Desde as 00h00 desta segunda-feira que o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) iniciou uma greve por tempo indeterminado, numa luta pelo reconhecimento da categoria profissional específica. O Governo decretou serviços mínimos e, no primeiro dia, poucos terão dado por isso. Ao início da manhã do segundo dia de paralisação, porém, o Aeroporto de Lisboa e de Faro já estavam sem combustível, uma vez que são estes motoristas os únicos autorizados a transportar combustíveis por terra. Pela tarde, a corrida às bombas de gasolina para encher o depósito levou ao encerramento de vários postos e a horas em filas de espera um pouco por todo o país. Para agravar, as transportadoras rodoviárias admitiram que, nos próximos dias, podiam chegar ao limite.

[Camião bloqueado, transportes condicionados, corrida aos postos. Retrato da greve relâmpago]

Neste segundo dia de greve, foram por isso realizadas operações especiais para abastecimento e o Governo acabou o dia reunido com o Sindicato, depois de aprovar uma requisição civil com prazo até meados de maio. No final, os sindicalistas comprometeram-se a assegurar os serviços mínimos, mas recusaram por um ponto final na greve. Não era, aliás, esse o objetivo daquele encontro. Oito pontos sobre a greve dos motoristas de matérias perigosas.

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Sem combustível, Governo respondeu com operação de reabastecimento

Depois de um primeiro dia discreto de greve, a previsão do SNMP, pela voz de Francisco São Bento, teve eco: ao início da tarde os aeroportos de Lisboa e Faro ficaram sem combustível. Antes, cerca de 40% a 50% dos postos e abastecimento já não tinham combustível disponível para vender, como avançava o sindicato. Esta quarta-feira, o número foi oficialmente confirmado pela Associação Nacional de Revendedores de Combustível (ANAREC): cerca de 1200 postos de combustível, de um total de 3068 postos ao nível nacional, estão inativos ou pelo menos sem um dos combustíveis.

As falhas obrigaram o Governo, as empresas petrolíferas e as forças de segurança a montarem uma verdadeira operação de reabastecimento. A partir da Companhia Logística de Combustíveis (CLC), em Aveiras de Cima, concelho da Azambuja, por exemplo, pelo menos nove camiões-cisterna saíram, pelas 19h30, em direção ao aeroporto Humberto Delgado. Tinham visível uma placa com a inscrição “serviços mínimos”. Houve alguns momentos de tensão entre os militares e alguns manifestantes em greve que ali se encontravam concentrados.

A Norte, a GNR fez também o acompanhamento de três camiões-cisterna que transportaram combustíveis para o terminal da refinaria da CEPSA, em Matosinhos. As operações replicaram-se.

Durante o dia, também as empresas de transportes rodoviários começaram a anunciar os seus “limites” devido à falta de combustível motivada pela greve dos motoristas de matérias perigosas, disse à agência Lusa o presidente da Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (ANTROP). Num ponto de situação, Luís Cabaço Martins concluiu que seria “uma questão de se esgotarem as reservas”, uma vez que “já havia recusas de abastecimentos por parte das petrolíferas”. O Grupo Barraqueiro, por exemplo, referiu que apenas tinha combustível para “mais um ou dois dias no máximo” e que, se a greve se prolongar, admite “suprimir serviços públicos de transportes”, referiu a fonte da empresa à agência Lusa.

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INEM lançou apelo aos condutores

Enquanto o Governo tentava resolver o problema dos combustíveis e a consequente paralisação dos transportes, durante a tarde de terça-feira, o Instituto de Emergência Médica (INEM) fez um apelo aos condutores: que dessem prioridade ao abastecimento das ambulâncias nas bombas de gasolina que ainda tivessem combustível. Em resposta ao Observador, o INEM explicou que “todas as viaturas, incluindo as do parque reserva do Instituto, foram atestadas durante a manhã de hoje [terça-feira]”, por precaução, e que, “paralelamente, o INEM conseguiu acordos com fornecedores para reserva de combustível a ser utilizada pelas viaturas do Instituto”, procurando evitar qualquer falha que ponha em causa o socorro médico urgente.

Ainda assim, o Instituto manteve-se “em contacto permanente com a ANEPC [Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil] para que esta situação não represente qualquer tipo de constrangimento” e apela “aos cidadãos para que possam dar prioridade aos veículos de emergência médica nos postos de abastecimento”.

Governo declarou “situação de alerta” e pediu ajuda a todos os bombeiros com cartas de pesados

Ao final da tarde, os ministros da Administração Interna e do Ambiente e da Transição Energética declararam “situação de alerta” devido à greve nacional dos motoristas de matérias perigosas, implementando medidas excecionais para garantir os abastecimentos. Segundo a nota do Governo, esta situação de alerta será para manter até ao dia 21 de abril. Significa isto a “elevação do grau de prontidão e resposta operacional por parte das forças e serviços de segurança e de todos os agentes de proteção civil, com reforço de meios para operações de patrulhamento e escolta que permitam garantir a concretização das operações de abastecimento de combustíveis, bem como a respetiva segurança de pessoas e bens”, ou seja durante este período os polícias e a proteção civil deverão ser reforçados.

Não só. O Governo declarou também níveis mínimos para cada posto de abastecimento. A nota referia a “declaração de reconhecimento de crise energética, que acautele de imediato níveis mínimos nos postos de abastecimento, de forma a garantir o abastecimento de serviços essenciais, designadamente para forças e serviços de segurança, assim como emergência médica, proteção e socorro”.

