O antigo Presidente da República do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, diz que Sérgio Moro, atual ministro da Justiça brasileiro, é “um bom juiz”, mas precisa de mais para ser um bom governante.

“Eu conheço pouco Moro, vi-o algumas vezes, mas ele é juiz, eu acho que correto, procura ser, agora ministro é outra coisa. É preciso uma vivência política”, afirmou Fernando Henrique Cardoso em entrevista à Lusa em Lisboa, onde se deslocou esta semana para participar numa conferência sobre droga.

Sérgio Moro “tem um sentido histórico importante. Pela primeira vez, gente rica e poderosa no Brasil foi para a cadeia, em grande número. E não foi só ele [o responsável por isso], mas a Justiça. E ele simboliza isso”.

Por isso, “mexer com Moro, mexe ao mesmo tempo nessas questões”, alertou.

Considerando que Sérgio Moro tem popularidade, além de respeito como juiz, Fernando Henrique Cardoso salientou porém que essa fama “não quer dizer respeito”.

“Ele era um homem muito respeitado nas suas decisões como juiz, e o que é que estão tentando agora? Quebrar o respeito a ele. Dizendo olha ele fez isto, porque queria aquilo”, afirmou.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que está acontecendo é “uma tentativa de diminuir a respeitabilidade do Moro”, frisou.

Para Fernando Henrique Cardoso, o pacote anticrime que o ministro da Justiça apresentou até tem “algumas medidas que são importantes e devem ser aprovadas”, como as que visam equipar melhor os sistemas de informação, porque, no Brasil, “há uma deficiência grande na repressão ao crime organizado por falta de conhecimento, de entender melhor como funciona” o crime organizado.

Porém, diz Henrique Cardoso, faltam-lhe algumas medidas mais dirigidas ao combate à violência.

“O ministro tem a experiência de juiz e de combate à corrupção. É importante, mas não é tudo. A violência no dia a dia no Brasil é muito grande. São precisas medidas mais diretas, que afetem a violência”, disse o ex-Presidente.

Jair Bolsonaro, em parte, elegeu-se em função da sua posição face ao crime organizado, salientou.

Mas “Moro não tem familiaridade com a vida política. Então uma coisa é você mandar para o Congresso um pacote de medidas outra coisa é fazer aprovar. E aí exige uma capacidade maior de negociação”, salientou.

Henrique Cardoso lembra que antes de ser ministro da finanças foi senador e líder partidário, o que o ajudou nos confrontos parlamentares.

Fernando Henrique Cardoso foi citado em mensagens de Moro, divulgadas pelo jornal Intercept, mas o ex-Presidente minimizou o assunto.
“No meu caso não existe uma acusação efetiva de desvio de conduta. E nunca houve nenhum processo em função disso. Mandaram lá não sei para que instância e eu nem tomei conhecimento. Eu tenho a seguinte posição: Durmo à noite. E isso é o mais importante para quem foi presidente, ministro, senador”, respondeu.

O Intecept revelou na semana passada que o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, terá procurado descredibilizar as investigações sobre o ex-Presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso por não querer “melindrar alguém cujo apoio é importante”.

Sobre a possibilidade desta divulgação de mensagens poder levantar suspeitas sobre si, Fernando Henrique Cardoso respondeu: “suspeitas têm de ter alguma base. No meu caso não tem.”

“Alguém, em algum momento, terá dito que era preciso investigar se eu teria feito alguma coisa, e o Moro terá dito, olha, cuidado”, foi isto que aconteceu, na sua opinião.

Quanto às mensagens, Henrique Cardoso diz que não viu qualquer ato errado de Moro, minimizando: “O político é responsável não pelo que faz mas pela consequência dos seus atos”.

Em entrevista à Lusa Fernando Henrique Cardoso fala ainda do governo de Bolsonaro que, considera, não conseguiu restabelecer a confiança na economia brasileira.

“A economia do Brasil está estagnada desde o segundo mandato de Dilma”

O antigo Presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso considerou que a economia do Brasil está “estagnada” por erros políticos e o atual governo ainda “não conseguiu restabelecer a confiança” necessária para o país avançar.

“A nossa economia está estagnada, não está crescendo, está andando para trás há alguns anos, designadamente desde o segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff”, afirmou Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à Lusa em Lisboa, onde se deslocou esta semana para participar numa conferência internacional sobre droga.

“A taxa de desemprego é muito elevada. É por volta de 12 a 13% da população ativa”, afirmou, considerando que o país vive “uma situação difícil, que requer medidas para restabelecer o crescimento”.

O sociólogo propõe mudanças estruturais: No Brasil, “o modelo de utilização de recursos gerados pela economia é um modelo desigual, muito desigual. Então ao mesmo tempo têm de se tomar medidas que aliviem esta desigualdade”.

Por isso, é preciso investir no bem-estar das pessoas, na saúde, educação e também na segurança pública, considerou.

O ex-Presidente, cujo mandato ficou marcado pelas privatizações e a consolidação do Plano Real para a estabilização da moeda brasileira, apontou o dedo aos erros políticos e à conjunta internacional como os principais motivos para a crise sistémica

O Brasil tem uma economia alicerçada na agricultura e exploração de minérios. “Ora nós não controlamos o preço nem de um nem de outro [setor], são commodities, que quem controla é o mercado internacional”, afirmou.

