Em 2011, quando o emirado do Qatar adquiriu o Paris Saint-Germain, o clube da capital francesa não era campeão nacional desde 1993/94, temporada em que conquistou a Ligue 1 com o português Artur Jorge a comandar a equipa e um plantel que tinha Valdo, Ginola e Weah. Antes disso, o PSG só tinha sido campeão francês uma vez, em 1986. Quer isto dizer que, na altura em que o emir do Qatar decidiu investir no clube parisiense, este estava longe de ser uma potência do futebol francês ou europeu.

Passaram oito anos. Na primeira declaração enquanto presidente do PSG, Nasser Al-Khelaïfi colocou em cinco anos o prazo máximo para conquistar a Liga dos Campeões, troféu que o clube ainda não tinha no seu palmarés. Os cinco anos esgotaram-se em 2016 e os três extra culminaram com a eliminação aos pés do Manchester United, logo nos oitavos de final, no passado mês de março. Apesar dos triunfos a nível interno – desde que o Qatar controla o PSG, o clube só não foi campeão na primeira temporada e em 2016/17, ano em que ficou a oito pontos do Mónaco de Leonardo Jardim –, a verdade é que a equipa da capital francesa continua muito longe de alcançar os objetivos extra-fronteiras: nunca chegaram sequer às meias-finais da Champions, caindo nos quartos em quatro ocasiões e nos oitavos noutras três.

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O projeto qatari, liderado por Al-Khelaïfi mas com uma influência muito forte por parte do próprio emir do Qatar, Tamim Ben Hamad Al-Thani, vive dias difíceis não só dentro dos relvados como fora deles. O PSG sagrou-se bicampeão francês no passado domingo de Páscoa – não sem antes desperdiçar três oportunidades para selar o título – mas perdeu a Taça de França para o Rennes nas grandes penalidades no último fim de semana depois der estado a ganhar por dois golos. Ao desaire na Taça, impulsionado pelo fiasco na Liga dos Campeões, soma-se o caso Rabiot, que continua a deixar o jogador fora das opções de Thomas Tuchel, a agressão de Neymar a uma adepta após a final com o Rennes e ainda a relação conflituosa entre o treinador e Antero Henrique, que torna ainda mais difíceis as decisões que têm de ser tomadas para preparar a próxima época.

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Próxima época essa que pode ser a última em que o Qatar controla os destinos do PSG. De acordo com o Le Parisien, o emirado não está contente com as críticas públicas feitas à prestação do clube e está cada vez mais inclinado para a opção de deixar França, um país que considera hostil à presença do investimento qatari. Segundo o jornal francês, o emir estará mesmo a estudar a possibilidade de começar já um diminuição significativa do financiamento do PSG com o objetivo de culminar com a desconexão económica do clube a curto-médio prazo, possivelmente já no final de 2019/20.

A lista de motivos para esta vontade de deixar o projeto iniciado em 2011 no PSG é longa mas, à cabeça, está o facto de o Qatar não entender como é que o clube – e a respetiva direção e liderança – pode ser tão criticado quando se relançou no futebol europeu nos últimos anos, convertendo-se numa das marcas desportivas mais valiosas do mundo e por onde passaram nomes como David Beckham e Ibrahimovic. Depois, o emirado está descontente com aquilo que considera ser falta de apoio ao futebol francês por parte do próprio país: principalmente no que toca aos direitos televisivos, já que a Mediapro, um grupo audiovisual, esperou até à última hora do mercado de verão do ano passado para ter a certeza de que Neymar e Mbappé ficavam em Paris; caso contrário, não tinham adquirido os direitos de transmissão da Liga francesa em França nos próximos anos, no valor de 1.150 milhões de euros.

O descontentamento agravou-se com as consecutivas declarações de Jean-Michel Aulas, presidente do Lyon e um dos principais críticos da administração do PSG, e a elevada carga fiscal aplicada pelo Estado francês (que, segundo o Le Parisien, já custou mais de mil milhões aos cofres do Qatar). Por fim, o emir Tamim Ben Hamad Al-Thani não concorda com as regras aplicadas pela UEFA no que toca ao fairplay financeiro e considera uma “aberração” o facto de não poder gastar o próprio dinheiro para contratar jogadores. De recordar que em 2017, quando o Barcelona inverteu uma goleada por 4-0 em Paris e eliminou o PSG nos oitavos da Champions, Al-Thani movimentou rapidamente 400 milhões de euros com o objetivo de contratar Neymar ao Barça e Mbappé ao Mónaco – uma operação que, graças às regras financeiras da UEFA, o emir dificilmente poderá repetir.

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Ainda que Nabil Ennasri, diretor do Observatório do Qatar, garanta ao Le Parisien que uma venda do PSG por parte do emirado antes do Mundial 2022 é “quase impossível” – já que o Campeonato do Mundo vai ser organizado pelo Qatar e este “precisa do PSG” para ganhar “crédito no mundo do futebol” –, o mesmo jornal adianta que o emir está já a olhar para outros clubes europeus passíveis de investimento. Isto porque, apesar de o projeto com o PSG não estar a cumprir os desígnios apontados em 2011, o Qatar considera o futebol um ponto estratégico na sua política de investimentos. Assim sendo, o Qatar Sports Investment, a entidade que é formalmente a proprietária do PSG, estará já em conversações com a Roma para adquirir o clube italiano. A partir daí, o objetivo do emir seria expandir o projeto a Inglaterra (onde os qataris estarão a acompanhar vários clubes do Championship, a Segunda Liga inglesa).

A próxima temporada afigura-se então um ano chave para o PSG e para o investimento do Qatar no clube francês. A resolução do problema de Rabiot, a saída ou de Thomas Tuchel ou de Antero Henrique (ou o cessar-fogo entre os dois), a permanência de Mbappé e Neymar e a conquista da Liga dos Campeões são quatro linhas de pensamento que teriam de se alinhar de forma a colocar o emir e o emirado nas boas graças da opinião pública francesa. Até porque uma saída do Qatar do futebol francês desvalorizaria em larga escala o PSG e a Liga francesa, que deixaria de ter um candidato real às competições europeias.

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