O treino na véspera de uma final europeia costuma ser mais um desfile durante 15 minutos para câmaras e máquinas fotográficas do que outra coisa. Há umas corridinhas, uns “meiinhos”, umas situações de finalização, um jogo a meio-campo para entreter com coletes muitas vezes distribuídos entre titulares e suplentes para evitar qualquer olhar indiscreto que tente saber o jogo do adversário antes do apito inicial e finito. Uma hora, mais coisa menos coisa, banho e regresso à unidade onde todo o grupo está concentrado, até porque antes da sessão já houve a conferência de imprensa com um treinador e um jogador. Isto é normal. Mas isto não foi o que aconteceu com o Chelsea em Baku, antes do encontro desta quarta-feira com o Arsenal (20h).

Passemos ao lado da conferência, onde Maurizio Sarri, com tanta vontade de elogiar Eden Hazard antes do mais do que provável último encontro ao serviço do conjunto inglês antes da mais do que provável transferência para o Real Madrid, acabou por soltar um “aborrece-se com os treinos”. “Ver o Hazard durante um jogo é um prazer mas às vezes é um problema durante a semana. Aborrece-se por ser tudo tão fácil para ele. Neste momento é um dos melhores jogadores da Europa mas pode melhorar e tem de trabalhar para se tornar o melhor de todos”, comentou. Chegados ao treino, num lance onde Higuaín deu um toque fora de tempo em David Luiz, os dois jogadores desentenderam-se, com o brasileiro a recusar a conversa do argentino que parecia querer dar explicações e pedir desculpa – e, mais improvável, ainda com as câmaras a apanharem tudo. A reação do técnico italiano, essa, disse tudo: atirou duas vezes o chapéu ao chão e foi para o balneário a continuar a dar pontapés no mesmo…

Esta quarta-feira é dia da primeira final europeia entre equipas inglesas, neste caso a Liga Europa. Sobre a Champions, em Madrid, há uma palavra comum a adeptos de Liverpool e Tottenham: invasão. E se existem problemas de alojamento, os mesmos só acontecem porque há milhares e milhares de britânicos em Espanha ou a caminho sem bilhete para o encontro no Wanda Metropolitano, apenas para viver o ambiente do jogo grande de uma temporada. No Azerbaijão é bem diferente. Tanto assim é que, num estádio para 60 mil espetadores, metade dos 12 mil ingressos disponibilizados a Chelsea e Arsenal foram devolvidos.

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“Em nome dos nossos adeptos, gostávamos de perceber os critérios para selecionar os estádios para as finais e a forma como as necessidades dos adeptos são tidas em conta nesse processo. Pedimos à UEFA a garantia de que as necessidades dos adeptos serão parte fundamental nas futuras decisões sobre os palcos das finais. O que aconteceu esta época é inaceitável e não se pode repetir. Gostávamos de participar em futuros diálogos para que esta situação nunca mais aconteça”, escreveu o Arsenal em comunicado, a propósito da realização desta final em Baku e perante a insatisfação de muitos adeptos gunners.

Tudo preparado no Olímpico de Baku para a final que, em 60 mil lugares, terá menos de dez mil dos dois clubes (OZAN KOSE/AFP/Getty Images)

“Ser em Madrid deve sair caro mas pelo menos não é do outro lado do Mundo. Ir a Baku para jogar uma final da Liga Europa é engraçado. Não sei o que os tipos que decidem estas coisas tomam ao pequeno-almoço. No ano passado foi em Kiev, uma cidade maravilhosa, mas não o seria se fosse uma equipa russa. E depois é preciso estar tudo preparado… Em Baku, nem sei como se vai para lá, nem sei se existem sequer voos regulares. Estas decisões têm de ser mais razoáveis. Parece-me uma irresponsabilidade. Não sei como é que fazem isso. Devia haver um acordo nessas cidades para um limite nos preços. Ouvi dizer que um quarto que normalmente custa 100 libras está agora a 2.700. É de loucos”, acrescentou Jürgen Klopp, técnico do… Liverpool.

