Quando se fala de ganzados, calões e copofónicos no cinema, o favorito de todos é o Dude interpretado por Jeff Bridges em “O Grande Lebowski”, dos irmãos Joel e Ethan Coen. O Dude, aliás, Jeffrey Lebowski, é um bonzão pachola que vive em Los Angeles e não faz mal a ninguém, nem perturba a sociedade em geral. Só quer estar sossegado no seu canto a bater uma soneca, a fumar um charro e a beber os seus White Russians, ou então a jogar “bowling” com os amigos, e a isto se resume a sua existência. Tudo o que lhe sucede no filme de culto dos Coen não é culpa sua, mas sim um terrível e absurdo equívoco causado por uma troca de identidades. O Dude é o ganzado e o mandrião mais simpático, mais divertido e mais inofensivo da história do cinema.

[recorde o Dude de “O Grande Lebowski”:]

Pensem agora no antípoda do Dude e temos Moondog, interpretado por Matthew McConaughey em “The Beach Bum: A Vida numa Boa”, de Harmony Korine, o suposto “enfant terrible” do cinema independente dos EUA e dito cronista da decadência americana em filmes cerradamente execráveis e primariamente anti-sociais como “Gummo” ou “Spring Breakers”. Moondog é o tipo de pessoa com quem estarmos cinco minutos equivale a um castigo cruel, um “hippie” da Florida que passou do prazo de validade, janado, bêbado, boçal e imbecil, que leva o dia a ingurgitar litros de bebidas alcoólicas, a fumar charros XXL e a fazer disparates. Korine apresenta-o como um famoso poeta “boémio” (a sua “poesia” é todo um programa) e modelo de hedonismo, anticonformismo e rebeldia contra a sociedade “square”, mas tão patético que não chega aos calcanhares de uma caricatura de Charles Bukowski.

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[Veja o “trailer” de “The Beach Bum: A Vida numa Boa”]

O anticonformismo do alarve, e constantemente titubeante e pedrado Moondog, está bem escorado nos milhões de dólares da mulher, uma ninfomaníaca cujos padrões de comportamento social estão ao nível dos do esgazeado marido. Ele visita-a de vez em quando para pedir dinheiro, fazer sexo ou, como sucede no filme, ir ao casamento da sua única filha. E a cerimónia, se fosse objeto de uma rusga-surpresa da polícia, perderia 95% dos convidados, tal a quantidade de marginais, substâncias alucinógenas e armas que se encontram concentradas na mansão da Sra. Moondog por ocasião do feliz evento, saído direitinho de um daqueles episódios de “Miami Vice” em que há uma grande festa em casa de um narcotraficante latino.

[Veja uma entrevista com Matthew McConaughey]

O filme é tão errático e desconjuntado como a sua personagem principal, rodado em cores entre o “kitsch” mais descarado e o psicadélico mais “trashy”, e atira Moondog para a penúria depois da morte da mulher num acidente de automóvel. Ela deixou expresso no testamento que o marido não terá direito a um centavo da sua fortuna e perderá o acesso à luxuosa mansão do casal e a todos os seus bens, enquanto não acabar o livro que anda a escrever há anos. Moondog responde a isto invadindo a casa com um grupo de mendigos e destruindo-a, evadindo-se da clínica de desintoxicação onde a filha o internou, e cometendo delitos vários na companhia de um pirómano, cujo comportamento Korine desculpabiliza descontraidamente. Para ele, todas as figuras que se oponham à sociedade “convencional” por gestos, palavras ou actos, mesmo que estes sejam violentos e destruidores, são positivas.

[veja uma cena do filme]

Dominado por um Matthew McConaughey encravado na mudança do mais insofrível cabotinismo e rodeado por personagens tão ou mais chungosas e cretinas do que a dele, “The Beach Bum: A Vida Numa Boa” compraz-se de forma infantilóide e beócia na glorificação de um estilo de vida pseudo-libertário que se reduz a emborcar copos até desmaiar, partir a cabeça e ficar a dormir no meio do próprio vómito, sugar quilos de erva e abandonar toda e qualquer noção de dignidade e responsabilidade pessoal e social. Já agora, é curiosa a forma como o tão alternativo e contestatário Harmony Korine objetifica baixamente as mulheres neste filme, reduzindo-as a decoração sexual ou a objeto passivo de prazer dos homens.

Além de cinematograficamente nulo, “The Beach Bum: A Vida Numa Boa” é ideologicamente rasteiro. A América que nele é representada, e endossada como ideal, “cool” e fixe, é aquela que muitos americanos rejeitam, e contra a qual se revoltaram votando em Donald Trump. E  a verdade é que não podemos culpá-los.