Quem entrar nas novas instalações da Fabamaq, no Campo Alegre, poderá pensar que os colaboradores estão a jogar cartas no computador em vez de trabalharem, mas não. Aqui, os jogos não são mera diversão ou um escape à concentração, mas sim o centro de tudo o que se faz dentro de portas. Desenvolver softwares de jogos para casinos é a principal área de negócio desta startup com nove anos de vida. Entre os três pisos do edifício, inaugurado em janeiro, encontramos Sebastião Oliveira, responsável pelo departamento criativo e colaborador da empresa desde o primeiro dia. “Estudei cinema na Covilhã, onde desenvolvi muito a parte de motion graphic, animação 2D e efeitos especiais. Juntei-me à equipa para fazer a ponte entre aquilo que era a programação e a parte mais artística e visual”, explica em entrevista ao Observador.

Na Fabamaq, criam-se jogos tradicionais em máquinas, os chamados land-based, e jogos online para casinos, sendo o bingo eletrónico ou o vídeo bingo a principal especialidade. O processo começa numa equipa responsável pela análise de produto, que visita feiras em Las Vegas, Inglaterra ou Macau e pesquisa o mercado, identificando as principais necessidades e tendências. Depois de planear o jogo que vão fazer, segue-se o desenvolvimento da parte técnica, com direito a vários protótipos e maquetes. Entra depois em cena o departamento artístico, que compõe a imagem e o som, e passa tudo finalmente à fase de testes e controlo.

“Os testes são uma fase muito importante, à qual damos bastante atenção, pois é isso que dá credibilidade aos nossos jogos. Se uma máquina encravar numa sala pode afetar a imagem do produto e depois esse sentimento é contagiado”, esclarece Sebastião Oliveira. O ideal era este processo durar apenas uma semana, mas há ciclos de lançamentos que podem demorar seis meses.

Sebastião Oliveira, responsável pelo design dos jogos desenvolvidos pela Fabamaq (Foto: Ricardo Castelo)

Na área criativa, Sebastião dedica-se a desenhar o jogo de forma mais apelativa possível, trabalhando várias tecnologias. O que tem de ter um bom jogo? “Envolvência e atenção ao detalhe.” Segundo o especialista, o seu trabalho é intuitivo e são vários os sentimentos que devem ser transmitidos num jogo.

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“Estamos numa indústria em que as pessoas não vão jogar os nossos jogos apenas pelo divertimento, mas têm como objetivo principal ganhar dinheiro, ora isto provoca emoções fortes nas pessoas, há um sentimento de risco, uma esperança, existe um perigo inerente e um sentido de sorte e de dúvida.”

As decisões passam por usar uma imagem estática ou um conteúdo animado, escolha de sons ou cores, e tudo depende do tema escolhido para cada jogo, cujo processo de construção varia consoante os objetivos a cumprir. “Toda a indústria de jogo vive muito à volta de temas que são criados para atrair jogadores. Normalmente os jogos são de interação simples e os temas servem para cativar ainda mais as pessoas. Há um bingo no gelo e outro no Egito, por exemplo. Os cenários de cada tema servem como base para a paleta de cores, para o lettering ou para figurar os bónus.”

A Fabamaq desenvolve o software do jogo, mas as máquinas são produzidas na Filipinas, por isso é necessário acompanhar todo o processo para tentar visualizar a forma como as criações são adaptados a cada máquina. “O objetivo é que o cliente tenha a experiência mais imersiva possível. A máquina e o jogo fazem parte do mesmo conjunto, a interação que existe entre os dois é essencial”, sublinha Sebastião Oliveira, acrescentando que a máquina condiciona e potencia cada jogo criado.

