Festa que é festa num relvado parece ter, nos dias que correm, a obrigatoriedade de ser feita com um telemóvel na mão para ir guardando todos aqueles momentos para a posteridade. Alissson Becker, guarda-redes brasileiro do Liverpool, não foi exceção. E acabaria por ser diante da câmara a que só ele tem acesso que a capa mais tímida e introvertida de um dos melhores jogadores da final com o Tottenham acabou por cair e com humor à mistura. “Toda a gente dizia que ia ficar 2-1, 4-3, 3-2, mas ninguém disse que ia ficar 1-0 ou 2-0, ninguém tinha fé em mim. Mais uma folha limpa!”, atirou entre sorrisos no seu Instagram.

Os astros alinharam-se com Origi e escreveram no céu “You’ll Never Walk Alone” (a crónica do Tottenham-Liverpool)

Com apenas 26 anos chegou, viu e venceu em Liverpool. Número 1 menos batido de uma Premier League onde nem 97 pontos chegaram para os reds serem campeões, Alisson tornou-se em Madrid o guardião com mais defesas sem consentir golos numa final da Liga dos Campeões desde 2003/04 (a do FC Porto de José Mourinho e Vítor Baía, que ganhou ao Mónaco), ao mesmo tempo que foi o primeiro guarda-redes a terminar com a “folha limpa” desde 2009/10, quando o Inter de José Mourinho e do também brasileiro Júlio César ganhou ao Bayern em… Madrid. Os 72,5 milhões de euros que o tornaram o jogador da posição mais caro de sempre até o Chelsea bater a cláusula de rescisão de Kepa ao Athl. Bilbao valeram a pena e aquilo que foi uma fraqueza do Liverpool em 2018 (exibição desastrosa de Karius com o Real Madrid, o que levou à saída do alemão para o Besiktas) acabou por tornar-se uma das maiores forças da equipa de Jürgen Klopp diante do Tottenham.

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A certa altura da segunda parte, a exibição de Alisson não passou ao lado sequer de LeBron James, uma das maiores estrelas da NBA que é adepto do Liverpool e que escreveu que o guarda-redes “segura tudo” nas suas redes sociais. Mais uma noite em grande para o brasileiro que foi descrito pelo ex-treinador de guarda-redes da Roma, Roberto Negrisolo, como o “Messi das balizas” com algumas parecenças ao mítico Dino Zoff. “É um fenómeno com a mesma mentalidade do Messi e pode definir uma era”, acrescentou. E com outra curiosidade: depois de ter sido fundamental no 3-0 com que a Roma eliminou o Barcelona após o 4-1 em Camp Nou em 2017/18, quando estávamos nos quartos da competição, voltou a brilhar pelo Liverpool no 4-0 em Anfield que anulou os três golos de avanço dos catalães esta época, nas meias-finais.

Nascido em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, e formado no Internacional de Porto Alegre, onde entrou nas escolinhas com apenas oito anos, Alisson subiu aos seniores do Colorado em 2013 e, no ano seguinte, tirou o lugar como titular a outro vulto das balizas brasileiras, Dida. Em 2016, quando tinha a alcunha do “Goleiro Gato” pela aparência física já com quatro Campeonatos Gaúchos conquistados, teve abordagens de seis clubes europeus e acabou por transferir-se para a Roma por cerca de 7,5 milhões de euros. Na primeira temporada da Serie A, “tapado” por Szczesny, fez apenas 11 jogos e nenhum no Campeonato; na época seguinte, depois da saída do polaco para a Juventus, assumiu a titularidade e não demorou a gerar uma disputa entre algumas das maiores equipas europeias. O Liverpool, que percebia a importância de ter um indiscutível entre os postes até pelo que tinha acontecido com Karius na anterior final da Champions, subiu a parada e ficou mesmo com o brasileiro.

Numa entrevista esta semana ao Independent, Alisson explicou alguns dos mandamentos que continua a defender para os jogadores na sua posição. Assumiu, por exemplo, que prefere fazer uma defesa na sua baliza a uma assistência para um dos companheiros do ataque. “Quando se faz uma daquelas intervenções complicadas, quando estamos todos esticados, isso enche-nos de confiança e dá um enorme prazer aos fãs”, salientou. Ao mesmo tempo, e sabendo que a forma como o Liverpool gosta de sair a construir a partir de trás (o que lhe valeu alguns erros que custaram golos sofridos), defendeu aquilo que alguns já se começam a esquecer: “Não acho que o jogo com os pés seja a coisa mais importante para o guarda-redes, o mais importante é mesmo o jogo com as mãos e as defesas que faz. A habilidade técnica é só mais um acessório para ajudar a equipa. Pode ser trabalhado mas primeiro é muito importante que um guarda-redes tenha confiança”.

Alisson e Muriel Becker partilham mais do que o nome. Os irmãos guarda-redes têm a baliza no sangue

Irmão de Muriel, guarda-redes do Belenenses SAD, Alisson, que se tornou também número 1 da seleção comandada por Tite, não esqueceu as raízes nas primeiras palavras após a conquista da Liga dos Campeões. “Ainda não dei conta do que aconteceu, passa muita coisa na cabeça. Há muita luta para chegarmos até aqui. Vim de uma cidade pequena do Rio Grande do Sul, com a força da família, dos amigos e com muito trabalho. Há o amor de quem está aqui e de quem não está, o meu segundo filho que está a chegar. Gostaria de agradecer a Deus pela força para trabalhar muito. Agora é festejar”, comentou o guarda-redes que, como confidenciou ao The Players’ Tribune, era “baixo, nervoso e chorão” com sete anos e que correu meia hora da praia a casa depois de receber uma chamada do avô a dizer que tinha sido convocado pela primeira vez para os Sub-17 do Brasil. Entre um e outro momento, admitiu deixar o futebol por não crescer como queria; de repente, deu o “salto”.