Alex Speck-Zolte e o seu pai, Darron, que ficaram conhecidos por integrarem um novo programa televisivo sobre viagens pelo mundo, aceitaram o desafio de fazerem a viagem de Londres a Baku da forma mais barata possível e mostraram à BBC como pode ser complicado ir a esta final da Liga Europa: 1) Londres-Düsseldorf de autocarro, em 11 horas; 2) Düsseldorf-Budapeste de autocarro, em 19 horas (de comboio seriam 12 horas); 3) Budapeste-Salónica de autocarro, em 16 horas; 4) Salónica-Istambul de autocarro, em oito horas; 5) Istambul-Tbilissi de autocarro, em 24 horas; 6) Tbilissi-Baku de autocarro, em 15 horas (de comboio seriam oito). Ao todo, 86 horas para chegar à cidade que recebe a final da Liga Europa por 246 euros, sem a parte da alimentação e das estadias – sendo que quase todas as viagens eram feitas durante a noite. Já o Daily Mail contou a viagem de dois adeptos do Chelsea, Jake Ralph e Kevin Cobb, que saíram de Londres na passada terça-feira e andaram uma semana em viagem com passagens por Ancara, Kars e Tbilissi até Baku entre aviões, autocarros, comboios e táxis.

Ainda assim, no meio desta história é de quem estará de certeza ausente que mais se fala: Henrikh Mkhitaryan. O arménio do Arsenal não viajou com a equipa, numa medida confirmada pelo próprio nos últimos dias. “Após considerar todas as opções, tomámos a difícil decisão de que não vou viajar com o grupo para a final da Liga Europa contra o Chelsea. É o tipo de jogo que não surge com muita frequência para nós jogadores e preciso admitir: dói-me muito perdê-lo. Vou estar a torcer pelos meus companheiros. Tragam a taça para casa”, explicou o jogador. De recordar que o Azerbaijão tem as relações diplomáticas cortadas com a Arménia desde 1988 devido à disputa do enclave Nagorno-Karabakh, um território azeri mas de maioria arménia. Os dois países assinaram um cessar-fogo em 1994, há 25 anos, mas os conflitos nas fronteiras daquele território são ainda uma realidade que ficou agravada em abril de 2016, quando a que ficou conhecida como Guerra dos Quatro Dias obrigou à deslocação de centenas de milhares de pessoas – atualmente, nenhum cidadão arménio está autorizado a entrar no Azerbaijão.

Mkhitaryan fala sete línguas mas pode falhar a final da Liga Europa por causa de um conflito diplomático

Os jornalistas sobretudo britânicos que vão chegando a Baku dão conta da inexistência total de imagens ou alusões ao antigo jogador do Manchester United, que ganhou a Liga Europa em 2017 com José Mourinho (além da inexistência de hotéis, dos pedidos de 56,5 euros por uma viagem de quatro minutos de carro ou dos 40 euros por cinco megas de internet). Ainda assim, essa nunca deixou de ser a grande preocupação da UEFA, que proibiu os atletas do Arsenal de fazerem o aquecimento com camisolas que tinham Mkhitaryan nas costas e deu ordens para que nenhuma mensagem política consiga entrar no recinto, ainda que sem referir nunca de forma direta o nome do jogador arménio ou o problema que levou à sua ausência.

Nas ruas, um episódio com dois adeptos tailandeses com a camisola de Mkhitaryan foi também apanhado pelas câmara da SNTV, emissora da France Press. Ao verem o nome nas costas, três polícias pediram que parassem, fizeram uma ligação pela rádio para a central e acabaram por deixar seguir os gunners, sendo que, não havendo certeza de que o motivo tenha sido o nome do arménio, tudo aponta para que este tenha sido mais um exemplo das razões que motivaram a ausência do jogadores da final.

https://twitter.com/SenverDammy/status/1133513930146340866