O Governo decretou um dia de luto nacional para esta terça-feira, 4 de junho, pela morte da escritora Agustina Bessa-Luís. Multiplicam-se as reações à morte de “uma das mais notáveis escritoras contemporâneas” e de “uma das maiores contadoras de histórias da literatura portuguesa”, cuja obra “é uma imensa tela sobre a condição humana”.

António Costa, primeiro-ministro

Em mensagem publicada nas suas contas oficiais nas redes sociais, o primeiro-ministro português, António Costa, lamentou a morte da escritora: “Portugal perdeu uma das suas mais notáveis escritoras contemporâneas”, escreveu.

Como toda a grande literatura, a obra de Agustina Bessa-Luís é uma imensa tela sobre a condição humana, sobre o que temos de mais misterioso e profundo. Sentidas condolências à família e amigos”, acrescentou Costa.

Isabel Pires de Lima, antiga ministra da Cultura e professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

“Perdemos uma das maiores contadoras de histórias que a literatura portuguesa alguma vez teve. Agustina deu corpo a um romance extremamente inovador pela forma como constrói a narrativa, como interpela a realidade e como deixa em aberto as suas histórias. Deu corpo a um romance aparentemente convencional e, todavia, extremamente subversor. Era uma subversiva, com o seu quê de anarquista. Nos meios académicos, é muito relevante e tem sido muito estudada, tanto em Portugal como no Brasil, em França e na Alemanha. Aquilo que falta verdadeiramente em relação a Agustina, e que é gravoso, sobretudo face ao facto de enchermos a boca para falar de promoção da língua portuguesa e de defesa do nosso património, é ela ser traduzida. Está em francês e alemão, mas quase nada em inglês, o que hoje dificulta em muito a difusão de qualquer autor.”

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Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também reagiu à morte da autora de A Sibila. Numa nota divulgada no site da Presidência, Marcelo declarou que “há personalidades que nenhumas palavras podem descrever no que foram e no que significaram para todos nós. Agustina Bessa-Luís é uma dessas personalidades”.

“Como criadora, como cidadã, como retrato da força telúrica de um povo e da profunda ligação entre as nossas raízes e os tempos presentes e vindouros. De ‘antes quebrar do que torcer’ testemunhou, com o rigor inexcedível da sua escrita, nunca corrigida, o fim de um Portugal e o nascimento de outro. Um e outro feitos do Portugal eterno. E é a esse Portugal eterno que ela pertence“, afirmou o Presidente, que se curva “perante o seu génio e expressa aos seus familiares as mais sentidas condolências”.

Morreu Agustina Bessa-Luís, a escritora que não tinha medo de nada

Ana Luísa Amaral, escritora e professora de literatura na Faculdade de Letras da Universidade do Porto

“É um dos grandes vultos da literatura portuguesa, um nome absolutamente incontornável da narrativa. Muitas vezes, tinha um registo profundamente poético. Não posso esquecer-me daquele célebre verso de Wallace Stevens [poeta americano], segundo o qual a poesia é a ficção suprema. Agustina praticou isso, o que também a tornou uma imensa escritora. Descobri-a aos 17, 18 anos e penso que “Vale Abraão” foi o livro dela que mais a marcou. Conhecemo-nos pessoalmente por volta de 1996. Aquilo que mais me impressionou, além da sua forma de falar, muito própria, foi o olhar. Agustina tinha um olhar penetrante. Acho que esse olhar físico se transmutou depois na literatura, na palavra, numa atenção ao mundo e às coisas. Ela, de alguma forma, metamorfoseava a própria dinâmica que normalmente estamos habituados a encontrar em romances, como aliás acontece com a grande literatura. Agustina era muitas vezes acusada de falta de coerência nos romances, porque uma personagem dizia uma coisa antes e mais à frente dizia outra coisa completamente diferente. Havia ambiguidades e contradições nas personagens, mas é isso que faz a grande literatura, esse desviar-se do curso.”

