Zamira Hajiyeva foi a primeira pessoa apanhada pelas já popularmente chamadas “leis McMafia” do Reino Unido, que revertem o princípio da presunção de inocência perante a acumulação inexplicável de riqueza. O diploma permite que um tribunal britânico intime alguém a provar a legalidade das suas fontes de rendimento, caso o seu património e os seus gastos levantem dúvidas — o suspeito tem assim de provar inocência a priori, em vez de responder a acusações judiciais estruturadas. Em 2018, a lei foi aplicada pela primeira vez e teve a mulher que nasceu no Azerbaijão e residia em Londres como alvo. Agora, ficou-se a perceber melhor porquê.

A escolha de Zamira Hajiyeva, 55 anos, não aconteceu por acaso. Mulher de um antigo presidente do Banco Internacional do Azerbaijão, o banco estatal do país, viu o marido — Jahangir Hajiyev — ser condenado a 15 anos de prisão em 2016 por crimes financeiros de fraude, desfalque, lavagem de dinheiro e apropriação indevida de fundos públicos. O banqueiro, que teve ainda de pagar uma indemnização de perto de 33 milhões de euros, foi condenado no Azerbaijão. Os tribunais britânicos quiseram, contudo, escalpelizar a vida luxuosa da sua mulher em Londres. O que descobriram foi no mínimo surpreendente — e tornado público esta semana.

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Durante dez anos, entre 2006 e 2016 — até ao ano em que o marido foi condenado —, Zamira Hajiyeva gastou 16.3 milhões de libras, isto é, cerca de 18 milhões de euros, nos armazéns de luxo Harrods. Gastava lá mais de um milhão de euros por ano. “Tratava-os como uma pessoa provavelmente trataria uma mercearia”, aponta a revista britânica Tatler. Não lhe era raro fazer ali compras diárias, mas os gastos eram enormes: em 11 dias, gastou mais de 250 mil libras, cerca de 280 mil euros, em compras de coisas tão distintas como vegetais, chá, café, chocolate, perfumes, joias e roupa de alta costura.

Para financiar as compras, Zamira Hajiyeva terá usado 35 cartões de crédito emitidos pelo banco em que o marido trabalhava. Ao todo, gastou quase 4 milhões de euros em joalharia da Boucheron, mais de um milhão e meio de euros na marca de acessórios de luxo Cartier e cerca de 377 mil euros na loja de sanduíches do designer britânico Tom Dixon, onde a especialidade da casa — refere a revista Tatler — custava entre 15 a 16 euros. As suspeitas de utilização dos armazéns para lavagem dinheiro só se adensaram.

O que os tribunais britânicos agora exigem é que Zamira Hajiyeva prove a origem legal da sua acumulação de rendimentos, capaz de lhe permitir as extravagante lista de compras nos armazéns Harrods mas também a aquisição de uma moradia próxima desses armazéns por 13 milhões de euros (com recurso a uma empresa com sede nas Ilhas Virgens Britânicas), a compra de um campo de golfe e country club em Berkshire por quase 12 milhões de euros e ainda de um avião privado Gulfstream G550 por 37,7 milhões de euros.

O futuro, porém, não se vislumbra promissor para Zamira Hajiyeva, que em 2005, um ano antes de se mudar para o Reino Unido, chegou a ser raptada por um gangue com vista à extorsão de dinheiro. A 30 de outubro do ano passado, Hajiyeva ficou sob custódia das autoridades, por suspeitas de envolvimento nos crimes financeiros do marido. No mês seguinte, a Agência Nacional contra o Crime, uma unidade da polícia britânica especializada no combate ao crime organizado (não só, mas também, o económico), apreendeu 49 peças de joalharia que lhe pertenciam e que estavam avaliadas em perto de 450 mil euros.

Já em janeiro deste ano, foi-lhe apreendido um anel de diamantes da Cartier que valia cerca de 1 milhão e 360 mil euros. Não terá sido muito mais do que uma das suas compras corriqueiras no Harrods, na década de luxo que passou em Londres.