[ATENÇÃO: este texto tem SPOILERS sobre o episódio 1 da oitava temporada da Guerra dos Tronos. Se não quer saber mais, não leia]

Se fosse um jogo de futebol, tinha acabado 0-0. Jogo de primeira mão, daqueles sem história, com as duas equipas a estudarem-se e a preferirem não sofrer do que arriscar a glória de marcar. O primeiro episódio da temporada final de “Guerra dos Tronos” é um notável exemplar de tudo aquilo que a série não é: lento, convencional, linear, previsível, sem ritmo, sem tensão, sem surpresa e quase sem humor. É um primeiro acto arrastado, sem direito a qualquer motivo de excitação especial. O que quer que esteja para acontecer não aconteceu aqui.

A primeira má notícia acerca da oitava temporada de GoT é que, ao contrário do que chegou a ser insistentemente propalado, os episódios – a julgar pela amostra – não têm hora e meia, mas os 50 clássicos minutos. A segunda má notícia é que, para contar o que aparece nestes 50 minutos, teriam bastado 15.

Mas, antes de avançarmos para o pormenor, há outra notícia curiosa no mundo de GoT: é que, apesar da iminência do apocalipse zombie, os cabeleireiros e esteticistas de Westeros parecem cada vez melhores – Sansa que o diga, com umas pestanas capazes de fazer inveja à pontiaguda espada de aço valiriano da irmã Arya. Mas também Jon Snow, Daenerys, Cersei, até Sam Tarly ou Bronn – todos se apresentam com melhor cabelo, melhor pele, mais bem tratados, maquilhados, barbeados, bronzeados, dando a curiosa ideia de que o sucesso dos actores tem feito bem à saúde das personagens.

Quando o genérico começa, às duas em ponto no SyFy, pela primeira vez em simultâneo mundial (pirataria e spoilers obligent), lembramo-nos de uma coisa curiosa: em GoT, como noutras grandes séries da nossa vida, não só não saltamos o genérico, como até aumentamos o som. O que se segue, porém, é um entediante contar de espingardas, saltando entre Winterfell e King’s Landing, isto é, o Norte e a capital, ou: os Stark e os Lannister e respectivos aliados, como se uma estranha convocatória tivesse corrido pelos sete reinos e todos se apresentassem agora, pachorrentamente, ao serviço.

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Voltando à imagem do futebol: é como aquele primeiro dia depois das férias, em que os plantéis se apresentam para fazer testes médicos, mais gordos e bronzeados, mas em que ninguém calça realmente as chuteiras. Ou uma festa em que ainda não passámos do bengaleiro: os convidados chegaram, um a um, cumprimentaram-se e penduraram os casacos. E aqui estamos, de mãos nos bolsos, um ou outro de bebida em punho, à espera da semana que vem, pendurados em banais palavras de circunstância.

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Ao contrário do que aconteceu quase sempre nas sete temporadas anteriores, GoT parece já não poder saltar de reino em reino, de núcleo de personagens em núcleo de personagens, de trama em trama. Tudo se foi concentrando em dois lados que agora parecem, mais grave do que simplistas, maniqueístas: bons e maus. E ainda por cima, visivelmente desequilibrados.

Jon Snow entrou em Winterfell com a sua rainha, Daenerys, o exército de Dothraki e Imaculados e os dois dragões que os seguem. Estão com eles Brienne, Jorah, Davos, Sansa, Arya, Gendry, Tormund, Misandei e Grey Worm, Tyrion, o regressado Varys, The Hound, Bran e, no fim do episódio, até Jaime Lannister. É uma espécie de concílio dos bons, com tanta gente tão despachada à pressa que muitos não chegam a passar de figurantes de luxo. O que importa reter aqui? Que Tyrion tem direito à primeira frase do episódio, antes de quase desaparecer (uma observação pertinente acerca da sorte de Varys em não ter tomates e, portanto, não os ter gelados com aquele frio). Que Sansa não só não grama Daenerys, como pode já ter suplantado em inteligência o próprio Tyrion (Arya dixit). Que Gendry está a fabricar armas para matar zombies. (Pelo meio, há um romântico passeio de dragão. Mas, para aquilo, podia ter sido de pónei.)

A sul, onde o episódio se demora bem menos (sintoma evidente da escassez de personagens – e, portanto, também de forças – do outro lado da barricada), Euron Greyjoy apresenta-se ao serviço de Cersei Lannister com a frota de ferro e Cersei vibra, como esperado, com a ideia de os mortos já terem passado a muralha e avançarem sobre o Norte. E enquanto Euron e Cersei se envolvem instantaneamente numa cena de cama que nem vemos, o guião põe Theon Greyjoy, saído não se sabe bem de onde, a libertar a irmã Yara com o mesmo entusiasmo de despachante de alfândega.

O último de três brevíssimos intervalos é feito no gancho: “Sam Tarly vai ter de dizer a Jon Snow quem ele realmente é, tãnãnãnããã”. Mas nada temam. Sam –pelo aspecto e cultura, o Pedro Mexia de Westeros – logo cumprirá, fielmente, com a sua missão, sem demoras nem especiais transtornos, perante um Jon Snow que também não oferece pouco mais do que um pequeno protestar de resistência para logo acatar a chatice das novidades. Afinal, para um tipo que já morreu e ressuscitou, saber que não é quem sempre julgou ser, ter outro nome, outro pai e outra mãe e ser o legítimo rei desta brincadeira toda, talvez não seja uma coisa assim tão extraordinária. (Curiosamente, fica-se com a ideia de que ainda não lhe caiu a ficha de que isso significa também que anda a dormir com a tia.)

O episódio termina com Bran a olhar fixamente para o recém-chegado Jaime Lannister (o que não pode querer dizer nada de muito bom para o segundo), depois do único momento de algum frenesim: Tormund Giantsbane e Beric Dondarrion descobrindo o corpo desmembrado do pequeno Ned Umber – o terrível sinal de que o Night King e o seu exército de mortos já chegaram.

Vemo-nos para a semana, quando a morte estiver ainda mais perto e a maquilhagem de Sansa Stark ainda mais perigosamente apurada.