Pedro Mexia, escritor e crítico literário

Foi António José Saraiva quem Pedro Mexia citou para situar a dimensão da obra de Agustina Bessa-Luís no último século: “Ele dizia que eram os dois os milagres do século XX português: a Agustina e o Pessoa”. O poeta, cronista, comentador e consultor cultural do Presidente da República considera que “é possível acrescentar outros nomes” ao duo, desde logo “Herberto Hélder”, talvez também “Vitorino Nemésio”, mas a missão de encontrar pares de Agustina na escrita, com semelhante importância e talento, torna-se então espinhosa: “Podemos tentar, haverá outros nomes mas não haverá muitos com essa dimensão”.

“Não se passa pela literatura portuguesa sem ler a Agustina Bessa-Luís”, apontou o comendador e comentador ao Observador, numa reação telefónica à morte da escritora de 96 anos. Ler os livros da autora nascida em Vila Meã, Amarante, é “uma ocupação para uma vida inteira”, defendeu ainda:

O legado é duradouro. Com outros podemos sentir ‘já lemos este autor’, no caso da Agustina é impossível, não só porque a obra é muito grande e é difícil ler tudo como porque não se pode deixar de voltar aos seus livros, tendo em conta a invulgar densidade, variedade e vivacidade que têm”, referiu

Ao ler Agustina Bessa-Luís, Pedro Mexia diz que é habitual pensar “eu nunca li isto antes, nunca vi esta perspetiva antes”, o que “é muito refrescante” e “não é sequer muito comum mesmo na boa literatura”, dado que parte dela tem “um grau de previsibilidade que a Agustina não tem”. Apesar da importância e dimensão da sua obra, Mexia reconhece que a Agustina Bessa-Luís “não só nunca aconteceu como não sei se poderá acontecer” um pico de popularidade semelhante ao que “outros autores beneficiaram em algum momento da sua vida, ou em alguns casos postumamente, como no caso do Fernando Pessoa”.

A escrita, o medo, o amor, a mulher: 20 frases para lembrar Agustina Bessa-Luís (1922-2019)

Graça Fonseca, ministra da Cultura

A ministra da Cultura lamentou a morte de Agustina Bessa-Luís, “autora de uma obra tantas vezes virada para o passado mas sempre contemporânea, sempre presente”, que “marcou a escrita em português a partir dos anos 50, inaugurando um novo espaço ficcional, à imagem de outras grandes mulheres e que, em conjunto com ela, revolucionaram radicalmente a prosa em português, como Maria Velho da Costa ou Maria Gabriel Llansol”.

Num comunicado em que destaca a longa carreira da escritora, Graça Fonseca descreveu “o legado de Agustina” como “vasto, composto por personagens, visões da história, lugares e, acima de tudo, um percurso pessoal e autoral únicos e exemplares”.

Pilar del Río, jornalista e escritora

“Morreu Agustina Bessa-Luís, a grande escritora portuguesa. Com tristeza, envio os meus pêsames aos seus leitores: ficamos mais pobres perante esta orfandade. Sobre a Agustina, escreveu José Saramago: se há em Portugal um escritor que participe na natureza do génio, é a Agustina Bessa-Luís”, apontou a autora, jornalista e antiga mulher do romancista português José Saramago, na sua conta oficial de Twitter.

Fernando Dacosta, escritor e jornalista

“Mais do que um título em concreto, o que importa em Agustina é a forma como escrevia, as atmosferas que criava. Nisso, foi uma escritora extraordinária. Era também uma mulher perversa e encantadora. Ela própria dizia que um bom escritor tinha de ser perverso para chegar à natureza das pessoas. Agustina foi uma grande espectadora da vida e do mundo, gostava de se sentar a ver os comportamentos das pessoas e gostava de puxar pela língua dos outros. Deixa muitas saudades.”

Rui Rio, presidente do PSD

Ao final da tarde, também Rui Rio reagiu à morte de Agustina Bessa Luís. No Twitter, o presidente do PSD fala no “vulto maior da literatura portuguesa”, relembrando um prémio que ele próprio entregou à escritora.

