Foram quase duas horas de entrevista que tiveram “gargalhadas” e “lágrimas” e das quais emirgiu “um Bolsonaro franco, simples, que admite equívocos, mas irascível ao se referir à esquerda”. É assim que a revista Veja classifica o resultado da sua própria entrevista, publicada esta sexta-feira no Brasil, onde o Presidente brasileiro falou abertamente sobre todos os temas que foram levantados: o exercício do poder, as reformas, o seu partido, o antecessor no cargo, o escândalo que envolve um dos seus filhos e a facada de que foi alvo.

Da entrevista saíram pelo menos alguns anúncios relativamente à política deste governo brasileiro: a de que Jair Bolsonaro pretende avançar com uma reforma tributária e com privatizações. “Já dei sinal verde para privatizar os Correios. A orientação é que a gente explique por que é necessário privatizar. No caso dos Correios, o PT destruiu a empresa”, declarou o Presidente.

Na mesma entrevista, o atual chefe de Estado anunciou ainda que agora defende a urgência de que seja alcançada uma reforma da Previdência (ou seja, da Segurança Social). O facto de no passado se ter afirmado contra esta reforma não é problema para Bolsonaro: “O que faz a gente mudar? A realidade. O Brasil será ingovernável daqui a um, dois, três anos”, diz, garantindo que agora que “tem acesso aos números” está perante um cenário diferente de quando só tinha “informação de orelhada”.

A “luta pelo poder” e a “kryptonite” da cadeira do Presidente

Sobre a “governabilidade” possível com uma presidência Bolsonaro, o Presidente reforçou que muitos deputados já começam  a colaborar com o governo “por amor à pátria”. “A gente não pode continuar fazendo a política como era até pouco tempo atrás. Estávamos no caminho da Venezuela”, afirmou. “Já passei noites sem dormir, já chorei p’ra caramba também. Angústia, né? Tá faltando o mínimo de patriotismo para algumas pessoas que decidem o futuro do Brasil.”

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Imaginava que ia ser difícil, mas não tão difícil assim. Essa cadeira aqui é como se fosse kryptonite para o Super-Homem. Mas é uma missão”, sentenciou o Presidente.

Bolsonaro colocou o dedo na ferida ao declarar que os inimigos não estão apenas nas bancadas do Congresso e nas ruas, mas até  dentro do aparelho do Estado: “É uma luta de poder. Há sabotagens às vezes de onde você nem imagina. No Ministério da Defesa, por exemplo, colocámos militares nos postos de comando. Antes, o ministério estava aparelhado por civis. Havia lá uma mulher em cargo de comando que era esposa do [número] 2 do Movimento Sem Terra. Tinha ex-deputada do PT, gente de esquerda…”

E as críticas incluem até o amadorismo da alguns dos seus colegas no Partido Social Liberal (PSL). “Tem muita gente que entrou e acabou sendo eleito com a estratégia que eu adotei na internet”, começa por afirma Bolsonaro. “Teve muita gente que falou para mim: ‘Nossa, eu não esperava me eleger’. Por isso o pessoal chegou aqui completamente inexperiente, alguns achando que vou resolver o problema no peito e na raça [com coragem]. Não é assim.” Isso, no entanto, não o faz considerar abandonar o partido. “Quando a gente casa, a gente jura amor eterno”, diz Bolsonaro.

A facada encomendada, a reflexão sobre Lula numa cela e o caso do filho Flávio. “Se alguém mexe com um filho teu, não interessa se ele está certo ou está errado”

E até os temas mais incómodos foram abordados pelo Presidente. Sobre o caso que envolve o seu filho Flávio Bolsonaro, suspeito de branqueamento de capitais, o Presidente reconheceu que se sentiu incomodado com o pedido do Ministério Público de quebra do sigilo bancário de Flávio para poder investigá-lo. “Se alguém mexe com um filho teu, não interessa se ele está certo ou está errado, você se preocupa”, resumiu.

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Já sobre os casos de corrupção que envolvem o seu antecessor no cargo, Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro assumiu o distanciamento face ao adversário.

Imagine o Lula dentro de uma cela. O cara sente. Ele saiu de uma situação de líder para a de um cara preso, condenado por corrupção. Apesar disso, não tenho nenhuma compaixão em relação a ele. Ele estava trabalhando para roubar também a nossa liberdade”, afirmou o Presidente sobre o anterior chefe de Estado e líder do PT.

Quando falou sobre a facada de que foi alvo durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro não só se emocionou como partilhou a convicção pessoal de que o ataque terá sido encomendado. Referindo-se ao autor do crime, Adélio Bispo, que foi considerado inimputável por problemas mentais, o Presidente foi claro: “Não quero vitimizar-me nem inventar um culpado para o episódio, mas isso não saiu da cabeça dele.”