Obu Studios: o novo segmento de jogos online

Além dos jogos mais tradicionais em máquinas, a empresa aventurou-se em 2012 no mercado de jogos online para casinos, mas sentiu a necessidade de ter uma equipa inteiramente dedicada a essa função. Foi assim que, no ano passado, a Fabamaq criou a Obu Studios, uma unidade exclusivamente dedicada ao mundo virtual. “Sentíamos que não estávamos 100% dedicados a essa área e era uma área de crescimento, que podíamos apostar mais”, explica Alexandre Gonçalves, responsável pelo departamento técnico da startup, acrescentado que, apesar de a Fabamaq já desenvolver jogos online, “precisava de dar esse passo”, uma vez que o mercado tradicional já estava “estabelecido”.

Alexandre Gonçalves, diretor do departamento técnico da startup (Foto: Ricardo Castelo)

A Obu Studios fica instalada na antiga morada da empresa, na Boavista, e conta com cerca de 20 colaboradores que trabalham de uma forma “mais livre” numa área onde o produto é definido de raiz e não há intermediários. Se na parte artística não há muitas mudanças, o mesmo não se pode dizer da componente mais técnica. “A tecnologia muda muito nos jogos online, o que fazemos é manter o conteúdo que estamos a desenvolver nas máquinas e, de certa forma, aproveitá-lo e adaptá-lo para outros dispositivos”, afirma Sebastião Oliveira.

Entre bingo, slots, jogos de cartas e roletas, no universo online “existe muito mais variedade”. “Quase como acontece com os modelos de carros, temos sempre quatro ou cinco referências que vamos trabalhando e aperfeiçoando sempre”, afirma Alexandre Gonçalves em entrevista ao Observador, acrescentando que a Fabamaq lança jogos novos duas a três vezes por ano. Tal como Sebastião, Alexandre Gonçalves está na Fabamaq desde o início e ainda se lembra do primeiro jogo comercializado. “Era um jogo de bingo com a temática Inka e foi distribuído para o México. Não era um jogo muito evoluído, não tínhamos know-how [conhecimento] suficiente.”

Uma cultura, um jogo

Filipinas, México, Espanha e, mais recentemente, Irlanda são os principais mercados da Fabamaq, sendo o Grupo Solverde o único destinatário português dos jogos online desenvolvidos pela empresa. Para cada destino são feitas adaptações aos jogos criados, pois cada cultura exige uma atenção e uma sensibilidade diferente. “Já fizemos vídeo bingo em chinês, em feiras, para aliciar outros mercados e não é o tipo de jogo que seja interessante a não ser para culturas católicas. As Filipinas, nesse ponto de vista, encaixam muito bem porque têm essa ligação católica e são um país asiático. Normalmente, as culturas asiáticas estão abertas a este tipo de jogos e tecnologia”, explica Sebastião Oliveira.

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As questões culturais dos vários mercados tornam-se “um verdadeiro desafio”.

“Uma coisa que pode ser percecionada como positivo num sítio e pode não ser tão positivo noutro. Por exemplo, criámos um jogo que tinha como tema a cultura Maia em que envolvia pirâmides, chuva de moedas e uma reverência com a mão. Ora o público mexicano tem descendência dessa cultura olharam para aquilo como um insulto, tivemos que mudar tudo. Em Espanha, o mesmo jogo nunca foi algo negativo.”

A aposta da Fabamaq no último ano tem sido nos jogos das slot machines, estando previsto lançar várias linhas novas. “É nesta área que temos mais desafios, a produção é muito mais exigente e a concorrência também muito maior”, destaca Sebastião Oliveira. Para o responsável criativo, a empresa está a tentar fazer face aos gigantes internacionais. “Estamos a tentar que numa empresa com 160 pessoas, que não é assim tanto grande dentro de uma indústria de jogo, possa comercializar jogos com gigantes americanas que têm cinco, seis ou sete vezes a nossa capacidade produtiva”, conclui.

Em maio deste ano, a tecnológica trocou o escritório que tinha arrendado na avenida da Boavista, no Porto, por umas novas instalações com morada na zona do Campo Alegre. O investimento no novo espaço, de 3.600 metros quadrados, foi de 4,3 milhões de euros. Sem revelar valores, a empresa diz apenas que a faturação cresceu 43% entre 2017 e 2018.