Dezoito anos juntos, há oito meses em Lisboa e uma agência de branding com um ano no colo. Para trás, no Reino Unido, ficou o resto da família, dos amigos e um dos vários negócios que lançaram juntos ao longo da vida: um espaço de cowork que ocupa três edifícios de uma rua em Bristol, o Pollen Place, que ajudam a gerir à distância e uma loja online de designers que fizeram crescer durante sete anos. Catarina e Roger How, 36 e 35 anos, são as mentes por detrás da Polleni, a agência de branding com um produto só para startups que desde o final de agosto de 2018 mora na Second Home, em Lisboa — incubadora à qual carinhosamente chamam “a casa dos refugiados do Brexit“. É lá que Catarina conta ao Observador porque se mudou com a família — o marido e dois filhos, de quatro e dois anos — para a capital portuguesa.

“Quisemos vir para aqui, porque queríamos alargar os nossos horizontes. Com o Brexit a acontecer, quisemo-nos distanciar dele, internacionalizar-nos e posicionar-nos como europeus”, explica a diretora criativa da agência

Ao lado da mulher, Roger How acrescenta que há muito que queriam sair de Bristol, mas acabou por ser o Brexit que os “empurrou” para fora das fronteiras do Reino Unido. “Foi o que nos atirou borda fora”, conta. A isso, juntaram-se “as coisas excitantes que estavam a acontecer em Lisboa”, uma participação na Web Summit e uma decisão que demorou apenas sete semanas a concretizar-se. “Vir para aqui foi um risco, porque a agência era tão jovem. Em sete semanas mudámo-nos. Decidimos vir em junho e estávamos cá no final de agosto. Foi de doidos. Em Bristol, toda a gente panicou”, conta Catarina, que além de cidadania britânica também tem portuguesa, da parte da mãe.

No espaço que alugaram na também britânica Second Home, Catarina e Roger dão corpo à Polleni, uma agência que se propõe a ajudar as empresas a construir a sua identidade enquanto marca, que pode passar apenas pelo desenho da estratégia a um trabalho mais completo. Dentro deste projeto, criaram outro: uma espécie de startup para ajudar outras startups que, por enquanto, dá pelo nome de Startabrand. “Percebemos que há uma grande necessidade de branding nas startups, mas elas têm sempre de decidir onde querem gastar o dinheiro: se é no produto, no Marketing, na construção da marca. Isso é um problema. A construção da marca é uma coisa que pode ser feita de forma barata, mas para uma startup ter realmente sucesso e as coisas correrem bem é muito importante que entendam a sua audiência e que falem sobre ela e com ela”, explica Roger.

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O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, com o fundador da Web Summit, Paddy Cosgrave, e o primeiro-ministro António Costa, na abertura da Web Summit em 2018

Encontraram esta necessidade durante a primeira (e única) Web Summit em que participaram, no ano passado. Catarina explica que foi durante as conversas que teve com outros empreendedores no evento que percebeu que o trabalho que faziam na agência podia ajudá-los, apesar de se queixarem que não tinham dinheiro para pagar um serviço como este. Pegaram no que ouviram e meteram as mãos ao trabalho: o projeto de branding para as startups junta a construção da marca à do site, fica tudo condensado num só produto e a marca é desenhada a partir daí. Na fase inicial, a agência desenvolveu o Startabrand com base no feedback do trabalho que ia fazendo com quatro startups britânicas.

“Está a ser uma colaboração muito próxima entre a tecnologia, o design e o programador front-end e estamos a tentar que estes dois mundos se encontrem”, explica Roger. Atualmente, são 12 as startups europeias que participam no projeto. Ainda não há nenhuma portuguesa no portefólio, mas o casal de empreendedores espera mudar isso em breve. “Uma das razões pelas quais estamos aqui é a de querermos tornar esta ideia disponível para o mercado internacional, mas também para o mercado português”, explica Catarina. A Polleni, contudo, já conta com nomes portugueses no portefólio.

Da Austráia à loja online de designers, um cowork e uma agência

Catarina e Roger conheceram-se na universidade de Bristol, quando tinham 18 anos. Ela estudava Inglês, ele Engenharia Eletrónica. “Acho que estamos juntos há mais tempo do que aquele em que não estivemos juntos“, conta Catarina, entre sorrisos cúmplices. “Penso que, neste tempo todo, nunca estivemos mais do que uma semana separados”, acrescenta. Começaram por fazer mercados juntos, ao sábado, enquanto trabalhavam por conta de outrem e perceberam que funcionavam bem e que gostavam de trabalhar juntos. Nunca mais pararam.

