Tropeçou e reergueu-se, apenas para voltar ao lugar em que se encontrava uma década antes. A produtividade do trabalho — riqueza obtida por cada trabalhador para produzir bens ou serviços — estagnou em Portugal entre 2008 e 2017 e, de acordo com o Boletim Económico de maio publicado esta quarta-feira, de pouco valeram as reformas da Troika e as melhorias na qualificação dos portugueses para melhorar a produtividade.

A importância deste indicador tem sido frequentemente sublinhada pelo Banco de Portugal, que entende ser “um dos desafios cruciais enfrentados pela economia portuguesa”. Influenciada por diversos fatores (competências, eficiência da utilização dos recursos, enquadramento institucional, nível de investimento e progressos tecnológicos), a produtividade permite “gerar recursos que podem ser canalizados para o investimento pelas empresas e, ao mesmo tempo, sustentar aumentos nos salários reais”.

Só que, até aqui, a evolução desfavorável da produtividade “não tem permitido sustentar uma dinâmica mais forte dos salários e do rendimento”, lembra o Banco de Portugal.

A entidade liderada por Carlos Costa até identifica “desenvolvimentos positivos” na última década, “designadamente as reformas implementadas no âmbito do programa de ajustamento e a grande melhoria das qualificações da força de trabalho que se vem operando nas últimas décadas”. Lamenta, no entanto, que os resultados sejam parcos: “Parecem não ter conseguido colocar a produtividade num trajetória ascendente”.

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Por outro lado, o Banco de Portugal também nota que a produtividade “terá sido agravada pelo impacto adverso do processo de ajustamento na acumulação de capital”, bem como pela emigração, “que persistiu até 2016, incidindo particularmente sobre as faixas etárias mais jovens”.

Alguns serviços são mais produtivos do que em 2008

O boletim do Banco de Portugal indica que, “após ganhos durante os episódios recessivos, associados ao desaparecimento de empresas e postos de trabalho menos produtivos”, a produtividade “tem estado estagnada no período de recuperação da atividade em Portugal”.

A fotografia tem, no entanto, várias nuances e o boletim económico incorpora um estudo sobre setores que, em conjunto, representaram dois terços da riqueza produzida no país entre 2008 e 2017:

– indústria transformadora;

– construção;

– comércio, reparação de veículos, atividades de alojamento e restauração;

– outros serviços, que incluem atividades de informação, consultoria, serviços administrativos, imobiliárias, transportes e atividades artísticas.

Destes quatro, apenas o setor que engloba comércio, reparação de veículos, atividades de alojamento e restauração conseguiu alguns ganhos no período analisado. É possível constatar no gráfico do Banco de Portugal que em todos os outros setores, das empresas menos produtivas (P25) às mais produtivas (P90), há, por norma, um regresso aos níveis do período da crise financeira global.

Grandes empresas e exportadoras lideram produtividade…

“É notória a relação positiva entre a produtividade e a dimensão das empresas”, explica o Banco de Portugal. As maiores empresas são, em regra, mais produtivas. As de menor dimensão mais sensíveis a crises e flutuações conjunturais.

Por outro lado, apesar de confirmar que “as empresas exportadoras são mais produtivas do que as suas congéneres não exportadoras”, os economistas do Banco de Portugal ressalvam que “nenhum dos grupos registou ganhos assinaláveis de produtividade” neste período. Já as empresas importadoras registaram alguns ganhos de produtividade, “visíveis tanto para empresas menos produtivas como para empresas de topo”.

O Banco de Portugal sublinha ainda que “o aumento observado ao longo da última década na prevalência de empresas exportadoras em todos os setores – nomeadamente a partir de 2010 – é um desenvolvimento positivo que contribui para o aumento da produtividade agregada”.

… e as (melhores) novas empresas chegam-se à frente depressa

O Banco de Portugal sinaliza que “há um padrão de convergência da produtividade das empresas recém-chegadas ao mercado (criadas a partir de 2008) para os níveis das empresas incumbentes (criadas antes de 2008)”.

As melhores empresas chegadas recentemente “têm um desempenho particularmente positivo, ultrapassando, ao fim de algum tempo em atividade, as melhores empresas pré-existentes”, indica o relatório.

Portugal fica mal na fotografia europeia

O boletim sublinha que, apesar de as economias desenvolvidas estarem a passar por uma “fase atípica”, em que se expandem em simultâneo com um crescimento fraco da produtividade, a verdade é que “Portugal tem divergido face à área do euro”.

Isto depois de “um longo período” em que a riqueza produzida (Valor Acrescentado Bruto) por trabalhador em Portugal “registou um crescimento médio superior”. A generalidade dos países que partilha a moeda única tem aumentado a produtividade, ressalva o Banco de Portugal.

Desta vez, o BdP não aponta razões, mas já em 2017, admitindo que as explicações para a quebra da produtividade do trabalho “são complexas”, entendia que podem “relacionar-se com as alterações da estrutura produtiva, num contexto em que os níveis de capital por trabalhador permanecem reduzidos, após vários anos com baixos níveis de investimento”.

Apesar do cenário de estagnação da produtividade na década em análise, e de identificar uma nova queda em 2018, de 0,6%, o Banco de Portugal já disse esperar, no Boletim económico de dezembro, que haja melhorias a partir deste ano. “A evolução projetada do PIB e do emprego deverá traduzir-se em crescimentos moderados da produtividade aparente do trabalho no período 2019-21, após uma variação aproximadamente nula em 2018 e variações negativas no período de 2014-2017”.