No seu entender, o país “é, talvez, o país mais industrializado da América Latina, mas talvez nós não tenhamos os elos com a inovação necessários e o mundo moderno inova muito”, disse, dando o exemplo daquilo que classificou como a “revolução da inteligência artificial” ligada à indústria, em que o “Brasil está um pouco à margem desse processo”.

A crise das finanças públicas está a provocar um aumento da dívida pública: “o endividamento é crescente e o governo gasta mais do que recolhe. E recolhe menos porque a economia não cresce, mas sobretudo porque as reformas não foram feitas, especialmente as da previdência social e a tributária”.

“Então, não são problemas só de conjuntura, mas há problemas de orientação” interna que contribuem para a crise, considerou.

“No Brasil o que mais falta neste momento é estratégia, para onde é que nós vamos. Dá impressão que estamos fazendo uma transição, mas não se sabe para que lado vai, o que é que vai ser a alavanca que vai restabelecer a confiança”, disse à Lusa Fernando Henrique Cardoso.

Na sua opinião, “os grandes erros começaram no Governo de Dilma Rousseff, em que se instalou a ideia de que se pode consumir sem produzir”, mas o “governo atual não conseguiu restabelecer essa confiança. E esse é o problema mais sério que existe no momento”

“Sem confianças não há investimento e sem investimento não há emprego, não há renda que aumente. E essa é a questão central”, avisou o ex-chefe de Estado, que admitiu que essa falta de confiança se reflete também na capacidade de atração de investimento estrangeiro, nomeadamente português.

“Acho que o Brasil é um mercado importante, vai ser importante. Somos 210 milhões de pessoas. Isso é muita coisa e já temos uma grande capacidade de compra. E quanto mais puderem investir melhor para elas e para o Brasil”, afirmou o sociólogo e político brasileiro, agora com 88 anos.

“Tem de haver confiança no mercado e no Governo. Eu acho que o governo atual não inspira essa confiança. Mas o Brasil inspira. o Brasil tem condições económicas de crescer. Não são todos os países que tem”, acrescentou.

O antigo presidente, que cumpriu dois mandatos à frente do Brasil, numa altura em que várias empresas portuguesas, entre elas algumas das maiores da altura, como a EDP e a PT, investiram naquele país, muitas sem sucesso, considera que “olhando a situação, o Brasil tem um mercado tão grande que há várias possibilidades”.

Por isso, reforçou: “Apesar destes ziguezagues, eu confio no país”. Já “no Governo tenho mais dúvidas”.

“Portugal e o Brasil não estão num momento de grande proximidade”

Sobre Portugal, Fernando Henrique Cardoso recordou que teve sempre relações de amizade com os políticos portugueses, à semelhança do seu sucessor no Planalto, Lula da Silva. “Isso facilitava bastante o relacionamento”, afirmou.

“Já a presidente Dilma [Rousseff, que sucedeu a Lula da Silva] era menos afeita e o presidente Bolsonaro dá a impressão de não ser também desse jeito”, considerou. “Acho que não estamos num momento de grande proximidade” entre os dois países, concluiu.

O antigo Presidente do Brasil defendeu que é “importante” o seu país manter-se na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas acha que o atual Governo brasileiro não vê interesse na organização.

“Como atitude, é bom que o Brasil se mantenha na CPLP. Economicamente não, mas culturalmente é importante. Mas os brasileiros muitas vezes não sabem disso”, afirmou Fernando Henrique Cardoso em entrevista à Lusa em Lisboa.

Porém, o ex-Presidente não vê que a organização “tenha interesse” para o atual governo brasileiro, liderado por Jair Bolsonaro.

“O governo de Bolsonaro não demonstrou até agora, na política externa, outros interesses que não sejam com os Estados Unidos. Com o mundo ocidental cristão”. Ora, sendo o maior cliente do Brasil a China, “esse é um problema objetivo”, afirmou.

Para o antigo Presidente, o seu país “não pode tomar uma posição antecipadamente a favor de um dos lados (…). Temos é que ver qual é o nosso interesse nacional. Mas, neste momento o Brasil está “um pouco paralisado por uma luta ideológica, que não tem nada a ver com o interesse real das pessoas do Brasil”, referiu.

“Eles inventaram um fantasma: um mundo antiocidental, anticristão”, afirmou, referindo-se ao atual executivo brasileiro.

Ainda em relação à CPLP aponta que o Brasil tem interesse direto em alguns países de África: “Na CPLP o que contava mais para nós era Angola e um pouco de Moçambique”, em termos económicos.

Mas esse interesse diminuiu, também graças à Lava Jato, considerou Henrique Cardoso, a mega operação de investigação anticorrupção levada a cabo no Brasil, que conduziu muitas das figuras do mundo empresarial e político do Brasil à prisão nos últimos anos.

“Empresas brasileiras que se multinacionalizaram sofreram com o processo da Lava Jato. Esse foi também um erro da Lava Jato, porque não responsabilizaram só os empresários, acabaram com as empresas, e isso é ruim para o país. Nós perdemos instrumentos de ação empresarial”, afirmou Henrique Cardoso.