No último sábado, o Valladolid venceu o Rayo Vallecano e garantiu a manutenção na Liga espanhola. Ronaldo, o brasileiro que foi duas vezes campeão do mundo, que ganhou uma Taça dos Campeões Europeus e que foi considerado o melhor jogador do mundo em 1997 e 2002, garantiu que esse foi o dia mais feliz que viveu desde que está no futebol. O Fenómeno, o nome que quase se tornou apelido para o distinguir do outro Ronaldo, é o acionista maioritário do Valladolid, presença assídua os jogos do clube espanhol e vive hoje dias mais tranquilos enquanto empresário.

Ronaldo, o brasileiro, é o novo acionista maioritário do Valladolid

Foi nessa condição, a de empresário, que Ronaldo deu uma entrevista ao Financial Times. Ainda assim, e de forma quase inevitável, falou sobre futebol, dentro e fora das quatro linhas, sobre os problemas de saúde que sofreu durante o período mais bem sucedido da carreira e sobre o excesso de peso que deu azo a demasiadas piadas. Num restaurante perto do Santiago Bernabéu, que garante que “até o rei de Espanha” frequenta, o antigo avançado do Barcelona, do Inter Milão e do Real Madrid começa por dizer que desde há uns anos começou a ter “uma chance para viver”, já que as pessoas o reconhecem na rua mas o abordam “de uma forma mais relaxada”.

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Ronaldo não revela grande medo de falar de histórias antigas nem mede as palavras, deixando à mercê de quem quiser saber os segredos mais bem guardados de uma carreira com altos e baixos. Um dos altos mais sonantes foi a conquista do Campeonato do Mundo 2002, na Coreia e no Japão, apenas oito anos depois de a seleção brasileira ter sido campeã mundial pela última vez e enquanto parte de uma geração de ouro que também tinha Rivaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos e um jovem Kaká. Na final de Yokohama, Ronaldo bisou contra a Alemanha e foi o herói do último Mundial que o Brasil ganhou. Mas o que poucos sabiam é que o avançado, na altura com 25 anos, passou acordado a noite anterior à final com receio de sofrer um ataque epiléptico como o que tinha sofrido quatro anos antes, durante o Mundial 1998 em França (e onde a seleção brasileira perdeu na final com os franceses de Zidane, Deschamps e Karembeu).

Ronaldo bisou na final do Mundial 2002, contra a Alemanha

“Na final de Yokohama, o jogo era às oito da noite, tal como tinha sido em Paris [em 1998]. Depois de jantar toda a gente foi dormir e eu só pensava: ‘Eu não quero dormir, f…’. Procurei alguém com quem pudesse falar e encontrei o Dida, que na altura era o guarda-redes suplentes do Brasil. Disse-lhe: ‘Por favor, fica comigo’. Não dormi nada nessa noite, com medo de que voltasse a acontecer… e o Dida ficou comigo o tempo todo”, explicou Ronaldo. Sobre a final anterior, que o Brasil perdeu para França e onde foi persistentemente criticado pela exibição que realizou, o avançado optou por desviar a pergunta e limitou-se a garantir que “não é fácil” para um grande jogador atuar pela seleção num grande torneio – e deu o exemplo de Messi.

“Não fiz o meu melhor jogo naquele dia, mas lutei e corri. Há dias em que não te sentes bem e há outros em que é ao contrário. É difícil explicar. Olhem para o Messi com o Barcelona e a Argentina. É um jogador completamente diferente. Não é fácil jogar com a tua seleção num grande torneio. Ali jogam os melhores do mundo e não é fácil ganhar um Mundial. Especialmente quando jogas contra França em Paris, o estádio estava azul”, considera o brasileiro, que nos últimos anos da carreira foi criticado pelo excesso de peso – uma situação que garante que se deve ao hipertiroidismo. “Vejo ativistas para muitas coisas. Se és negro, se és gay… mas chamar gordo ao Ronaldo? Nunca ouvi ninguém a defender-me. Mas não quero saber”, garantiu, acrescentando ainda que não se arrepende dos dois divórcios porque as festas e as noites passadas em discotecas “nunca foram uma prioridade”. “A minha prioridade sempre foi o futebol, por isso não me arrependo de nada disso. Os jogadores de futebol são jovens…querem sair. Querem ter raparigas. Coisas normais de pessoas jovens, especialmente quando se tem dinheiro”, diz Ronaldo.

Avançado brasileiro foi criticado pelo excesso de peso que não conseguiu controlar nos últimos anos da carreira

Sobre o panorama político no Brasil, e principalmente tendo em conta que integrou o comité de organização do Mundial de Rio onde mais tarde vários elementos foram acusados de corrupção, Ronaldo mostrou-se mais comedido do que em ocasiões anteriores, quando apoiou publicamente políticos ou candidatos eleitorais. “As pessoas finalmente acordaram. As pessoas sentem que alguém as ouve”, começa por dizer, apressando-se a clarificar que não apoia especificamente Jair Bolsonaro. “Estou a falar de uma forma geral, sem nomes. Prometi a mim mesmo que não voltaria a envolver-me na política e que não voltaria a apoiar ninguém. Só espero, para mim e para o meu povo, que possamos melhorar enquanto país. Sem mais corrupção. Sem mais fome”, concluiu o avançado.

Sobre o futuro, e numa altura em que tem 42 anos, o antigo avançado brasileiro não fecha a porta à possibilidade de voltar a ser pai. Com quatro filhos – um do primeiro casamento, dois com a namorada que teve após o segundo divórcio e um outro que apadrinhou depois de fazer um teste de paternidade e que nasceu de uma relação com uma empregada de mesa em Tóquio, por altura do Mundial 2002 –, Ronaldo confirma que já fez uma vasectomia mas que a atual namorada quer ser mãe. O que não é um problema, diz o brasileiro. “Congelei espermatozóides suficientes para fazer uma equipa de futebol, se ela quiser”, atira Ronaldo, deixando claro que não perdeu o sentido de humor de outros tempos.