Assunção Cristas, líder do CDS-PP

“A morte de Agustina Bessa-Luís deixa-me um sentimento de gratidão pela obra absolutamente inigualável que nos deixa. Na verdade, a Senhora de Amarante, que se tornou a grande Imperatriz da Língua Portuguesa, não nos deixa, porque será sempre fonte de sabedoria.

Agustina, a grande rebelde da literatura portuguesa

Zita Seabra, política e diretora da Alêtheia Editores

“Conhecia-a bem, sobretudo na fase em que foi diretora do Teatro Nacional D. Maria II [1990-1993]. Foi uma das pessoas mais interessantes e fascinantes que conheci, de uma cultura imensa e um imenso gosto pela vida. É a maior escritora da segunda metade do século XX português. Quando ela apareceu, o neo-realismo era a expressão consentida dos intelectuais portugueses, fundamentalmente comunistas, que decidiam quem se impunha e não se impunha na literatura nacional. Era uma forma ditatorial de olhar para a escrita. Agustina rompeu com isso, escreveu o que lhe apeteceu e como lhe apeteceu, de forma notável.

Só lamento que os livros dela que estavam adotados pelo ensino público tenham desaparecido, para serem substituídos por leituras obrigatórias de jornais, revistas e outros escritores que não estão ainda testados pelo tempo. Estou à vontade para falar porque editei alguns livros dela, mas não, por exemplo, A Sibila, que já foi de estudo obrigatório. Agustina tem de voltar ao nosso ensino.”

Isabel Rio Novo: “Agustina foi mais ousada e adiantada do que feministas encartadas”

Filipe La Féria, encenador

“A morte de Agustina é irónica, porque ela será imortal. É a grande escritora portuguesa do século XX, de entre escritoras e escritores. Seguia a linha dos grandes nomes do século XIX, como Camilo Castelo Branco ou Eça de Queirós. Tinha uma curiosidade enorme pelo ser humano, era genial como pessoa e escritora, tinha uma graça infinita. Ainda oiço as gargalhadas que ela dava, era muito irónica. Trabalhámos juntos no início dos anos 90, no Teatro Nacional, quando ela era diretora. Foi a época do ‘Passa Por Mim no Rossio’. Lembro-me de que eu não queria estrear o espetáculo e ela zangou-se comigo e obrigou-me a estrear. Aquilo foi feito quase sem dinheiro nenhum e ela, com o seu próprio dinheiro, foi comigo para a Baixa lisboeta, na véspera, para acabarmos de comprar o guarda-roupa. Outra história muito curiosa: por vezes, quando íamos ao teatro para falar com ela, a secretária dizia que Agustina não poderia receber porque estava a ‘acabar um capítulo’. Era esta a expressão. Ela estava sempre a escrever, era uma torrente de talento.”

Rui Zink, escritor e professor universitário

O escritor e professor universitário Rui Zink considerou esta segunda-feira que Agustina Bessa-Luís é “um tesouro nacional”, recordando que a escritora deixa “a obra e o cheirinho do seu humor e da sua ironia”.

“Quando uma pessoa é tratada pelo primeiro nome como é o caso dela, — há muitos, muitos, anos –, significa que ela é um tesouro nacional”, disse Rui Zink, em declarações à agência Lusa, explicando que a escritora “era chata, porque [nos] via por dentro e isso, às vezes, é um bocadinho incómodo”.

Para o professor universitário, Agustina Bessa-Luís era uma pessoa que não precisava de acessórios para conseguir ver o detalhe: “Era o tipo de pessoa que não precisava de microscópio para ver mais longe, mais dentro”, referiu Rui Zink, admitindo que “é mais interessante” conseguir ver mesmo a “nível do nano”, e que “mais fácil as pessoas verem mais longe para fora”. Agustina Bessa-Luís deixa “um labirinto enorme de páginas e páginas para nós irmos desbravando”, concluiu o escritor.

