente legislar sobre esta matéria ou se será a 1ª comissão [a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias]”.

Já Bloco de Esquerda e PCP discordam da interpretação do PSD e acreditam que o Parlamento tem competências para legislar sobre as nomeações para os gabinetes ministeriais. “Algo que já é limitado pelo Código do Procedimento Administrativo”, explicou o bloquista Pedro Filipe Soares. “Temos total disponibilidade para revisitar a lei, alargar a malha de impedimentos e a capacidade para os fiscalizar, desde que as nomeações cruzadas sejam também abrangidas“, acrescentou ainda o líder do grupo parlamentar do BE.

Os comunistas, pela voz de António Filipe, mostraram-se “disponíveis para o debate sobre esta matéria” embora não a considerem prioritária. “Cabe ao Presidente da Assembleia da República determinar se este debate deve ocorrer nesta ou noutra comissão“.

A posição do CDS é uma espécie de híbrido entre estas duas posições. “Quem criou este problema foi o Governo e cabe ao Governo resolvê-lo. O CDS entende que não se legisla sobre o bom-senso. No entanto, se o debate surgir, o CDS não se põe fora de palco“, anunciou a deputada Vânia Dias da Silva.

Depois de uma ronda em que todos os partidos se pronunciaram, também Marques Guedes quis deixar a sua interpretação, que, como era esperado, casa com a enunciada por José Silvano. O presidente da Comissão eventual da Transparência exacerbou a questão para fazer valer o seu ponto. “Por absurdo, daqui a pouco o Parlamento pode decidir que não podem ser nomeados para os gabinetes do Governo militantes dos partidos, apenas independentes. Isto, a meu ver, viola claramente a separação de poderes”. Ouvindo atentamente estava Pedro Delgado Alves, que ia anuindo com a cabeça e repetindo, de microfone desligado: “E pode, e pode…”