Atravessaram a fronteira entre a Venezuela e a Colômbia naquele dia de 23 de fevereiro de 2019, que Juan Guaidó tinha prometido ser histórico, e foram recebidos como heróis. Foi o dia em que a oposição venezuelana a Nicolás Maduro, liderada pelo autoproclamado Presidente interino, tentou fazer com que os camiões de ajuda humanitária entrassem na Venezuela, mas não conseguiu. O ponto positivo do dia para a equipa de Guaidó, contudo, foi o facto de 734 militares e polícias venezuelanos terem desertado e atravessado a fronteira para se juntar à oposição.

Agora, três meses depois, esses mesmos homens sentem-se profundamente desiludidos com o que se passou depois disso, segundo conta a imprensa espanhola. “A verdade é que não tinham um plano para nós, deixaram-nos abandonados como cães”, confessou um tenente do grupo ao jornal El Mundo. “O ACNUR [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados] e o governo colombiano é que nos têm ajudado.”

Desde que os mais de 700 militares chegaram a Cúcuta, na Colômbia, o ACNUR tem sido o organismo que mais tem prestado apoio a estes homens e às suas famílias, tratando-os como requerentes de asilo. Isso implica que lhes foi dado alojamento nos primeiros três dias, como conta o El País. Depois disso, contudo, o apoio limitou-se a cem dólares, um colchão e um mapa. O El Mundo diz que o ACNUR e o governo colombiano, com algum apoio da embaixada de Guaidó no país, garantiram alojamento e refeições aos militares. Alguns, porém, acabaram despejados por atrasos em pagar a renda. A esmagadora maioria sente-se muito desanimada e desamparada.

“A situação que estamos aqui a viver é caótica”, lamentou-se o soldado Roberto Rondón ao La Vanguardia, um dos 354 homens que estão alojados no hotel Antigua, em Cúcuta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Aqui corremos perigo por causa dos grupos armados da zona. A alguns o Exército de Libertação Nacional [grupo revolucionário colombiano] ofereceu mais de um milhão de pesos para se juntarem a eles. Ninguém ainda aceitou, mas no futuro talvez venha a acontecer, porque aqui é difícil encontrar trabalho”, desabafou ao El Mundo um sargento que prefere não ser identificado. “Achávamos que nos iam treinar e capacitar para entrarmos na Venezuela com uma coligação de países e acabarmos com o regime.”

Não foi o que aconteceu e agora não podem regressar à Venezuela, onde correm o risco de ser detidos e até risco de vida. Estão presos num limbo, em Cúcuta. “Estamos à espera de instruções e diretrizes. E que venham diretamente do Presidente Guaidó”, pede o soldado Rondón.

Em março, o embaixador de Guaidó na Colômbia garantia ao El País que a equipa estava a trabalhar para criar “um programa de formação e treino em atividades de natureza civil” para estes militares. Agora, os membros da equipa de Guaidó e o governo colombiano apresentaram várias hipóteses aos mais de 700 homens em causa: ficar na Colômbia onde terão autorização para trabalhar e apoios durante três meses; receber 400 mil pesos e autorização para ir para outro país; ou pedir asilo.

A ideia, no entanto, é uma desilusão para estes militares. “Demos um passo para ser heróis e agora obrigam-nos a dar outro para sermos cobardes, porque não podemos fazer nada pela liberdade da Venezuela”, lamenta-se um dos tenentes. “Mais do que frustrados, estamos tristes. Uma pessoa tem a sua carreira militar e, da noite para o dia, já não é ninguém. Não era isto que estávamos à espera.”