Ao fim de mais de uma hora de palestra e diálogo com o público, o arquiteto britânico Michael Morris, premiado pela NASA e cuja passagem nesta segunda-feira pelo Centro Cultural de Belém, em Lisboa, consistiu na descrição de projetos de vanguarda que permitam aos humanos habitar o planeta Marte, não tinha conseguido convencer todas as pessoas. As “5 Casas Para Marte”, título da conferência que Michael Morris veio apresentar ao fim da tarde, pareciam apenas ficção científica, tal como descritas pelo autor. E, no entanto, sabe-se que a ficção científica já serviu muitas vezes para antecipar ideias e projetos que a ciência e a tecnologia depois tornaram viáveis, sendo a ida à Lua um dos exemplos clássicos. Ele próprio acabaria por dizer que não há nestes planos qualquer ficção.

“Falou sobre a parte de arquitetura, mas não referiu como é que as pessoas sobreviveriam em Marte”, diria mais tarde ao Observador Catarina Matos, de 24 anos, arquiteta estagiária que se tinha deslocado ao CCB por ter interesse em “formas diferentes e versáteis de habitar”. “Como é que nos alimentaríamos em Marte? Como é que nos deslocaríamos de uma casa para a outra? Será viável?”, interrogou-se a espectadora. Menos cético, Simão Botelho, arquiteto de 31 anos que também tinha estado a assistir, disse que os projetos de Morris “parecem ter as preocupações certas” e que “o futuro apresentado não será assim tão distante”. “Uma vez que cheguemos a Marte, parece exequível. Pelo menos, as ideias poderão ser desenvolvidas até esse ponto, tanto quanto pude entender.”

Convidado pela Trienal de Arquitetura de Lisboa, no âmbito do 3º ciclo de conferências “Distância Crítica”, que tem trazido a Portugal nos últimos anos nomes reconhecidos pela crítica e com um pensamento inovador na arquitetura, Michael Morris tomou o palco do Grande Auditório e começou por mostrar “slides” com citações e fotos das suas próprias referências profissionais. Por exemplo, R. Buckminster Fuller (1895-1983), que cunhou a frase “somos todos astronautas”, ou Michael Kalil (1943-1991), que na década de 80 trabalhou para a NASA no desenho de um módulo espacial habitável. “São heróis que leio e admiro desde adolescente”, descreveu Morris, antes de exibir uma imagem da mulher, Yoshiko Sato, que morreu com cancro em 2012 e com quem fundou em 1996 o estúdio de arquitetura Morris Sato, em Nova Iorque, que se tem focado em temas de sustentabilidade ambiental.

Mostrou também uma imagem da basílica da Sagrada Família, em Barcelona, que visitou pela primeira vez com 10 anos, e comparou-a à Estação Espacial Internacional. “Uma versão” do projeto de Gaudí, classificou.

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“A questão de irmos viver no espaço já se coloca desde pelo menos a década de 1930. Com as alterações climáticas, sobretudo o aquecimento global, penso que teremos de nos tornar uma espécie multiplanetária. Só assim conseguiremos sobreviver no futuro”, disse. “Como arquiteto, penso que os humanos devem ir para o espaço. É muito importante visitarmos outros planetas para começarmos a aprender a lidar com as condições hostis que aí encontraremos.”

“Com as alterações climáticas, teremos de nos tornar uma espécie multiplanetária”, defendeu Michael Morris

Reconheceu, porém, as inúmeras dificuldades desta empresa, a começar pela radiação solar intensa ou pelo facto de os seres humanos, em ambiente de ausência de gravidade, perderem rapidamente massa muscular e densidade óssea, o que, referiu, foi colmatado na Estação Espacial Mir e na Estação Espacial Internacional pela prática diária de exercício por parte dos cosmonautas e astronautas.

Sobre os projetos concretos em que está envolvido desde 2006, quer como autor quer como professor da Universidade de Columbia, conhecidos genericamente como SEArch+ (Arquitetura de Exploração Espacial) e apoiados pela agência espacial norte-americana no âmbito de um concurso académico a vários anos, Morris disse que o principal objetivo é o de “tornar a exploração espacial novamente atraente”, tal como na década de 60, quando a Guerra Fria levou os EUA e a ex-União Soviética a uma corrida a tecnologias que lhes permitissem dominar o espaço.

Sempre em inglês, de pé no palco e em registo informal e entusiasta, deu exemplos de fases exploratórias e de protótipos construídos pelos seus alunos sob a supervisão dos históricos Centro de Investigação Langley e Centro Espacial  Johnson, da NASA.

Finalmente, chegou ao projeto que tem hoje entre mãos – um habitat de poucos metros quadrados, pensado para superfície do Planeta Vermelho, construído por uma impressora 3D e com recurso a materiais “in situ”. Chama-se “Mars X House” e ainda há poucas semanas voltou a ganhar um concurso de financiamento da NASA.

[vídeo do projeto “Mars X House”, de Michael Morris]

“É o projeto mais aprofundado que a minha equipa fez, em termos de investigação e de desenvolvimento científico”, referiu o arquiteto, acrescentando que a Igreja da Assunção de Maria, em Riolo de Vergato, Bolonha, desenhada por Alvar Aalto e inaugurada em 1975, e as obras dos construtivistas russos Melnikov e Shukhov foram, direta ou indiretamente, inspirações para as suas casas marcianas.

Antes da fase de perguntas do público – durante a qual Morris acabou por dar alguns detalhes sobre como pensa que se sobreviveria na superfície de Marte: “Precisamos de água e há gelo sob a superfície do planeta, pelo que teremos de perceber como a extrair, e além disso os pioneiros terão de começar por levar recursos da Terra, como, por exemplo, tanques de oxigénio”, concretizou – o arquiteto sentou-se a meio do palco ao lado do investigador americano Ed Keller, da Escola de Design de Parsons. Desse momento, ficou uma ideia forte. Quanto custa tudo isto, interrogou-se Michael Morris. “Depende. Não temos neste momento um líder político capaz de dizer que precisamos de por um homem em Marte até ao fim da década. Infelizmente, não temos. Mas quando isso acontecer, precisamos de estar preparados. Não estamos a falar de projetos de ficção científica. A tecnologia está ao nosso alcance, isto é possível.”