Um jogo entre Portugal e Suíça significa uma dificuldade acrescida em identificar os adeptos de uma e outra equipa. No perímetro que circunda o Estádio do Dragão, existiu durante toda a tarde desta quarta-feira uma cor constante, persistente e homogénea: o vermelho. Era preciso ir ao pormenor, aos pormenores verdes nas camisolas portuguesas, aos vestígios de branco nas blusas suíças, para conseguir distinguir uns e outros. No primeiro dia da final four da Liga das Nações, a Seleção Nacional já provava ser maior e mais abrangente do que qualquer intransigência clubística. Esta quarta-feira, o Porto era vermelho.

Mas a festa da primeira fase final da Liga das Nações começava ainda bem no centro da cidade, nos Aliados, onde os adeptos suíços, já vestidos a rigor, enchiam a conhecida cadeia de fast food que até tem na praça portista a sede mais bonita do mundo. Depois de almoço, enquanto os portugueses caminhavam naturalmente para o rotineiro café, os helvéticos abriam caminho para o início dos festejos. As cervejas — sempre pedidas no tamanho big, nunca noutro — começavam a acumular-se nas mesas das esplanadas onde o sol batia. Mas nem todos os cafés, principalmente os mais pequenos, estavam preparados para uma enchente tão grande numa hora em que a maioria dos empregados de mesa ainda almoçava.

Filho de portugueses mas nascido no Canadá, Alexandre trouxe a namorada para ver Portugal pela primeira vez FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A dada altura, num pequeno café bem perto dos Aliados, a cerveja acabou. “Vou começar a dar-lhes sem álcool, nem vão reparar”, atira a responsável pelo estabelecimento, em conversa com a colega. Cumpriu e acertou: serviu cerveja sem álcool aos suíços — e eles nem repararam. Com o passar dos minutos, as camisolas vermelhas começaram a dar lugar a algumas brancas. Um primeiro olhar, mais distraído, diria que eram adeptos da Suíça que optaram pelo equipamento alternativo. Mas não: alguns ingleses, que só esta quinta-feira verão a sua seleção a jogar com a Holanda, na outra meia-final, passaram pelo Porto antes de rumar a Guimarães e também inundaram as esplanadas. Mais do que isso, mostraram que o objetivo da equipa de Sterling e companhia era jogar no Dragão no próximo domingo, sinal de que chegavam à final da Liga das Nações: na escadaria de acesso à Estação de S. Bento, três enormes bandeiras inglesas faziam parecer que Portugal jogava esta quarta-feira com a Inglaterra e não com a Suíça.

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Junto ao estádio, a mais de três horas do apito inicial, os adeptos acumulavam-se nas escadas junto a uma das entradas do Dragão e aguardavam pela hora da abertura das portas. Alexandre Raposo destaca-se da multidão não só por fugir à mancha vermelha, já que leva vestida a camisola alternativa verde-água que Portugal utilizou no Euro 2016, como pelo que traz tatuado na perna esquerda. No gémeo, Alexandre tem o troféu do Campeonato da Europa de França — o da lesão de Ronaldo, o do golo de Éder, o da vitória da Seleção Nacional. Mas a história torna-se melhor ainda. Filho de portugueses mas nascido no Canadá, Alexandre viajou até ao Porto de propósito para assistir à meia-final da Liga das Nações e ver Portugal jogar pela primeira vez. Trouxe a namorada, canadiana, uma máscara de Cristiano Ronaldo e a bandeira portuguesa. O sonho da conquista do troféu, esse, vem marcado na pele.

A tatuagem de Alexandre, que nunca tinha visto a Seleção e levou para casa a memória de um hat-trick de Ronaldo FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

As competições da FIFA e da UEFA apelam normalmente a fair play e à competição amigável e a Liga das Nações não é exceção. Criada para evitar os aborrecidos jogos particulares e dar algum significado ao longo período entre torneios, apesar de incluir um importante passaporte para o próximo Europeu à seleção vencedora, a inédita competição europeia trouxe consigo ceticismo e pouca atenção — problemas que só começaram a desvanecer com o aproximar da final four e a expectativa de uma final que pode ter Portugal, Holanda ou Inglaterra. À parte isto, o fair play existia também entre os adeptos à volta do Dragão. Principalmente entre as crianças (aquelas que devem ser ensinadas a gostar de futebol e não dos próprios clubes, como disse Rui Vitória esta semana), que aproveitavam o tempo de espera até poder entrar no estádio para jogar à bola entre a multidão. Uma com uma camisola de Portugal, outra com uma camisola da Suíça, bola para um lado, bola para o outro. O jogo só começava daí a algumas horas e no relvado ainda escondido mas o exemplo estava a ser dado cá fora e no chão de cimento.

A abertura de portas provocou filas entre as baias que delimitavam os corredores de acesso ao estádio mas também fez desvanecer o vermelho, já que a larga maioria dos adeptos portugueses e suíços que se encontravam no perímetro do Dragão àquela hora entraram quase de imediato. Cá fora, entre uma e outra cerveja, ficaram algumas centenas mais descontraídas, a aproveitar o sol que espreitava entre as nuvens e a manter os últimos dedos de conversa antes do jogo propriamente dito. Já sem a mancha vermelha, começam a aparecer camisolas diferentes, nem de Portugal nem da Suíça nem de qualquer outra seleção: os equipamentos oficiais dos dois países dão lugar às camisolas dos clubes, desde o FC Porto, ao Benfica, passando pelo Sporting, Boavista e V. Guimarães.

O Estádio do Dragão estava totalmente lotado para o jogo desta quarta-feira FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

É no meio de muitas camisolas de equipas portuguesas que estão outras duas que se distinguem pela estranheza — estranheza, pelo menos, em Portugal. Dois brasileiros, um vestido com as cores do Curitiba e outro com as do Paraná Clube, estão de férias em Portugal e decidiram assistir ao jogo “pelo espetáculo”. Torcem pela Seleção Nacional por um caso inevitável de proximidade mas dizem que o resultado não interessa: “Queremos só que dure. Que acabe empatado, vá a prolongamento e penáltis. Quanto mais, melhor”, explica, entre gargalhadas, o adepto do Curitiba. Face a dois brasileiros adeptos de futebol e numa altura em que Neymar está na ordem do dia por motivos pouco positivos, é quase impossível não perguntar pelo jogador do PSG. “Neymar? Não gostamos dele. E não é só de agora, já são coisas de trás. É bom jogador mas tem atitudes que não dão. Ele está em baixo lá no Brasil”, garantem.

Então e Ronaldo? “Ronaldo é o melhor do mundo, já ganhou a copa europeia com Portugal e tudo nos clubes. Messi é só Barcelona, lá na Argentina nunca ganhou nada”, atiram, entre sorrisos, sem conseguir evitar a farpa ao símbolo do rival de sempre. Umas horas depois, com um hat-trick formado por três golos fenomenais, o capitão português deu razão aos dois brasileiros que aproveitaram as férias para assistir “ao espetáculo”. E estragou a visita dos suíços, que achavam que a cerveja sem álcool tinha sido o pior da visita ao Porto. E ainda ofereceu a Alexandre, que nunca tinha visto a Seleção, uma história bonita para levar para o Canadá e contar mais tarde aos filhos. Ah, e pôs Portugal na final da Liga das Nações.