A Order of the British Empire, a Chevalier de la Légion d’Honneur (a mais prestigiada distinção francesa), a George Cross (a segunda mais importante do Reino Unido) e mais outras cinco medalhas. Este é o palmarés de Odette Sanson, uma espia estafeta que respondia pelo nome de código “LISE” e que também uma das militares mais condecoradas da Segunda Guerra Mundial, segundo a revista Time.

A obra “Code Name: LISE —The True Story of the Woman Who Became WWII’s Most Highly Decorated Spy” , que contou a história de Odette Sanson, passa despercebida na historiografia sobre a sangrenta guerra que marcou para sempre a história da Humanidade mas a verdade é que Odette é uma das suas maiores heroínas. Afinal, as mulheres estafeta que operavam na França ocupada tinham a segunda maior taxa de mortalidade das forças dos Aliados, cerca de 42%, só superada pelos 45% dos comandantes de bombardeiros.

Odette era uma estafeta do Special Operations Executive (SOE), os serviços secretos britânicos a quem o então primeiro-ministro Winston Churchill pedia que “incendiassem a Europa” através de ações de sabotagem atrás das linhas inimigas. Era casada, tinha três filhos, não bebia, não fumava e não dizia palavrões. Para toda a gente era só mais uma, uma mulher normal, quiçá até aborrecida, conta a revista Time.

A realidade, contudo, era outra. Era uma assassina altamente treinada que não temia situações de perigo, interrogações ou tortura. Não pensava duas vezes quando tinha de confrontar generais ou comandantes alemães e muitas vezes colocava os seus princípios à frente da prudência. À semelhança de outros colegas do SOE, ela inscreveu-se na Guerra”, sabendo que ser presa ou executada era hipótese muito real — um destino que batia à porta de um em cada dois estafetas da Secção F, os sabotadores a operar em França. 

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Normalmente, os circuitos SOE eram compostos por três agentes: o líder de circuito, o estafeta e o operador de radio. Estes três ficavam encarregados de recrutar, armar e trabalhar com guerrilheiros da Resistência Francesa que teriam de sabotar barcos, comboios, pontes e paióis de mantimentos alemães. Em alguns casos até levavam a cabo ataques de guerrilha cirúrgicos, quase ao jeito do blitzkrieg nazi. Tudo tarefas que, para serem cumpridas, precisavam da ajuda dos estafetas, os responsáveis por entregar informações, dinheiro, armas ou qualquer outro tipo de equipamento que fosse necessário para levar a cabo as missões. Faziam isto diariamente.

O perigo espreitava em todo o lado: dos soldados da Wehrmachtà polícia de Vichy, passando pela Abwehr (os serviços secretos alemães) e a Gestapo. Ser apanhado com um rádio sem fios — algo que estes agentes tinham de transportar com frequência — era um crime capital e, como qualquer espião sabia, a Gestapo só precisava de converter um agente em infiltrado para corromper todo o circuito de informações secretas. O sargento Hugo Bleicher fez isso mesmo.

Agindo sozinho e sem misericórdia, este alemão prendeu mais de uma centena de agentes dos Aliados, incluindo Roman Garby-Czerniawski, outro famoso espião ao serviço dos britânicos. Algures no outono de 1941, a Abwehr confiou-lhe a missão de caçar os espiões que operavam no sul de França, o terreno de Odette e do seu circuito de espionagem, o tal SPINDLE.

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Bleicher acabou por conseguir capturar Odette e o seu oficial superior, Peter Churchill (zero ligação a Winston Churchill) no dia 16 de abril de 1942. Foram enviados para a prisão de Fresnes, em Paris e pouco tempo depois foram levados para o número 84 da Avenue Foch, a sede francesa da Gestapo. Enquanto Peter seguia os protocolos da SOE à risca, fazendo-se passar por tolo e negando sempre que era, na verdade, um agente britânico. Já Odette fez exatamente o contrário: disse aos alemães que era a líder do circuito de espionagem, não Peter, que era um mero pião em todo esse cenário.

Ao ouvir isto, a Gestapo ficou fora de si. Interrogaram-na ininterruptamente para pressioná-la a revelar o paradeiro do operador de rádio e o esconderijo da SPINDLE. Odette recusou-se a revelar fosse o que fosse e com isso salvou a vida de imensos colegas, sobrevivendo à tortura e à fome sem nunca quebrar, utilizando sempre a mesma frase como resposta: “Não tenho nada a dizer”.

Quando a Gestapo percebeu que ela nunca falaria, condenaram-na à morte e enviaram-na para o lugar que todas as mulheres na Europa mais temiam, na altura:Ravensbrück, uma mistura de campo de concentração com prisão conhecido como “o Bunker”.  

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Durante três meses e oito dias foi enlouquecendo numa pequena cela, deixada à fome e ao frio, tendo apenas cinco minutos de luz por dia — a única altura em que não estava em escuridão total. Em pouco tempo, ficou com o corpo coberto de feridas, apanhou escorbuto e desinteria. O seu cabelo começou a cair, os dentes também até que acabou por entrar num estado semi-comatoso — ao saber disto, o médico do campo deu-lhe uma injeção e enfiou-a na sua cela novamente. Apesar de tudo isto, miraculosamente sobreviveu à guerra, ao contrário de muitos outros colegas seus da SOE.

Quando morreu em 1995, Odette vivia com o terceiro marido e tinha 82 anos. No dia 23 de fevereiro de 2012, quase 70 anos depois de se ter alistado no SOE, o Royal Mail lançou um selo comemorativo em sua honra, como parte da coleção que distingue britânicos ilustres. As suas medalhas podem ser vistas numa vitrine especial do Imperial War Museum.