Uma exposição sobre a história dos rostos, criada a partir do livro de um historiador alemão e concebida como um ensaio visual, com peças das coleções Berardo, abre na quarta-feira ao público, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

“Histórias de Rostos: Variações de Belting” é o nome da nova exposição do Museu Coleção Berardo, que parte de “Faces. Uma história do rosto”, do historiador alemão Hans Belting (1935). A ideia foi a de “ampliar o livro, daí o nome ‘variações'”, explicou Marta Mestre, uma das curadoras desta mostra, que resulta de uma curadoria coletiva.

Concebida como um ensaio visual, esta exposição explora as dimensões antropológicas e artísticas do rosto, combinando uma seleção de obras das coleções Berardo, de outros acervos nacionais e internacionais, e de diferentes âmbitos disciplinares, juntando pintura, fotografia, escultura, vídeo, artes gráficas, registos de arquivos e matérias científicas, entre outras expressões artísticas e comunicacionais.

Segundo Hans Belting, o rosto é “a primeira imagem” e “o ponto de fuga para o qual convergem todas as imagens”, estando estas ideias patentes na exposição, que abre com vários autorretratos do fotógrafo português Jorge Molder — a quem é dedicado um capítulo do livro — e termina com uma foto ampliada do rosto de uma mulher, colocada ao fundo de um corredor, que funciona como “ponto de fuga” para todos os visitantes.

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Ao longo da história, o Homem sempre procurou encontrar “o eu humano” por detrás “desta superfície mágica e animada” que é o rosto humano, mas, “apesar de todas as tentativas de capturar em imagens a essência do ser humano através do desenho, da estatuária, da fotografia, da pintura e do cinema, o rosto permanece um grande mistério”, explicam os curadores, acrescentando que algumas das mais antigas imagens que existem são rostos.

Por isso, ainda no início do percurso expositivo, mostra-se ao visitante um vídeo com uma imagem de um crânio de Jericó, que data do neolítico, pondo em evidência o rosto a partir do ritual da morte, segundo Marta Mestre, apontando, logo ao lado, um “trabalho mais plástico”, da autoria de Ângelo de Sousa, que reproduz imagens de rostos feitas com guardanapos rasgados, alguns manchados de sangue.

A partir daqui entra-se na primeira sala, dedicada a obras de arte e documentação, e na qual se percorre um itinerário cujo ponto de partida é o ritual funerário, considerado por Belting como a origem da imagem.

Livros da Biblioteca Nacional que mostram como os rostos foram codificados ao longo do tempo compõem parte deste núcleo: alguns são “catálogo das emoções”, imagens de rostos que representam as expressões dos sentidos – como tristeza, espanto, alegria, medo -, outros apresentam a aproximação entre o rosto humano com os animais, e outros ainda são ensaios de fisionomia, numa junção da ciência com a arte.

Caminha-se depois pela “gramática da fisionomia e das expressões”, concebida como a capacidade de reconhecer o interior de alguém a partir do exterior. Nesta sala, encontra-se um conjunto de fotografias tiradas em contexto médico: retratos das expressões de um paciente, durante experiências executadas pelo médico neurologista francês Duchenne de Boulogne, nomeadamente choques elétricos.

De seguida, é abordada a relação entre identificação, policiamento e sujeito, bem como a forma como esta se expressa no arquivo, através, por exemplo de retratos robôs feitos pela artista forense Rivane Neuenschwander a partir da descrição que várias pessoas lhe fizeram dos seus primeiros amores.

Há as sensações provocadas pela descrição desse amor em “conjugação com a tensão sentida por o relato ser feito a alguém da polícia”, que normalmente retrata criminosos, especifica Marta Mestre.

A sala das “máscaras mudas” explora a relação entre a face e a máscara no contexto do colonialismo e da vanguarda artística. Tais ideias são patentes num vídeo de Daniel Blaufuks, a partir da fotografia de um rosto de mulher com uma cara, que, numa imagem que pisca constantemente, executa um jogo entre branco e preto, positivo e negativo, homem e mulher, assim como num conjunto de retratos de Kader Atia que catalogam várias desfigurações faciais, sublinhando a ideia de desastre e amputação ligada ao colonialismo.

Segue-se uma sala só com pinturas dedicada ao retrato enquanto género artístico, neste caso na arte portuguesa, apresentando, entre outros, dois autorretratos de Almada Negreiros e um retrato de Arpad Szenes que se crê ser de Maria Helena Vieira da Silva.

A exposição passa também pela “massificação mediática que tende a fazer desaparecer a personalidade”, explica Marta Mestre, chamando a atenção para um retrato de Marylin Monroe feito por Robert Silvers a partir de várias fotografias minúsculas da atriz. Aqui, encontra-se também um conjunto de retratos publicitários, de rostos de mulheres raiando a perfeição e que se inspiram em atrizes da altura (anos 1950), como Audrey Hepburn ou Elizabeth Taylor.

Jorge Molder regressa, numa sala dedicada ao seu trabalho, em que aborda a questão da autorrepresentação do eu, através de vários autorretratos.

O núcleo “Arquivo e memória” apresenta uma sala com fotografias a preto e branco de 364 suíços mortos, um trabalho de Christian Boltanski, assim como uma imagem em ponto grande de um rosto com a palavra “Europa” no lugar dos olhos, aludindo à ideia do “olhar do extermínio”.

Além de Marta Mestre, são curadores desta exposição, que vai estar patente até ao dia 15 de setembro, João Figueira, Catherine Sirois e Vítor Silva.

A exposição será acompanhada pela publicação da tradução do livro de Hans Belting e de um roteiro que explica a mostra.