Sem saber onde estava, onde o pai vivia ou onde tinha acontecido o crime que acabara de testemunhar e que roubara a vida à sua mãe e ao seu irmão, Jonas, o menino de cinco anos que conseguiu escapar ao pai, deu uma pista fundamental às autoridades: o carro novo do pai. Sem uma marca ou modelo, a polícia conseguiu, no entanto, chegar à morada de  Thomas Handrick em Adeje, Tenerife (Espanha). O alegado assassino, que estava descansadamente a dormir, resistiu à detenção e não se mostrou cooperante. Esta sexta-feira, uma juíza determinou que ficaria em prisão preventiva, sem possibilidade de pagar uma caução pela liberdade.

“Vinha assustado, sem deixar de olhar para trás”, assim o descreve ao El Confidencial Rosi, moradora em Adeje, e a primeira a encontrar a criança que tinha passado horas perdida na floresta. Mas Rosi não falava alemão e Jonas não falava outra língua. Valeu-lhe uma vizinha holandesa, Annelies, que ouviu o relato da criança: o passeio, os brindes de Páscoa escondidos e a caverna para onde os tinha levado. “É aí que ele diz que viu o pai começar a bater na mãe.”

Rapidamente se tornou claro às autoridades que era preciso, por um lado, encontrar as duas vítimas, por outro, o suspeito das agressões. Mas Jonas estava na ilha há poucos dias e não conseguia dar muitos elementos que pudessem levar à identificação da casa do pai, como explicou o jornal El Confidencial. Valeu a ação da psicóloga da Guardia Civil, que ganhou a confiança do menino e lhe fez as perguntas certas.

— Como é que o teu pai vos levou para o monte?
— De carro.
— Como é o carro? Recordas-te?
— Não sei, escuro, era um carro novo.

A informação foi suficiente para a Guardia Civil arriscar procurar juntos das empresas de aluguer de viaturas por um cliente de nome Thomas Handrick. Uma tentativa bem sucedida: em poucos minutos tinham a morada do suspeito. Thomas Handrick estava a dormir no sofá quando os agentes chegaram. Negou saber do paradeiro da mulher e dos filhos, disse que tinham ido caminhar para o monte, mas que ele tinha ido para casa descansar. Mas a postura áspera, quase violenta, e as feridas que tinha na cara e nos braços ajudaram a que fosse levado, algemado, pelos guardas. A partir daí nunca mais aceitou colaborar com as autoridades. Não quis sequer responder às perguntas da juíza.

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A falta de colaboração não impediu a juíza do Tribunal de Violência sobre as Mulheres, de Arona, de tomar uma decisão, que teve em conta o relato da criança e a autópsia preliminar realizada às duas vítimas. “Ao entrar na caverna, o meu pai deu uma chapada à minha mãe e ela caiu no chão. Então, o meu irmão atirou-se ao meu pai para evitar que lhe batesse mais. O meu pai deu-lhe um pontapé para o afastar e, enquanto a minha mãe se levantava do chão, voltou a bater-lhe”, disse o menino à psicóloga, o que é compatível com as agressões violentas identificadas nos exames preliminares aos cadáveres.

Criança de cinco anos correu 4 km para fugir do pai que viu a matar o irmão e a mãe

Thomas Handrick, de 43 anos e cozinheiro na ilha de Tenerife, ficou assim em prisão preventiva, sem caução, suspeito de duplo homicídio da mulher e do filho mais velho e de tentativa de homicídio do filho mais novo, noticiou o jornal La Vanguardia. Juan Salvador Léon, um governante do arquipélago, não hesita em dizer que considera que o ataque “foi premeditado”. “Ele tinha-o mais do que estudado, enganando os filhos e a esposa, provavelmente por causa da confiança que tinham nele.” Thomas Handrick disse-lhes que iam à caverna procurar uns brindes de Páscoa que tinha escondido, contou o menino. “Preferi a vida do que os presentes de Páscoa”, terá dito a criança à tradutora para justificar porque é que fugiu, citada pelo ABC. A tradutora diz que nunca chorou, enquanto contava a história, mas não parava de perguntar pela mãe.

Silvia Handrick trabalhava numa empresa de serviços informáticos

Thomas e Silvia estavam separados, embora o processo de divórcio ainda não tivesse sido concluído. As crianças, que viviam com a mãe em Halle, uma cidade do estado da Saxônia-Anhalt, na Alemanha, não sabiam o que se passava entre ela e o pai — a viver nas ilhas Canárias —, apenas que estariam separados por motivos profissionais. As ausências do marido, por motivos de trabalho, já eram regra, como disse Silvia Handrick ao jornal alemão Mitteldeutsche Zeitung, em 2013 — agora lembrado pelo jornal El Mundo.

A alemã de 39 anos era gestora de produto na empresa de serviços informáticos Gisa, em Halle, trabalhando sobretudo com clientes na área da indústria e da energia. A possibilidade de trabalhar a partir de casa dada pela empresa, permitia-lhe estar mais disponível para os dois filhos, que, conforme cita o jornal El Mundo, teriam nascido em 2008 e 2011. Estas datas (sobretudo a segunda) entram em conflito com a idade que foi avançada para a criança que escapou à violência do pai: inicialmente foi indicado que teria cinco anos, alguns jornais (como o jornal El Confidencial) estão a dá-lo como tendo seis anos, mas segundo o jornal El País fará oito anos dentro de duas semanas.

Jonas poderá vir a ficar à guarda de um padre alemão

Jonas ficou sem mãe nem irmão, o pai está preso e ele ficou retido num país que não conhece. Por decisão do juiz, esta sexta-feira, Jonas ficou sob a guarda do Governo das Canárias de forma temporária. O juiz autorizou que a criança seja visitada por um padre alemão, com a autorização da família, e deixou aberta a possibilidade de este se vir a tornar o tutor da criança. Alguns jornais noticiaram que os avós maternos iriam a Tenerife para se encontrarem com a criança, mas isso acabou por não acontecer e não é certo quem poderá viajar até à ilha — se os avós ou uma tia —, noticiou o jornal local Diario de Avisos, do El Español. Provavelmente será “quem esteja mais forte” para enfrentar a situação, disse Cristina Valido, conselheira de Políticas Sociais do Governo das Canárias.

Depois de cumprido um minuto de silêncio pelas vítimas, Cristina Valido informou que Jonas tem tido um acompanhamento adequado no centro de acolhimento onde se encontra e tem recebido a visita de Annelies, que lhe serviu de intérprete quando foi encontrado, noticiou o jornal local La Provincia. A conselheira do Governo lembrou ainda que só este ano as Canárias já registaram sete mortes por violência contra mulheres e que muitas outras mulheres e crianças sofrem de violência doméstica.