“Joguei muitos clássicos: o Real Madrid-Barcelona, o Nacional-Peñarol, o Hamburgo-Werder Bremen. Mas não há nada como um Brasil”, disse um dia Zé Roberto. “No final, o futebol é rivalidade. E não há nenhuma rivalidade como o Argentina-Brasil”, comentou Ayala. “Ganhar é bonito, ganhar à Argentina é ainda mais bonito”, salientou Dunga. A lista poderia ser a soma de muitos mais nomes e a multiplicação de muitas mais frases; a ideia, essa, seria sempre a mesma: por muitos dérbis ou clássicos que cabem no futebol, existe um espaço especial reservado para qualquer confronto entre os grandes rivais sul-americanos. Cada um com a sua história. Cada um com a sua particularidade. Cada um com uma particularidade capaz de entrar na história.

Este não foi exceção. Até porque, ao contrário do que se passou noutras ocasiões, Brasil e Argentina não queriam criar fantasmas na equipa adversária mas sim combater os seus próprios fantasmas. Em paralelo, este era um Brasil que se destacava pela força coletiva à procura de um protagonista individual que desse outro brilho a um conjunto de Tite que se tornou quase intransponível em termos defensivos e esta era uma Argentina que procurava ser mais do que um conjunto de jogadores de primeira linha para se transformar num conjunto de topo. E foi isso que desbloqueou a meia-final da Copa América.

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À partida, o conjunto anfitrião tinha como primeiro embate psicológico o regresso ao Estádio Governador Magalhães Pinto, mais conhecido por Mineirão, onde sofreu talvez a maior derrota de sempre na meia-final do Campeonato do Mundo com a Alemanha em 2014 (7-1), mas contava com um histórico recente amplamente superior ao rival sul-americano: desde 2004 que a Argentina não ganhava ao Brasil em jogos oficiais (dois empates, quatro derrotas); quatro vitórias brasileiras nos últimos jogos a eliminar na Copa América, entre 1995 e 2007 (incluindo duas finais); zero títulos nos seniores para o conjunto das Pampas desde 1993. A balança era demasiado desequilibrada e assim continuou, com uma vitória da equipa sobre o conjunto de bons jogadores.

Grande figura do jogo? Gabriel Jesus. O mesmo que sofreu uma entrada fortíssima de Leandro Paredes logo aos 7′ que nem chegou a ser considerada como falta. O mesmo que voltou a cair no chão numa falta mais dura que valeu o primeiro amarelo do jogo ao lateral Tagliafico (8′). O mesmo que caiu de novo num lance encostado à linha lateral em que sofreu um primeiro toque de Lautaro Martínez e foi carregado de seguida por Acuña (10′). O avançado do Manchester City andou a ser virado quase de minuto a minuto no quarto de hora inicial e teve mesmo de receber assistência por causa de uma ferida na perna mas foi ele que virou a história do jogo com um golo na primeira parte (19′) e uma assistência na segunda (71′) que deram o triunfo por 2-0 ao conjunto de Tite.

Antes e depois, a Argentina que repetiu um onze inicial três anos e 40 jogos depois, foi conseguindo dar réplica. Paredes, com um remate de fora da área ainda no primeiro quarto de hora a rasar a trave deixou o primeiro aviso (12′). Kun Agüero, já com o Brasil na frente após uma grande jogada coletiva a culminar com o toque de Gabriel Jesus isolado na área, acertou mesmo na barra de cabeça, na sequência de um livre lateral batido por Messi (30′). Pelo meio ainda houve mais algumas “picardias”, uma pega mais a sério entre Dani Alves e Acuña que acabou com amarelo para ambos e poucas oportunidades de golo.

No segundo tempo, e apesar de Coutinho ter desperdiçado uma chance soberana isolado na área, foi mais uma vez a equipa liderada por Scaloni a arriscar mais, a rematar mais e a enviar mesmo mais uma bola ao poste por Messi num remate de pé esquerdo na área (57′), antes do capitão argentino voltar a ter em Alisson uma barreira intransponível (defendia a baliza da Roma em 2017/18 e do Liverpool em 2018/19, nas eliminatórias em que o Barcelona caiu com estrondo na Champions) e travar um livre direto do número 10 (66′). Cinco minutos depois, o golpe final: grande arrancada de Gabriel Jesus em velocidade pela esquerda e assistência para o toque final de Firmino que fez o 2-0 e sentenciou uma partida que acabou com olés e o grito “eliminados”.

Cada clássico tem a sua história. Cada um tem a sua particularidade. Cada um tem uma particularidade capaz de entrar na história. E neste caso um Brasil com ADN diferente do que estava habituado em que fez das fraquezas da defesa a sua maior força para dar gás aos resultados conseguiu ser melhor e mais eficaz diante de uma Argentina que realizou a melhor exibição nesta Copa América mas que voltou a revelar problemas táticos que vão adiando ano após ano o regresso da formação das Pampas aos triunfos.