Continua o desentendimento sobre as negociações em torno da nova Lei de Bases da Saúde. Com quem vai, afinal, o Governo aprovar a nova lei: com a esquerda ou a direita? Os últimos dias têm sido intensos em avanços e recuos depois de, na semana passada, o Bloco de Esquerda ter dado uma conferência de imprensa onde erguia a bandeira e clamava ter chegado a acordo com o Governo para uma lei mais restritiva: onde ficava inscrito o fim das PPP na Saúde. O Governo, contudo, alega que se tratava apenas de um documento de trabalho e que “não devia ter sido divulgado sem autorização”. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, explicou mesmo aos jornalistas, esta sexta-feira, que essa versão apresentada pelo BE, apesar de ter a assinatura da ministra da Saúde, Marta Temido, não era a versão final porque não reunia consenso entre o Governo e o PS. Ou seja, mesmo tendo a assinatura da ministra, a proposta do Governo que chegou às mãos do Bloco de Esquerda não era consensual entre socialistas. Daí o recuo.

“Os processos de negociação não costumam ser públicos, portanto estamos a falar de avanços e recuos de um processo de negociação. É normal haver avanços e recuos numa negociação. O que se pretendeu foi encontrar uma versão de aproximação que fosse o mais consensual possível dentro de quem faz a proposta [dentro do Governo]”, disse Duarte Cordeiro numa declaração aos jornalistas no Parlamento. “Sobre aquela versão [do BE], não foi consensual dentro do Governo e do PS e, portanto, foi comunicado aos parceiros que essas posições tinham sido alteradas”, acrescentou, garantindo que o BE sabia, quando apresentou a proposta dando-a como garantida, que não era a versão final e consensual. “Havia conhecimento do BE quando apresentou a proposta que não havia entendimento”, disse.

Ao Observador, fonte do BE nega que soubesse nessa altura que se tratava apenas de um documento de trabalho, visto ter a assinatura da ministra da Saúde. Sabia, sim, que não havia acordo “a três” (com o PCP e PS). Foi aí que o BE decidiu avançar na mesma, informando de que, “não havendo posição conjunta a três, iríamos avançar na mesma porque estávamos de acordo com a proposta do Governo”.

A versão mais consensual acabou por ser apresentada na quarta-feira pelo…PS. “Foram discutidas várias versões de aproximação e a do Partido Socialista foi a que reuniu maior consenso no Partido Socialista, que a apresentou naturalmente em concertação com o governo“, disse ainda Duarte Cordeiro. Ou seja, a versão que chegou às mãos do Bloco de Esquerda não era do agrado de todo o governo e todo o PS, daí o PS ter apresentado depois novas propostas de alteração.

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Questionado sobre o facto de ter sido tornado público um documento, assinado por Duarte Cordeiro e entregue ao Bloco de Esquerda, onde se vê um cronograma, uma espécie de guião, com o calendário e as fases por onde iria passar a proposta de lei até esbarrar no veto do Presidente da República, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não negou a existência do documento, mas desvalorizou-o. “Estamos numa fase da legislatura em que não podemos desconsiderar todas as possibilidades, e o veto é uma delas”, disse. Mas Duarte Cordeiro acrescentaria de seguida que o facto de ter dado ao BE um guião para ultrapassar o eventual veto de Marcelo não significa “que tivesse fechado um entendimento quanto a um caminho que implicasse veto. Significa apenas que analisámos todas as possibilidades”.

“Não há nenhum tabu em relação a isso”, disse ainda, lamentando apenas que “alguns documentos tenham sido publicados sem autorização”.

Quando a “poeira assentar”, Duarte Cordeiro quer voltar a focar que o debate deve ser entre manter a atual Lei de Bases, da autoria do PSD e CDS, ou reforçar o papel do Estado numa nova Lei de Bases, deixando um aviso aos parceiros: “A opção é entre a atual Lei de Bases da Saúde [que foi aprovada pelo PSD e CDS] ou uma nova Lei de Bases com mais direitos para os utentes, que defende a primazia do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a gestão pública do SNS. O Governo acredita que é possível chegar a um entendimento”. Ou seja, ou BE e PCP aceitam o que o PS tem, ou o PS terá de se virar para o PSD (que, de resto, já se mostrou disponível).