Quando olhamos para os apanha-bolas que estão à volta das quatro linhas, vemos sobretudo um “prémio”: são jovens, muitas vezes da formação do clube da casa, que ocupam aquela posição com o sonho de um dia poderem receber em vez de entregar a bola. Em alguns casos, pode até haver um certo carácter simbólico na escolha, como se viu na presente temporada na Luz quando João Félix marcou ao V. Setúbal (depois de já ter feito duas assistências) e foi a correr para trás dos painéis publicitários onde se encontrava o irmão Hugo, também ele jogador dos encarnados, num momento previamente combinado entre ambos. Todavia, também podem fazer parte direta do jogo – e houve um que se tornou herói improvável na noite mágica do Liverpool, que conseguiu uma histórica reviravolta na segunda mão das meias-finais da Champions com o Barcelona.

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Um exemplo prático: na época passada, num jogo em Alvalade com o Rio Ave que os leões estavam obrigados a vencer para manterem as aspirações de chegarem ao primeiro lugar, Gelson Martins conseguiu desbloquear um encontro complicado num lance desse género em que um apanha-bolas devolveu de imediato uma bola para Piccini fazer o lançamento lateral longo, Bruno Fernandes combinou com Bas Dost e o extremo fez o 1-0 na área dos vila-condenses. “Houve uma jogada em que o miúdo não estava lá e eu disse-lhe que tinha de estar num determinado sítio. Nesse lance do golo ele já estava lá”, comentou no final o técnico leonino Jorge Jesus, mesmo assumindo que não foi apenas por causa disso que a jogada teve sucesso.

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Em Liverpool, o quarto golo tem muito de espontâneo e quase “juvenil”, olhando para a forma como o Barcelona se colocou para defender uma bola parada, mas deu a conhecer o outro herói da noite dos comandados de Jürgen Klopp.

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Recuando no tempo, várias equipas conseguiram marcar golos de laboratório que não foram esquecidos durante alguns anos. Como aqueles que surgem de cantos ou livres laterais e têm finalizações com remates na passada à entrada da área. Ou, puxando mesmo a fita uns 25 anos, um memorável que teve Bruno Caires e Dani a fingirem chocar na marcação do livre no jogo com a Holanda no Mundial Sub-20 antes do esquerdino cruzar e Agostinho fazer o 3-0 frente à Holanda. Neste caso, os próprios protagonistas dizem ter sido uma coisa do momento mas nem por isso menos “mágico”. Pelo contrário.

“Deixei a bola na marca do canto, vi o espaço e que o Origi se encontrava sozinho. Marquei o mais rápido que consegui para que a jogada terminasse em golo. Foi algo do momento, por instinto. O Origi é um jogador de primeira. Todos irão recordar esse momento”, comentou no final do encontro o lateral Alexander-Arnold, que fez a assistência para o 4-0 que carimbou a reviravolta dos britânicos perante um conjunto catalão perdido em campo e sem capacidade de reação para o que estava a acontecer.

A notícia agora é no entanto outra: o papel decisivo do apanha-bolas no lance, ao enviar de imediato a bola para a marcação do canto, como destacou o antigo campeão europeu pelo Liverpool e treinador do Benfica, Graeme Souness. “Olhem para isto: sai para canto, estão a seguir a bola e reparem no apanha-bolas. A bola já estava na marca, depois ele afasta-se e apercebe-se que toda a gente está a dormir. Os jogadores do Barcelona viraram todos as costas à bola, é um crime fazer isso para um jogador profissional”, referiu o internacional escocês que brilhou em Anfield entre 1977 e 1984, citado pelo Liverpool Echo.

A identidade do jovem foi apenas conhecida esta quarta-feira: como conta o Independent, chama-se Oakley Cannonier, tem 14 anos, veio de Leeds, treina de forma periódica dois escalões acima do seu e, segundo a publicação, teve indicações na manhã do jogo para devolver a bola o mais rapidamente possível por Carl Lancaster, o coaching mentor da Academia do clube em Kirby que tem também entre as suas responsabilidades a escolha e coordenação dos apanha-bolas para o jogo. E já começa a crescer uma onda de agradecimento ao outro herói (invisível) da noite, com pedidos para que tenha reconhecimento do clube, um bónus no que recebe ou mesmo um bilhete para a final da Liga dos Campeões, no dia 1 de junho, em Madrid.