Isabel Rio-Novo, jornalista e biógrafa de Agustina Bessa-Luís

A escritora Isabel Rio-Novo, autora da mais recente biografia de Agustina Bessa-Luís, considera que a “obra extraordinária” da autora “não morre hoje” e “continuará a ser lida e apreciada seguramente daqui por cem ou duzentos anos”.

Enquanto leitora, enquanto biógrafa e pessoa que ainda teve o privilégio de a poder conhecer pessoalmente sinto-me profundamente grata por uma obra extraordinária que não morre hoje”, disse Isabel Rio-Novo à agência Lusa.

A escritora recorda “uma obra inqualificável, extremamente prolífica, de uma forma de escrita e de uma forma de compreensão e de indagação da natureza humana absolutamente única no contexto da literatura portuguesa e mundial”. Isabel Rio-Novo disse ter conhecido pessoalmente Agustina Bessa-Luís no contexto de projetos de investigação, e recordou “toda a sua inteligência, o seu humor, a sua graça, cuja gargalhada cristalina era verdadeiramente contagiante”.

A incurável: 61 livros de Agustina Bessa-Luís

Lídia Jorge, escritora

“Fui muito próxima de Agustina, tive o privilégio de a conhecer razoavelmente bem e por isso deixa-me grande saudade. Mas neste momento importa, sobretudo, valorizar a obra, que é o que fica, uma obra única no século XX. Agustina é uma espécie de herdeira de um conhecimento literário do século XIX, atualizado no século XX, com esse material da língua, essa riqueza semântica, com uma energia extraordinária. Ela tinha noção de ação, a escrita para ela era uma ação, o pensamento era uma ação. Penso que terá lido muito Nietzsche, por isso, tinha presente a ideia do homem e da mulher que agem para resgatar o destino. Isso é claro nas figuras que criou, sobretudo as mulheres. Ela não era feminista, como se sabe, mas deixa um olhar notável sobre a energia feminina. Na história da literatura, fez duas coisas: quebrou com a escola dominante [neorrealismo] e levou a sua forma de escrita até ao fim, mesmo quando disseram que estava ultrapassada. Ora, Agustina nunca ficou ultrapassada, porque escreveu sendo ela própria. Quem a conheceu, sabe que havia uma continuidade perfeita entre obra e a pessoa. Marca da sua autenticidade, é poder ter estado contra tudo e contra todos, na crença absoluta no seu poder criativo, na sua singularidade, na sua força como autora.”

Bruno Vieira Amaral, escritor

“O legado é imenso, mas não acho que a Agustina Bessa-Luís tenha tido um reconhecimento merecido. A sua obra não teve a notoriedade fora do espaço da língua portuguesa que a sua dimensão e qualidade merecia. É um erro limitar a Agustina e situá-la apenas no contexto da literatura portuguesa, está entre os grandes escritores do século XX. Não tenho a mínima dúvida disso e acho que só o tempo poderá fazer verdadeira justiça a uma obra como aquela que nos deixou.

Se pensarmos no século XX, há poucos escritores que tenham produzido uma obra tão poderosa e tão densa quanto a da Agustina. Talvez essa densidade de escrita e pensamento seja um dos obstáculos à sua notoriedade, mas acredito que lá chegaremos. A obra está aí e às vezes basta um clique para se chegar [a uma grande comunidade internacional de leitores]  — basta pensar no que aconteceu com a Clarice Lispector, que teve uma biografia escrita pelo Benjamin Moser que foi essencial para o seu reconhecimento no mercado de língua inglesa, um mercado fundamental para a divulgação mundial de um escritor. Teremos de esperar por um leitor apaixonado da obra da Agustina que a consiga levar a esses leitores em todo o mundo. A Agustina merece. O que é extraordinário na obra dela é ser profundamente portuguesa, sobre a nossa sociedade, sobre nós e ao mesmo tempo ter, percebe quem a lê, um sopro universal que transcende os limites geográficos.”

