Nota inicial: nenhum dos acontecimentos descritos nos próximos parágrafos é uma surpresa, uma novidade ou algo inesperado. Ultrapassada esta premissa, todos os acontecimentos descritos nos próximos parágrafos são parte daquelas histórias que tornam o desporto — e, nestes casos específicos, o futebol — algo humano e não apenas mecânico. Numa altura em que os jornais, os adeptos e os clubes discutem mais números, valores e milhões do que propriamente lances, remates e golos, ainda existem histórias dignas de filmes de Hollywood ou romances de 300 páginas.

Num único dia, dois filhos perdidos regressaram a casa. Dois filhos que ganharam quase tudo o que tinham para ganhar em casa dos pais e que voltam agora para tentar conquistar os cromos que ainda faltam na caderneta. Dois casos diferentes, dois países diferentes, uma história muito semelhante: e milhões de adeptos, de um lado e de outro, que sentem que o respetivo clube recuperou alguma da alma que tinha fugido quando os filhos saíram de casa. Terminadas as metáforas, a verdade é que Frank Lampard voltou a Stamford Bridge para ser treinador do Chelsea e Gianluigi Buffon voltou à Juventus depois de um ano no PSG. O primeiro, enquanto jogador, esteve 13 anos em Londres; o segundo, até decidir mudar de ares, esteve 17 anos em Turim: quer isto dizer que há crianças que só recentemente viram o Chelsea jogar em Lampard no meio-campo e quer isto dizer que há jovens que só no último ano viram a Juventus jogar sem Buffon na baliza.

Mas vamos aos factos. Começando por Lampard, o antigo internacional inglês e antigo capitão dos blues regressa a Londres para substituir Maurizio Sarri — que, num cruzamento curioso, vai treinar Buffon na Juventus. Atualmente com 41 anos, terminou a carreira em 2016 nos Estados Unidos, ao serviço no New York City e já depois de meia temporada algo contra-natura em que alinhou no Manchester City, e estreou-se enquanto treinador apenas na época passada, ao comando do Derby County. Falhou a promoção à Premier League e terminou o ano no sexto lugar do Championship, o segundo escalão do futebol inglês, mas nada disso interessou ao Chelsea e a Roman Abramovich na hora de escolher um novo treinador. Lampard voltou porque conhece o clube, conhece os corredores, conhece os valores e conhece os objetivos: pouco importa, na ótica do clube e na ótica do magnata russo, se as provas dadas são escassas.

Após a saída de Sarri para a Juventus, chegou a falar-se na possibilidade de Zidane deixar o Real Madrid para treinar em Londres, colocou-se a hipótese de Rafa Benítez trocar o Newcastle pelo Chelsea e também o português Nuno Espírito Santo, ao comando do Wolverhampton, terá entrado na equação. Ganhou o romantismo: e pesaram as três Premier Leagues, as quatro Taças de Inglaterra, a Liga dos Campeões e a Liga Europa conquistadas pelo antigo capitão ao serviço dos blues.

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Em Itália, e ao contrário de Frank Lampard, Buffon regressa para desempenhar as mesmas funções que tinha quando deixou o clube. Saiu rumo ao PSG antes de Cristiano Ronaldo chegar e a transferência para Paris foi várias vezes interpretada como um tiro precoce — o guarda-redes de 41 anos ganhou tudo aquilo que tinha para ganhar na Juventus mas falta-lhe a Liga dos Campeões, troféu que nunca venceu e cuja conquista é o objetivo subliminar de Andrea Agnelli na operação que levou Ronaldo para Turim. Um ano depois da saída de um e da chegada de outro, a verdade é que nem Buffon ganhou a Liga dos Campeões com o PSG nem a Juventus ganhou a Liga dos Campeões com Cristiano Ronaldo. Juntos, terão como principal foco a liga milionária.

O guarda-redes italiano volta à Juventus depois de uma temporada em que fez apenas 25 jogos pelo PSG, muito pouco quando comparado com os constantes mais de 40 que fazia por época em Itália. Em França, o jovem Areola acabou por convencer Thomas Tuchel e conquistar a titularidade na baliza, deixando o veterano guardião sentado no banco, algo que não está propriamente habituado a fazer. De Paris, Buffon traz uma Liga francesa e uma Supertaça de França: um palmarés magro que não convenceu o italiano na hora de escolher uma opção de futuro.

Frank Lampard e Gianluigi Buffon voltaram a casa. Um demorou mais do que o outro, um volta para fazer algo diferente e o outro volta para fazer o mesmo. Em comum, têm o facto de não terem olhado para trás quando surgiu a hipótese de regressar e a ideia de que, mesmo longe, nunca chegaram a sair. O sucesso, esse, permanece sempre em dúvida até à hora das decisões. A entrega, por outro lado, é desde já garantida.