Os pais votaram contra e os alunos abstiveram-se. Mas os votos a favor dos professores e da direção da escola foram decisivos. No final do último Conselho Escolar, tudo ficou na mesma no Instituto Espanhol Giner de Los Rios, em Algés. No próximo ano letivo, os horários dos alunos continuarão a ser de jornada contínua, com apenas uma alteração: o maior intervalo dos estudantes de secundário (7.º ao 10.º ano) e de bachillerato (11.º e 12.º ano) ganha mais 10 minutos, passando a totalizar 40, para que os jovens possam almoçar.

Logo no início do ano letivo, que terminou em junho, uma nuvem negra instalou-se sobre o Instituto Espanhol, como o Observador noticiou então em primeira mão. Os pais foram confrontados com uma mudança de horário a poucos dias do início das aulas: para os alunos a partir dos 11 anos, os horários passavam a ser de jornada contínua — habitual em Espanha –, com entrada às 8h20 e saída às 15h15. Pelo meio, desaparecia a hora de almoço e apenas estavam contemplados dois intervalos de 15 minutos. Os pais queixavam-se de que a maioria dos jovens só almoçava às 16h00, hora a que chegavam a casa. A direção da escola acabaria por ceder aos pais já depois do final do 1.º período e em fevereiro criou um intervalo para almoço de meia hora, às 14h00, para o secundário.

Com a aprovação da nova proposta, os alunos do ESO (ensino secundário obrigatório) e do de bachillerato ficam com dois intervalos, um de 25 minutos, o outro de 40, exceto às sextas-feiras em que a pausa para almoço é de 30 minutos. Todos entram às 8h20 e terminam às 15h30.

Durante todo o ano letivo, a imposição do novo horário tornou-se motivo de conflito no interior da escola pública espanhola, que tem licença para lecionar em Portugal, mas que é tutelada pelo Ministério de Educação espanhol. No início do ano, foi dito aos pais — e repetido ao Observador pelo diretor da escola, Jose Ignacio Ruiz —, que os horários eram de caráter experimental e que no final do ano letivo seria feita a sua avaliação e todas as alterações consideradas necessárias.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Este horário não é definitivo, é experimental”, disse, na altura o diretor do Instituto Espanhol. “A maioria dos alunos está a favor do horário e nas horas do recreio podem comer. Mas se querem sair mais cedo da escola e nós não podemos tirar aulas não há muito a fazer. O horário pode ser melhorado, claro, e como já disse é experimental e não definitivo.”

O Observador tentou chegar à fala com Jose Ignacio Ruiz por diversas vezes, mas o diretor da escola não se mostrou disponível. Já a AMPA — Asociación de Madres y Padres de Alumnos — considerou ser prematuro fazer declarações sobre a jornada contínua, por considerar que o assunto ainda não está fechado.

Instituto espanhol. Jornada contínua de 7 horas deixa crianças a almoçar às 16h00

O representante dos pais no Conselho Escolar, Javier Olivares, confirmou o sucedido no encontro de 17 de junho, lembrando um pormenor: professores e direção são uma frente unida neste assunto, têm maior número de representantes, e os pais e os alunos nunca conseguiriam ter maioria de votos. “É um jogo que está viciado à partida”, disse.

O resultado final da votação, que dá luz verde à jornada contínua por mais um ano, teve 11 votos a favor (3 da direção, 7 dos professores e 1 do pessoal de administração e serviços). Contra votaram os dois pais presentes, Javier Olivares e o encarregado de educação da AMPA, enquanto os dois representantes dos alunos se abstiveram. À votação faltaram um representante dos pais e dois dos alunos.

Os motivos para não aprovar não foram os mesmos. As alunas presentes disseram que não tinham interesse em ter mais 10 minutos no intervalo grande, porque os estudantes preferem sair mais cedo, claro, e por isso abstiveram-se. Nós, pais, estamos contra este novo horário que, no fundo, é quase o mesmo do ano passado”, sublinha Javier Olivares.

O novo horário ainda terá de ser enviado à Consejería de Educación em Lisboa — órgão que representa o Ministério da Educação espanhol no estrangeiro — que, caso o aprove, encaminha para Espanha para aprovação definitiva.

Pais foram ouvidos “de forma duvidosa”

Javier Olivares, assim como outros pais de alunos que falaram com o Observador sob anonimato, queixam-se de que os pais não foram tidos nem achados nesta questão. No início do ano letivo foi-lhe prometido que o horário seria avaliado, mas no Conselho Escolar de 17 de junho tudo o que lhes foi apresentado foi um estudo feito pelos professores, a classe que em Espanha se bateu pela jornada contínua.

“Apresentaram-nos os estudos feitos pelos professores e, claro, diziam que tudo era maravilhoso. Pedimos uma cópia, mas não nos foi dada. Depois, diziam coisas paradoxais como esta: como os alunos do pré-escolar e da primária têm menos tempo de descanso, ou seja, de recreio, chegam menos cansados às aulas. Também apontaram números da enfermaria, que mostraram como se fosse um grande êxito: na Infantil houve uma redução de 8% dos incidentes e na Primária de 19,5%. Se reduziram o tempo do recreio em 50% só podiam ter diminuído os acidentes, mas na verdade até é pouco. Com um corte de recreio tão grande, os acidentes e conflitos deviam ter caído para metade”, argumenta Javier Olivares.

