Vem aí o maior leilão de capacidade de energia renovável desde o concurso de 2007, lançado pelo ministro Manuel Pinho durante o primeiro Governo de José Sócrates para a atribuição de potência eólica. São 1400 megawatts que vão a leilão, desta vez para apenas para a produção de energia fotovoltaica (painéis solares). E com uma promessa por parte do secretário de Estado da Energia, sobre o modelo de remuneração destas novas centrais.

“Vai ser igual ao eólico, mas ao contrário.” Em vez de termos um sobrecusto para os consumidores de eletricidade que andaram a pagar tarifas garantidas acima do mercado, vamos ter um sobreganho que será todo usado em benefício do sistema elétrico, afirmou João Galamba num encontro com jornalistas.

Esse ganho, que será tanto maior quando mais concorrentes forem ao leilão, será canalizado para abater o défice tarifário, tendo sempre um efeito positivo nos preços da energia. Isto não obstante o leilão resultar na fixação de uma tarifa fixa que, no entanto, terá de ficar abaixo da previsão a longo prazo (15 anos) para a evolução do preço do mercado grossista da energia solar. Só assim pode gerar ganhos para o sistema e para os preços da eletricidade. Será um modelo inédito a nível mundial, admitiu o secretário de Estado, que combina concorrência e tarifas garantidas e os dois perfis de investidores: os querem produzir a preço de mercado e os que preferem um remuneração mais estável.

“O sistema ganhará sempre, pode ganhar mais ou menos”, garantiu o secretário de Estado sem no entanto avançar com estimativas. João Galamba assumiu ainda que “queremos reconciliar os portugueses com as renováveis“, um setor que ficou negativamente marcado pela discussão política em redor das rendas excessivas do setor elétrico.

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O que distingue este leilão do concurso lançado para a potência eólica há mais dez anos é, no essencial, o critério de valorização das propostas. Enquanto no passado, foi dada a prioridade à criação de um cluster industrial associado ao vento em Portugal, com a consrução de fábricas, e o pagamento de um fee (bónus) ao Estado, deixando a conta para pagar aos consumidores de eletricidade, neste leilão o critério dominante será o preço mais baixo de venda da energia.

O leilão vai arrancar com a apresentação de candidaturas a partir de 17 de junho — o resultado será conhecido em julho — e será dividido em quatro grandes lotes regionais — Centro, Alentejo, Lisboa e Vale do Tejo e Algarve, aproveitando a capacidade já existente na rede elétrica para receber mais potência renovável, os promotores terão de investir na ligação à rede e nas próprias centrais. Partido de uma conta simples, de 800 mil euros por megawatt exigido no investimento de painéis fotovoltaicos, o governante admite que este leilão induza um investimento superior a mil milhões de euros nos próximos três anos, prazo limite para construção e início de operação.

O Governo quer tirar partido do enorme interesse que existe por parte de investidores nesta tecnologia e da necessidade de Portugal aumentar a quota de solar no seu mix energético, que atualmente é muito baixa se considerarmos o peso da eólica e as características climatéricas do país. Além de que, o solar permite equilibrar mais a produção de renováveis em Portugal, porque é uma fonte de energia complementar à água e ao vento. Ou seja, em anos secos em que as barragens não produzem, o solar pode ajudar a preencher a quota das renováveis. Além de que, se pretende aproveitar a onda do sol, numa altura em que os custos desta tecnologia estão a baixar muito.

Este concurso tem também objetivos contribuir para as metas mais ambiciosas de fontes renováveis assumidas por Portugal a nível internacional e ultrapassar os impasses e problemas no circuito de licenciamento destes projetos. Isto porque, acrescenta João Galamba, as regras do processo de licenciamento não era as mais adequadas a um volume elevado de pedidos aos quais os serviços do Estado não estavam a conseguir dar resposta. Com o processo de licenciamento existente, “estaríamos a perder oportunidades para os consumidores se apenas atribuíssemos licenças a preço de mercado.” A ideia é que o modelo de leilão venha a ser usado para atribuir mais potência renovável no futuro, em particular tendo em conta a decisão já assumida pelo Executivo de que irá fechar a central a carvão do Pego no fim do contrato de aquisição de energia, em dezembro de 2021.

Para já, o interesse tem sido elevado. Cerca de 300 potenciais investidores estão inscritos para a sessão de esclarecimento que se vai realizar esta quinta-feira no auditório do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil). E entre estes há de tudo, disse João Galamba: grandes operadores estrangeiros, empresas portuguesas, investidores mais financeiros e também escritórios de advogados.

Leilão junta mercado e tarifa garantida

O modelo do leilão foi construído com a ajuda de uma consultora internacional de forma a responder aos dois perfis de investidores: Os que queriam alguma garantia e os que só queriam vender em mercado. A opção foi colocar os dois modelos em concorrência, em vez de decidir logo o que teria mais peso, “tornamos possíveis dois modelos de remuneração”:  São realidades não comparáveis, “mas vamos avaliar o valor atual líquido de cada oferta, o que permite a comparação”, explicou o governante.

Com a tarifa fixa é fácil estimar a remuneração. Para o regime de mercado usou-se a curva dos preços capturados, um conceito que permite estimar o preço médio da energia produzida a partir de fontes solares no mercado grossista, ponderado pelo número de horas que o solar produz nesse dia. A partir deste algoritmo será possível calcular um preço médio por ano para o preço capturado, o que deduzido do preço oferecido em leilão nos dá a diferença que será um ganho para o sistema.

O calculo do valor atual líquido de cada oferta em mercado com o de uma tarifa fixa, permite hierarquizar ofertas em cada zona de rede até preencher a capacidade disponível para cada uma dessas. Neste leilão, a região centro ficou com o maior lote de potência por distribuir: 795 MW (megawatts), seguido de Lisboa e Vale do Tejo — 240 MW, Alentejo — 185 MW e Algarve — 30 MW.

Antes de avançar o leilão, estão a ser concedidas licenças para os pedidos feitos que estavam em condições de as obter, nas últimas semanas foram licenciados 800 megawatts de potência solar.

O processo foi ainda pensado para evitar que os promotores arrastem no tempo a execução dos projetos que vencem o leilão. Tem de estar operacionais até três anos depois e neste período têm de cumprir etapas intercalares. O “promotor especulador” também foi acautelado neste concurso com o impedimento de venda do projeto antes que este esteja em operação.