“O motivo pelo qual queríamos ter o nosso negócio era porque não gostávamos da ideia de o trabalho ser uma coisa separada da vida e se conseguíssemos combinar o trabalho e a vida, trabalhando numa linguagem que gostássemos, então isso não pareceria trabalho. Iria parecer que estávamos apenas a passar tempo juntos, a criar ideias”, explica Roger.

Quando a universidade terminou, Catarina foi trabalhar como jornalista para o Metro e Roger foi para a equipa de branding da BBC. Depois, foram para a Austrália durante três anos. Voltaram para o Reino Unido para Catarina fazer um mestrado em Londres, em Comunicação. Estiveram naquela cidade durante dois anos, onde ficaram novos. Em 2009, casaram-se e mudaram-se para Bristol. Foi lá que abriram uma loja online de artigos de designers independentes, que começou no quarto de ambos e que cresceu até faturar cerca de 300 a 400 mil libras  (entre 350 mil e 463 mil euros) por ano e empregar mais pessoas. “Há 10 anos não uma coisa muito nova, não havia muitas lojas a fazer isto”, explica Catarina. Geriram o negócio durante cerca de 8 anos até que o venderam, mas não revelam por quanto.

O espaço de cowork em Bristol já ocupa três edifícios numa rua e tem um espaço só para eventos

Foi nessa altura que também compraram o espaço do cowork em Bristol, o Pollen Place, “por causa desta ideia da polinização de ideias e pessoas“, contam. Ao primeiro edifício que compraram juntaram outro ao lado e, mais tarde, um terceiro no outro lado da rua e lançaram a agência de branding enquanto geriam o espaço de cowork. “Estávamos a gerir os dois negócios em paralelo e depois tivemos um segundo filho. Foi muita coisa junta e quando as coisas estavam a estabilizar, decidimos mudar para Lisboa”, diz.

Desde final de agosto na capital portuguesa, contam que no início não foi fácil. “Nos primeiros meses foi muito duro, porque estávamos a tentar descobrir onde podíamos trabalhar, onde podíamos deixar as crianças, em que escola, tivemos um acidente de carro… Os primeiros meses foram mesmo muito duros e tínhamos sempre a dúvida — ‘O que é que fizemos? Isto está certo? Como vamos resolver?’ –, mas nunca nos arrependemos de nos ter vindo para Lisboa. Sabíamos que era bom para o nosso negócio no longo prazo, mas no curto prazo era dor por todo o lado”, conta Catarina.

E porque é que estar em Lisboa era bom? “Porque há muitas oportunidades em Lisboa e acho que nos internacionaliza mais. Viajamos mais desde que estamos aqui. Vamos mais vezes a Londres do que íamos quando estávamos em Bristol. Imediatamente abriu-nos os horizontes para muitas pessoas diferentes, portugueses e outros estrangeiros”, diz Catarina. O marido acrescenta: “Lisboa é uma cidade mais internacional. Aqui, na Second Home, conhecemos pessoas de todo o lado, literalmente de todo o mundo”. Mas a “económica local portuguesa” não é a mesma do Reino Unido e Roger How evidencia isso.

Catarina e Roger How dizem que Lisboa pode tirar vantagens do Brexit, por ser uma cidade aberta , FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

“Para uma agência como a nossa é quase impossível ganhar clientes cá por causa da diferença no valor atribuído ao design e ao marketing, no geral. No Reino Unido, isso está muito bem estabelecido, é muito competitivo e as empresas estão dispostas a pagar a outras pessoas que façam isto muito bem. Por cá, a mentalidade não é tão assim, apesar de estar a mudar e acho que é uma altura muito importante para estarmos cá. Muita gente está a mudar-se para Lisboa e a trazer outros pensamentos. E quisemos vir para aqui cedo para estarmos no início de tudo e ajudarmos isto a crescer. Aqui podíamos ser mais únicos, não há muitas agências a fazer o que estamos a fazer”, conta.

Sobre o motivo que acelerou a saída do Reino Unido e a escolha por Lisboa, o Brexit, dizem que pode ser uma mais-valia para um país como Portugal. “Em Inglaterra, 98% das pessoas que trabalham nas industrias criativas votaram para ficar [na União Europeia]. Acho que os outros países vão beneficiar disto”, diz Roger, deixando escapar, antes de se despedir: “Acho que Lisboa tem aqui uma oportunidade. Acho que é um ganho intelectual, sem dúvida, porque é uma cidade muito aberta. Nunca conheci uma mentalidade e cultura tão aberta e tão feliz por receber pessoas como esta”.