Aqui há quase duas décadas, Claire Denis deu um valente safanão no filme de vampiros com o seu “Trouble Every Day” (2001), mostrando que, às vezes, um realizador de perfil mais “autorista” e habituado a enredos naturalistas, intimistas ou cerebrais, pode injetar seiva nova num género tradicional. Alguns anos mais tarde, Jim Jarmusch faria exatamente o mesmo, e também no ecossistema do filme de vampiros, com o seu poético e plúmbeo “Só os Amantes Sobrevivem” (2013), filme infelizmente incompreendido quer por muitos incondicionais do seu ADN “indie”, quer por muitos ferrenhos do cinema de terror. Há mais originalidade, atmosfera e boas ideias em “Trouble Every Day” e em “Só os Amantes Sobrevivem”, do que em 95% dos filmes de vampiros feitos neste século.

[Veja o “trailer” de “High Life”:]

Depois do terror, Claire Denis mete-se agora pelos territórios da ficção científica em “High Life”, escrito com o seu habitual colaborador Jean-Pol Fargeau e com o inglês Geoff Cox, acompanhada por dois actores que muitos cineastas dariam os dedos de uma mão para dirigir: Robert Pattinson e Juliette Binoche. É um filme que, pelo seu cenário estanque, pela austeridade geral e pelas características da história (uma nave espacial tripulada por um punhado de condenados à morte e por uma cientista, cujo número será drasticamente reduzido), é mais derivado dos “space movies” baratuchos das décadas de 50 e 60, quer os de Hollywood, quer os dos países de Leste (nem por acaso, “High Life” foi parcialmente rodado na Polónia, e os efeitos especiais feitos lá), do que de produções mais conhecidas e vistosas.

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[Veja Claire Denis e Robert Pattinson falar sobre o filme:]

No entanto, a realizadora francesa não consegue repetir em “High Life” o que conseguiu fazer de bom, inédito e entusiasmante em “Trouble Every Day” em termos de revitalização de um género estacionado na rotina. O filme até começa muito bem, com Monte, a personagem de Robert Pattinson, a tentar resolver um problema no exterior da nave, sob fundo de espaço cósmico, enquanto tenta, ao mesmo tempo, via rádio, acalmar uma bebé que chora. A seguir, e através de uma série de “flashbacks”, é-nos contado como é que a tripulação da nave (que parece uma enorme caixa de sapatos com um motor) ficou reduzida a Monte e à criança, e esta apareceu, para depois sermos levados ao futuro, em que o cosmonauta sobrevivente e a filha, Willow, agora já adolescente aguardam a sua sorte.

[Veja uma entrevista com Juliette Binoche:]

A história de “High Life” é tão difusa como disparatada e inverosímil. Os criminosos da nave, que vai vagamente estudar um buraco negro, são submetidos a experiências de reprodução artificial em ambiente espacial, já que o argumento alude, também de forma vaga, ao tema, e a Dra. Dibs, a cientista personificada por Binoche, revela ser ela também uma assassina condenada à morte. O sexo é proibido a bordo, existindo, como alternativa, um sinistro cantinho para masturbação chamado “A Caixa”, onde a personagem de Binoche tem um dos momentos mais embaraçosamente ridículos de todo o filme. Quanto a uma tripulação convencional e a guardas para assegurar a segurança na nave, nem vê-los. Há mais preocupação com os fluidos íntimos do que com qualquer outra coisa.

[Ouça um excerto da banda sonora:]

Percebemos desde muito cedo que, apesar da tentativa de Claire Denis de fazer um filme de ficção científica a fugir ao convencional (o minimalismo da história, o desinteresse pela credibilidade científica, pelo exibicionismo tecnológico, pelos efeitos digitais e por tudo o que seja conflito origine acção e “suspense”, e o ênfase posto nas relações e tensões humanas, bem como no “inner space”, por oposição à vastidão do espaço sideral), tudo o que vai suceder ao longo de “High Life” é, salvo um pormenor ou outro, tão previsível como se estivéssemos na mais preguiçosa série B do género. Culminando no “cliché” do final aberto e ambíguo, do tipo “rumo ao infinito desconhecido”. A verdade é que a realizadora está interessada no género apenas pelo enquadramento inusitado que ele fornece para a interacção das suas personagens.

A presença de Juliette Binoche não faz qualquer tipo de diferença,o restante elenco é simplesmente indistinto e Robert Pattinson, a braços com uma personagem unidimensional. está quase sempre em ponto morto neste filme letárgico, presunçoso, absurdo e “artsy” (a banda sonora narcoléptica dos Tindersticks também não ajuda), que depressa mergulha no buraco negro do desinteresse, perdendo-se por lá sem deixar inquietações nem recordações.