A regra é esta: começar o discurso político da noite pelas “contas certas”. E dizer as palavras “contas certas” vezes sem conta (aqui, perdão, a conta não é certa). Depois do caso dos professores, que atingiu o CDS e o PSD onde mais lhes doía, Nuno Melo vai continuar a defender em todos os discursos políticos o património do rigor, atribuindo ao PS de Costa e Pedro Marques (os mesmos que estavam ao lado de Sócrates) o património do “calote” e da “bancarrota”. Postos os pontos nos “is”, Nuno Melo passa para os temas seguintes. E esta terça-feira à noite, num jantar em Rio Maior, o tema central foi “o elefante no meio da sala”: Joe Berardo.

“Não vamos tratar isto como se fosse o elefante no meio da sala. Há temas que, mesmo em campanha, têm que ser denunciados”, começou por dizer. E a “delinquência bancária que anda de mãos dadas com a política, exaltada em condecorações atribuídas por Presidentes da República” é um deles. Foi aí que Nuno Melo enumerou alguns nomes de personalidades que foram condecoradas com as mais altas comendas e que, no seu entender, não deviam. É o caso de Zeinal Bava, ex-presidente da PT; Armando Vara, ex-administrador da CGD; Camilo Mortágua, ou ainda, claro, Joe Berardo. “Quem pede milhões a bancos e depois, enquanto se ri, diz que não deve nada, ao mesmo tempo que os contribuintes em dificuldade pagam, não merece ser comendador de coisa nenhuma”.

Berardo foi nomeado comendador por Ramalho Eanes, em 1985, e depois ainda agraciado com a Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, em 2004, por Jorge Sampaio.

“Joe Berardo foi feito comendador e depois agraciado com a Grã Cruz da Ordem do Infante, e eu sugiro que se medite sobre a ligeireza com que se condecoram personalidades em Portugal e que se reavalie”, disse. Se a crítica era para os ex-Presidentes que estiveram por detrás destas condecorações — Eanes e Sampaio no caso de Berardo e Vara, mas também Cavaco Silva, no caso de Zeinal Bava — ficou registada.

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Quanto ao resto, um exercício de memória para lembrar quem tem, afinal, o legado das contas certas. Enquanto o PS tem Pedro Marques, que “em 2011 congelou as pensões mínimas, sociais e rurais”, o CDS orgulha-se de ter Mota Soares, que “quando foi ministro da mesma pasta, deu aos que mais precisavam o impossível e começou por descongelar o que Pedro Marques tinha congelado”. E enquanto o PS tem Silva Pereira, “que foi quem negociou com a troika a austeridade que nós, no governo, tivemos de aplicar”, o CDS estava em plena campanha eleitoral em 2014, ao lado do PSD, quando se “conseguiu” libertar dessa mesma troika. Ou seja, “numa lista está quem nos mandou para a troika, na outra está quem nos libertou”. Conta certa.

Ou outra conta certa: as 3.282 nomeações que o atual governo já fez, “muito mais do que o governo anterior e até do que o governo de José Sócrates”, o que dá uma média de “duas nomeações por dia”. “Estas são as contas certas da indecência de uma colonização do Estado em função do sangue e do partido. Estas são as contas certas do PS“, disse, entre aplausos das centenas de pessoas que estavam no jantar em Rio Maior, Santarém.

Para que não restassem dúvidas sobre quem tem, afinal, o património das contas certas, Nuno Melo ainda recuperou o debate de ontem no Parlamento entre Assunção Cristas e António Costa para dizer que o primeiro-ministro prometeu uma solução para o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal) nas “próximas horas”, e ainda não disse nada. “Passaram mais de 24 horas, passaram perto de 30 horas, o CDS quer uma resposta, o CDS precisa de uma resposta”, disse, alertando para o facto de a época de incêndios estar à porta.

Foi António Costa (mais um exercício de memória) quem contratou o SIRESP quando era Ministro da Administração Interna (no governo de Sócrates): “É profundamente revelador que a mesma pessoa que contratou o SIRESP quando foi ministro deva ao SIRESP 11 milhões de euros, deixando-o em pré-falência quando infelizmente tudo se poderá repetir, e não se pode repetir”, disse.

Quanto ao CDS, e para não dizerem que não faz propostas para a Europa, propõe que o mecanismo europeu de proteção civil fique sediado na península ibérica, em Portugal de preferência, para que os equipamentos e os homens fiquem mais próximos de onde mais tragédias ocorrem.

No final da noite, um apelo com fé, já a meia voz (porque a voz já vai rouca ao segundo dia de campanha oficial): “Vamos para a luta, vamos para a rua, e acreditem que no dia 26 pode correr bem. Somos gente de fé e neste mês de maio tudo se vai conjugar”.