@ LUISA FERREIRA

Maria Teresa Horta, escritora

A escritora Maria Teresa Horta considera que “não é possível fazer a história da literatura portuguesa, neste momento, sem passar pela obra da Agustina Bessa-Luís”, que morreu esta segunda-feira, aos 96 anos, no Porto.

“Considero que a Agustina é dos melhores escritores – não é escritora só – da literatura contemporânea portuguesa, mas também morre uma escritora e alguém que eu conheci”, afirmou Maria Teresa Horta à agência Lusa. Para a escritora de 82 anos, esta é “uma perda muito grande” para a literatura portuguesa. A geração de Agustina Bessa-Luís “foi muito generosa” com a sua, lembrou ainda: “Recebeu-nos de braços abertos”.

Frederico Lourenço, tradutor e investigador

O tradutor e investigador português Frederico Lourenço publicou um longo texto na sua página de Facebook enaltecendo Agustina Bessa-Luís, “o terceiro elemento da Santíssima Trindade do romance português, com Camilo e Eça”, que “na prosa do século XX, foi a deusa única e incontestada”.

Lembro-me de, aos vinte anos, me ter insurgido contra esta genialidade convinda e tive uma discussão fascinante, na Arrábida, com o meu padrinho João Bénard da Costa, a quem me queixei da falta de nexo arquitectónico nos romances dela. A resposta dele foi lapidar: ‘isso não interessa nada’ “, recordou o tradutor.

Com o tempo, Frederico Lourenço percebeu “que João Bénard tinha razão. Como disse a própria Agustina numa entrevista, se a vida é ela própria imperfeita, não há motivo para exigirmos à literatura perfeição engarrafada”.

A escritora, que morreu esta segunda-feira com 96 anos, “foi sempre muito adorada e também criticada, como de resto Sophia enquanto foi viva”, lembrou Frederico Lourenço. “Hoje ninguém duvida do génio absoluto de Sophia — como ninguém duvidará do de Agustina, agora que ela nos deixou. É um pouco o fenómeno Maria Callas: é preciso desvalorizar as críticas que inevitavelmente acompanham percursos artísticos demasiado desconcertantes na sua mescla de fulgurante genialidade e de inaudito arrojo. O tempo encarrega-se de mostrar as coisas como elas são. Agustina e Sophia não foram, em vida, aclamadas por todos os críticos; nunca foram aborrecidamente consensuais. Ainda bem”, acrescentou.

Conheci Agustina uma só vez, num almoço no Porto em 2004, em que estavam presentes as irmãs Maria e Isabel, filhas de Sophia e de Francisco Sousa Tavares. Fiquei sentado com a Isabel na mesa da Agustina. A atenção com que a perspicaz escritora seguiu todas as conversas impressionou-me, assim como me impressionaram as suas intervenções, curtas, pregnantes, absolutamente arrebatadoras. A simpatia dela em relação a mim envaideceu-me”, apontou ainda Frederico Lourenço

“Mas a coisa que mais me fascinou nesse almoço foi o facto de as filhas de Sophia tratarem a romancista, não por Agustina, mas sim por Maria Agustina. Nome por que a própria Sophia a tratava e, segundo me disseram, Eugénio de Andrade também. (…) Conhecer finalmente a Deusa! E perceber que nos enganáramos todos no nome dela”, concluiu.

Mário de Carvalho, escritor

Para Mário de Carvalho, Agustina Bessa-Luís “é uma escritora absolutamente extraordinária, uma das grandes escritoras, sem dúvida, do século XX”. Em declarações prestadas à agência Lusa, o autor afirmou ainda: “Até agora, [Agustina] tinha conseguido superar o desafio da qualidade, o desafio do reconhecimento, pelos seus semelhantes e pelos leitores. A partir de agora, o desafio é outro: o desafio da imortalidade, e não estaremos cá para saber se ela o ganhará ou não”.