O despacho conjunto dos dois ministros decidiu ainda convocar todos os bombeiros com carta de pesados a colaborarem nestas operações de abastecimento. A “convocação dos trabalhadores dos setores público e privado que estejam habilitados com carta de condução de veículos pesados com averbamento de todas as classes de ADR, designadamente os trabalhadores que desempenhem cumulativamente as funções de bombeiro voluntário, bem como os demais agentes de proteção civil habilitados à condução de veículos pesados, salvaguardadas que estejam as condições de segurança das operação de trasfega”. E as empresas e os trabalhadores dos setores público e privado que estejam “habilitados a apoiar as operações de abastecimento de combustíveis necessárias”.

… E avançou com uma requisição civil

A portaria que efetiva a requisição civil dos motoristas de matérias perigosas em greve desde segunda-feira foi publicada terça-feira em Diário da República, assinada pelo ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Matos Fernandes. Nela lê-se que, nos dias 16, 17 e 18 (entre terça-feira e quinta-feira, “os trabalhadores motoristas a requisitar devem corresponder aos que se disponibilizem para assegurar funções em serviços mínimos e, na sua ausência ou insuficiência, os que constem da escala de serviço”. A requisição civil produz efeitos até ao dia 15 de maio.

A resolução do Conselho de Ministros que reconhece a necessidade de requisição civil para a greve dos motoristas de matérias perigosas, uma vez que é necessário “assegurar a satisfação de necessidades sociais impreteríveis na distribuição de combustíveis”. Os trabalhadores que estejam na escala são obrigados a cumprir os serviços.

Após a requisição civil, os militares da GNR mantiveram-se de prevenção em vários pontos do País para que os camiões com combustível pudessem abastecer e sair dos parques sem afetarem a circulação rodoviária. Gerou-se a corrida aos postos de abastecimento de combustíveis provocando congestionamento nas vias de trânsito.

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O que saiu da reunião entre Governo e Sindicato

Para garantir que são cumpridos os serviços mínimos, o Governo convocou o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas e a ANTRAM para uma reunião pelas 21h00 de terça-feira. No final, um comunicado dava conta de que aeroportos, hospitais, transportes públicos e grandes centros de consumo seriam as prioridades para entrega de combustível durante a requisição civil declarada pelo Governo. Esta decisão saiu da reunião entre o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM).

O Ministério das Infraestruturas e da Habitação, nas mãos de Pedro Marques, referia em comunicado que Governo e Sindicato acordaram que os serviços mínimos fossem assegurados já a partir do início da manhã de quarta-feira. A esta hora, já a ANTRAM terá enviado as listas com as escalas de serviço de cada empresa associada, enquanto o sindicato se comprometeu a destacar os trabalhadores que deverão assegurar essa escala.

Sindicato disponível para cumprir serviços mínimos, mas sem fim de greve à vista

À saída da reunião, o presidente da ANTRAM, Gustavo Paulo Duarte, garantiu que a reunião “não servia para levantar a greve”, mas sim para “definição dos serviços mínimos para que a população não sofra o que sofreu nos últimos dias”.  Já o vice-presidente do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, Pedro Henriques, garantiu que os serviços mínimos vão ser cumpridos. Quanto ao abastecimento civil, Pedro Henriques declarou que será apenas nas cidades de Lisboa e Porto, antecipando problemas no abastecimento no resto do País, avançou o Jornal de Negócios.

Em declarações à Lusa, o vice-presidente do sindicato, Pedro Pardal Henriques, disse que falou por telefone “já várias vezes” com o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, sobre a greve que está a afetar o abastecimento de combustíveis no país.

“Nós dissemos ao senhor ministro aquilo que já tínhamos dito antes, que parte dos serviços mínimos estão a ser assegurados, ou seja, os serviços de saúde e da proteção civil estão a ser assegurados e dissemos que estávamos disponíveis para cumprir a lei no que respeita à requisição civil”, afirmou o sindicalista.

Por agora, o sindicato aceita os serviços mínimos, mas diz que a greve não termina enquanto o Governo não aceitar as reivindicações.

E se os motoristas não cumprirem os serviços mínimos?

Se a requisição civil não for acatada, estão previstas na lei consequências para os trabalhadores que não compareçam ou que se recusem a trabalhar que podem ir de um processo disciplinar a um processo-crime. Aliás, o próprio vice-presidente da bancada socialista, Carlos Pereira, lembrou-o no parlamento ainda antes da reunião com os sindicatos

“Consideramos essencial que seja assegurado que a requisição civil e os serviços mínimos sejam cumpridos. Não sendo cumpridos, estamos perante um crime de desobediência”, disse o dirigente da bancada socialista.

Aos jornalistas, Carlos Pereira mostrou-se convicto de que o Governo “fará tudo o que estiver ao seu alcance para assegurar que o abastecimento é garantido”.

Serviços mínimos não garantem reabastecimento

Apesar de terem sido decretados os serviços mínimos, não significa que as dificuldades de abastecimento terminem. O alerta é do próprio responsável pela Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas. Sem avançar com um número de postos de combustível, mas admitindo um “número significativo, António Comprido disse à Lusa que a situação de escassez se deverá manter até ao fim da greve.

“[Os serviços mínimos] apenas referem uma percentagem do abastecimento que ocorre em situações normais, portanto, vamos manter-nos numa situação de escassez, mesmo que se consigam cumprir os serviços mínimos na totalidade, o que não está ainda a acontecer”, assegurou.

O responsável considera normal que havendo uma greve prevista sem fim à vista, que exista um corrida ao abastecimento de combustível. “Os postos, nomeadamente, aqueles que têm uma grande rotação de consumo, são abastecidos em intervalos de tempo bastante pequenos, alguns diariamente, outros de dois em dois dias ou de três em três dias. Se já estiverem há um ou dois dias sem serem abastecidos, é provável que comece a haver muitos sem combustível. São tantos, a cada hora que passa, mais ficarão nessa situação”, sublinhou.