Quanto à opinião dos pais, em maio, a escola organizou uma consulta que, tal como o horário sem almoço, foi polémica e feira “de forma duvidosa”.

“Em primeiro lugar, só era permitido um voto por família, independentemente do número de filhos que andassem na escola. Depois, só votava o pai ou a mãe, mesmo que tivessem opiniões diferentes e fossem, por exemplo, divorciados. O pior de tudo foi a forma como a consulta foi organizada. Os votos foram enviados para casa dentro das mochilas dos alunos, alguns deles com 3 ou 4 anos”, detalha o representante dos pais.

Recuo no Instituto Espanhol. Hora de almoço passa a ser às 14h00 e durante 30 minutos

Para validar o voto, que voltava à escola da mesma maneira, através da criança, não era necessário apresentar um documento de identificação. “Os votos passavam por uma série de mãos antes de chegar às urnas. Estava aberta a possibilidade para todo o tipo de fraude, em qualquer momento do processo, porque não havia custódia na cadeia de voto. Havia alunos a vangloriarem-se nos recreios de que tinham votado pelos pais.”

Por tudo isto, os pais, diz Javier Olivares, não reconhecem validade na consulta. “No total, 20% dos votos dos pais foram invalidados. Detetámos muitas irregularidades e suspeitamos que houve abusos. Nas eleições que me elegeram, houve 0,5% de votos inválido. Agora houve 90 pais que votaram nulo? Não faz sentido. Enviámos reclamações para Espanha, mas até agora não obtivemos resposta”, conta.

Na consulta aos encarregados de educação, os resultados finais deram vitória ao horário de jornada contínua por 191 votos contra 161.

Pelo caminho, há cada vez mais pais que estão a retirar os filhos da escola onde estudam cerca de mil alunos, oriundos de quinhentas famílias, conta Javier Olivares, mas sem precisar números. “É impossível ter ideia da quantidade de pais que retirou os filhos do colégio. Mas serão muitos. Só eu conheço sete ou oito.”

Uma versão “parcial e incompleta”

Apesar de não ter conseguido chegar à fala com o diretor, o Observador teve acesso ao documento enviado aos pais pelo secretário do instituto, Rafael Solla Nieves, responsável pelas atas do Conselho Escolar. Para começar, acusa a AMPA de transmitir uma versão “parcial e incompleta” do que se passou na reunião.

Rafael Solla Nieves refere-se a um documento enviado pela associação de mães e pais no seguimento do encontro, a que o Observador teve acesso, e onde a AMPA relata uma versão em tudo semelhante à de Javier Olivares.

“Depois de verificar que o comunicado [da AMPA] resume a sessão de forma parcial e incompleta, vejo-me obrigado a dirigir-me a vós para que tenham um conhecimento correto do que aconteceu na sessão mencionada”, lê-se na missiva.

Sobre os estudos apresentados, o secretário do Conselho Escolar lembra que a AMPA afirmou ser “fundamental que se consiga avaliar os resultados obtidos com base em critérios científicos e pedagógicos”, e caracterizou o estudo feito como “uma valorização meramente subjetiva, fundamentada na sensibilidade dos professores”. A esta acusação Rafael Solla Nieves responde que os relatórios foram “baseados em observações sistemáticas e objetivas feitas pelo corpo docente com critérios pedagógicos, como o desempenho dos alunos nas últimas horas, o clima de convivência em sala de aula, a manutenção da atenção por parte dos alunos, os sinais de fadiga, incidentes, etc.”

Quanto à falta de disponibilidade para entregar uma cópia do estudo, o argumento da direção, exposto no email aos pais, é de que não foi considerado “apropriado entregar um documento de avaliação dos professores à associação de pais”.

A carta termina lembrando que os alunos votaram contra por não querem o aumento de 10 minutos no intervalo grande e rejeita a acusação de que os pais não tenham sido ouvidos, concluindo que “como toda a comunidade sabe, se realizou uma consulta para conhecer a opinião das famílias sobre o horário.”

No comunicado enviado aos pais, a AMPA afirma não haver “unanimidade dos associados sobre se o melhor horário é o que vigorou durante muitíssimos anos no IEL ou se é o horário deste ano (após as alterações que foram efetuadas em fevereiro de 2019)”, mas insiste ser necessário “avaliar e comparar os resultados obtidos, com base em critérios científicos e pedagógicos, neste ano e nos anos anteriores”.

Para a maioria dos pais descontentes, o ideal seria que a criação de uma hora inteira de almoço e cinco minutos de recreio por cada 50 minutos de aula, uma ideia que tem sido rejeitada tanto pela direção como pelos alunos, que preferem ter um horário que lhes permita sair mais cedo da escola.