No entanto, vai avançando: “Do que conheço, impressiona a torrencial imaginação da Agustina, o grande domínio e elasticidade do tratamento da língua portuguesa e, do ponto de vista pessoal, uma maneira de ser também muito própria, que causava muitas vezes a admiração dos seus confrades”.

José Manuel Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Escritores

“A Agustina foi uma das figuras nucleares da literatura portuguesa no século XX, particularmente após a publicação do romance ‘A Sibilia’, que marca uma linha muito pessoal, muito à revelia das correntes estéticas dominantes em Portugal e fora do nosso país”, afirmou o presidente da APE (Associação Portuguesa de Escritores), José Manuel Mendes, em declarações reproduzidas pela agência Lusa.

A sua escrita era “ao mesmo tempo embebida na história e nas tradições e na realidade portuguesa, e num percurso de descoberta das personagens que poderiam, de um ponto de vista psicológico, representar o grande drama humano em toda a sua dimensão”, acrescentou, sublinhando a forma como, de livro em livro, a autora proporcionou “páginas admiráveis”, cujo “grau de elaboração” advinha muito da sua “vastíssima cultura” e das suas leituras, “visando criar-lhe uma base muito pessoal de construção da escrita”.

Na opinião do presidente da APE, Agustina deve ser recordada como romancista – “sobretudo nos seus romances mais referenciados”, embora confesse não estar “muito à vontade” para excluir alguns do que têm sido menos indicados, como por exemplo “Ternos Guerreiros” -, mas sem esquecer “a cronista, a ensaísta, a autora de textos dispersos, não raro fulgurantes, designadamente em crónicas de rádio, em intervenções com pequenas peças radiofónicas, e também nas diferentes circunstâncias para as quais o mundo literário a convocou”.

Uma figura maior que fisicamente desaparece mas que nos deixa numa perspetiva de valoração do nosso património que é simultaneamente presente e devir. Uma obra singularíssima e irrenunciável”, concluiu.

“Deuses de Barro”: o inédito que Agustina escreveu aos 19 anos

Eduardo Paz Barroso, presidente do Coliseu do Porto

“Agustina é indissociável de um instrumento de leitura que é a própria cidade do Porto. Raras vezes uma escritora preside simbolicamente, e com tanto poder, a uma cidade. Mas é assim com a autora de Fanny Owen. Por razões de carácter, de elegância intelectual, de temperamento. Na autora o modo de ser e de dizer, inteligentíssimos, penetraram na essência de um quotidiano que fez de cada um dos seus leitores um cúmplice da sorte e dos infortúnios dos personagens e dos enredos a que deu vida. Mas a própria Agustina construiu-se literariamente como persona de uma realidade disfarçada por detrás da objetividade dos trajetos. Nela as possibilidades de cada palavra têm uma solidez granítica.

Agustina é uma Senhora da Rua de Cedofeita, das ruas da Baixa, do tempo da confeitaria Oliveira e da Livraria Lello pré Harry Potter. E a muito mais, ao etnólogo Ernesto vizinho do Gólgota, ao Eugénio de Andrade, ao Manoel de Oliveira, ao Miguel Veiga, a um Porto que gerou as melhores heranças. E depois é profundamente contemporânea, capaz de descobrir que não existem limites para o prazer da linguagem. E por isso deixa-nos um exemplo de uma intimidade com a língua que, se por um lado possui um rasto Camiliano, por outro possui a vertigem da lucidez. O que explica o seu talento para ser cruel e divertida ao mesmo tempo.

Nunca ninguém cuja obra foi abordada na perspetiva do inacabado encheu de modo tão brutal e rico o nosso estar aqui. O que explica que a sua Obra vai além dos leitores, e se ganhou muito – e ganhou imenso com a leitura sublime que Manoel de Oliveira fez de alguns dos seus romances – é porque a sua escrita vive de um transe enigmático, que nos arrasta como o redemoinho de um rio de águas profundas. A isso muitos, para além de rituais de circunstância, vão estar agradecidos para sempre.”