A reestruturação dos créditos de Joe Berardo junto da Caixa Geral de Depósitos – que ascenderam a quase 400 milhões de euros – foram feitos em 2008 e 2009 com o parecer desfavorável da Direção de Risco do banco público, na altura orientado pela administração liderada por Faria de Oliveira.

Mais tarde, em 2011 foi feita uma nova reestruturação, que na prática prolongou o prazo. Mas para o antigo administrador da CGD Rodolfo Lavrador, um dos responsáveis que participou na operação de reestruturação de 2011, considerou esta quinta-feira que “a decisão foi a que melhor defendeu os interesses” do banco público.

CGD. Dívida milionária de Berardo renegociada apesar de sinal vermelho da Direção de Risco

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Rodolfo Lavrador, que respondia na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Recapitalização e Atos de Gestão da CGD, defendeu a decisão tomada na altura. E explicou porquê. No momento da  concessão do crédito, Joe Berardo tinha dado como única garantia as próprias ações do BCP que pretendia comprar com o dinheiro pedido à Caixa.

“Entendo que foi, naquele momento e naquelas circunstâncias, uma boa decisão. Os títulos do BCP [dados como garantia por Joe Berardo] já não tinham uma boa valorização e a decisão tomada constituiu um passo em frente”, disse Rodolfo Lavrador na sequência de perguntas do deputado do PSD Duarte Marques.

Porquê? “Se, na altura, se decidisse fazer a execução de imediato das acções do BCP, segundo a Direção de Grandes Empresas – isso não seria possível de fazer sem ser uma operação estruturada, porque um grande volume de ações teria um grande desconto de volatilidade”. Ou seja, a Caixa não encaixaria tanto como poderia fazer se vendesse às parcelas.

“Reestruturação de 2011 dos créditos de Joe Berardo obteve mandatos de venda das ações do BCP dadas como penhor”, disse Rodolfo Lavrador

“Aquilo que se conseguiu fazer defendeu melhor os interesses da CGD. Obteve-se do devedor [Joe Berardo] a possibilidade de ir obtendo mandatos de venda, para que a Caixa fosse vendendo ações gradualmente em vez de ser num só momento. Foi possível fazê-lo gradualmente, o que foi mais proveitoso para a Caixa”.

Em vez de se fazer aquela venda com enorme desconto, foi possível obter do devedor a possibilidade da Caixa ir vendendo as ações consoante se viessem a verificar incumprimentos”, insistiu Rodolfo Lavrador.

Por outro lado, salientou, “naquela altura já estava constituída a possibilidade de haver algum tipo de garantia sobre os títulos de participação na Associação Coleção Berardo, que tinha um valor bastante superior ao que tinham as ações do BCP”. Aliás, disse Rodolfo Lavrador, foi a restruturação em que participou que permitiu, mais tarde, o Acordo-Quadro [com o BES e o BCP, outros credores de Berardo].

Esse Acordo-Quadro permitiu, por sua vez, uma posição concertada dos três bancos credores junto de Berardo, o que por sua vez resultou na atual ação de execução de 962 milhões de euros junto de entidades empresariais do empresário madeirense.

Ainda assim, a direção de risco da CGD da altura levantou objeções a esta operação de reestruturação. “Percebi o parecer do risco, porque não havia uma melhoria da posição da Caixa em relação ao devedor. Mas penso que este mandato de venda das ações permitiu uma venda ordenada e alocar as ações ao pagamento de juros”, sublinhou.

Rodolfo Lavrador foi acusado pelo grupo parlamentar do PS de ser “o rosto da ruinosa operação da CGD em Espanha”.

Sobre o crédito inicial, Rodolfo Lavrador não deu a sua opinião, escusando-se a abordar o tema desse ponto de vista.

“Entenda o seguinte. Acho que não estou aqui para dar opiniões em relação a atos de outro momento. Essa e outras operações que deram lugar a grandes incumprimentos não tiveram origem no meu mandato”.

A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua insistiu com Rodolfo Lavrador sobre o penhor dado por Berardo à CGD sobre os títulos de participação da Associação Coleção Berardo, a formalmente a proprietária das mais de 860 obras de arte.

A deputada bloquista que quis saber por que motivo não foi executada a coleção em 2011. “Não seria muito sensato” fazer essa tentativa devido ao contrato de comodato [entre o Estado e a Associação Coleção Berardo] para que as obras ficassem expostas no Museu Berardo, integrado no Centro Cultural de Belém, até 2016. As obras ainda lá estão, por via de um novo acordo renegociado pelo atual governo, em 2017.

La Seda? “Diretamente nunca tive responsabilidade”

Logo no início da audição, a deputada do CDS-PP Cecília Meireles questionou diretamente Rodolfo Lavrador sobre a operação La Seda/Artlant. Este foi um dos créditos concedidos pela CGD que correram particularmente mal.

Vieira da Silva foi um dos ministros que instaram a Caixa a financiar o projeto da La Seda para Sines

Em 2006, a Caixa entrou como acionista da empresa química de Barcelona para garantir, segundo a auditoria da EY aos atos de gestão entre 2000 e 2015, que uma decisão de investimento vinha para Portugal, neste caso uma fábrica da Artlant em Sines. Além de entrar no capital, acompanhada por grupos portugueses, a Caixa participou num empréstimo sindicado ao grupo La Seda. Estas operações tiveram um resultado negativo superior a 130 milhões de euros.

Rodolfo Lavrador foi liminar. “Diretamente nunca tive responsabilidade neste assunto da La Seda ou da Artlant”. “Lamento imenso mas não acompanhei”, foi repetindo. Além de quadro da CGD (para onde entrou no início da década de 90), Rodolfo Lavrador foi chefe de gabinete do ministro das Finanças Sousa Franco e mais tarde secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do ministro Guilherme d’Oliveira Martins.