O bebé de um mês (cuja idade corrigida por ter nascido prematuro é de 37 semanas), que nasceu de uma mãe em morte cerebral no hospital de São João do Porto já está em casa com o pai. Numa conferência de imprensa esta manhã de quarta-feira, os especialistas que o acompanharam informaram os jornalistas que o bebé pesa 2,6 quilos e mede 43 centímetros, “percentis adequados para a idade”.

Apesar de ter tido a evolução normal de um bebé prematuro (nasceu às 32 semanas de gestação), Salvador leva para casa uma botija de oxigénio para o ajudar a respirar, continuará a ser alimentado com leite de fórmula e deverá ter consultas mensais multidisciplinares no hospital. A próxima será a 27 de maio. “A única necessidade é de um bocadinho de oxigénio, que não é nada anormal, porque os bebés prematuros muitas vezes só deixam o oxigénio aos 4 ou 5 meses”, explicou Hercília Guimarães, diretora do serviço de neonatologia do Hospital de S. João.

Um mês e oito dias depois, mais concretamente, o bebé Salvador, engordou 900 gramas e cresceu três centímetros. Já come sem auxílio de uma sonda e está a ser alimentado com leite artificial e “é um bebé prematuro normal”, garantiu a médica. “Dizem bebé milagre e acho que podemos continuar a chamar assim, porque realmente que é uma situação que até a nós, de certo modo, nos confortou e admirou o tempo que esta mãe conseguiu manter o filho no útero durante este tempo todo. Foi realmente um milagre e uma aprendizagem para todos os profissionais desta casa”, sublinhou a diretora do serviço.

No futuro, a médica afirma que seguir-se-ão “alguns anos de necessidade de acompanhamento e testes psciológicos”, dizendo que a equipa médica só cantará vitória “quando ele for um bom aluno a matemática”.  “É a idade escolar que depois nos descansa nessas situações de prematuridade.”

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Sobre o acompanhamento da família após o nascimento de Salvador, Hercília Guimarães garante que são o pai e mãe que determinam quem visita a criança e, neste caso, “os avós entraram quando quiseram”. “O nosso serviço tem os cuidados centrados no desenvolvimento e na família, a família não pode ser posta fora”, esclarece, acrescentando que neste cenário poderá pensar-se que “é o bebé o pai, e não, é o bebé, o pai e uma família e essa família, quando quis, esteve sempre ao lado deste bebé nos cuidados intensivos.”

Catarina Sequeira, canoísta, sofreu um ataque de asma aguda quando estava grávida de 12 semanas, deixando-a inconsciente. Este é o segundo caso raro em Portugal de um bebé que cresce no ventre de uma mãe em morte cerebral.

Pai “capaz” e “100% presente”

A diretora do serviço de neonatologia sublinhou que Salvador “tem o pai a 100%” e que Bruno Sapalo “já tratou da sua vida profissional para acompanhar o bebé”. “Falta agora  figura feminina, que faz sempre falta, e ele pelos vistos tem duas avós e uma madrinha que terá um papel importante no crescimento deste bebé, a ver vamos. É sempre uma família que precisa de uma atenção”, concluiu.

Sara Almeida, psicóloga que acompanhou o caso de Salvador, garante que o pai “acompanhou o bebé desde o seu primeiro momento e está completamente capaz de exercer todos os cuidados”. A especialista explicou que o seu trabalho de acompanhamento começou ainda nos serviços de cuidados intensivos de adultos e que sempre teve “uma atitude positiva e de esperança”.

“Foi um processo de aprendizagem e adaptação que o pai superou com excelência. Ele aprendeu, envolveu-se, esteve presente e neste momento é um pai absolutamente competente nos cuidados que presta ao bebé.” A psicóloga declara que Bruno Sapalo “está preparado” e irá cuidar de Salvador “com o apoio da família”, embora o bebé fique ao seu cuidado, uma vez “que é o responsável legal”.

Antes de abandonar o Hospital de S. João, Sara Almeida deixou “um recado de esperança” ao pai, que neste processo “ambivalente” perdeu a namorada e ganhou um filho. “Este pai tem uma particularidade neste processo pois ganha um ente e perde outro ente, é algo ambivalente. Ele optou pelo caminho da esperança e agarrou-se a este bebé para poder elaborar este luto.”

Sara Almeida explica que há questões burocráticas e legais que terão que ser adaptadas e reformuladas na vida do pai de Salvador. “Desde logo a licença de maternidade que as mães usam, aqui não há uma mãe para usá-la, esta partilha de cuidados aqui não se aplica. Vão ter que existir adaptações e questões legais associadas a contratos de trabalho que são as variantes neste caso, porque ele está sozinho e tem de ser ele a assegurar essas coisas”, esclarece, adiantando que “tudo está a ser tratado com o apoio do serviço social” do hospital.

Relativamente ao futuro do Salvador, a psicóloga do Hospital de S. João explica que o bebé irá entrar “num protocolo de avaliações do desenvolvimento psicoafectivo e cognitivo em momentos chave”, de forma a antecipar “a possibilidade de existirem alterações que possam ser indicadoras de dificuldade e, portanto, iniciar algum tipo de intervenção precoce se for o caso.”

Os 99 dias que permitiram a Salvador nascer, apesar de a mãe estar em morte cerebral