Os economistas ouvidos pela Lusa consideram que Portugal tem beneficiado muito das medidas de política monetária do Banco Central Europeu (BCE) e que beneficiaria da continuação da atual linha de atuação da instituição, mas advertem que também há riscos.

“Portugal tem sido um grande beneficiado das políticas monetárias que têm sido colocadas em prática por Mario Draghi, que têm sido adjetivadas como não convencionais, de muita injeção de liquidez e de taxas de juro muito baixas”, afirmou Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, em entrevista à Lusa.

Neste sentido, o também presidente do Conselho de Administração da IMF considerou que “um presidente do BCE que siga a mesma linha, naturalmente será mais interessante para Portugal, que é um país que continua a ter taxas de crescimento baixas e, ao mesmo tempo, um nível de dívida bastante elevado”.

Também Joaquim Miranda Sarmento, economista e professor de Finanças do ISEG – Lisbon School of Economics & Management, afirmou, em entrevista à Lusa, que a política seguida pelo BCE “teve benefícios muito relevantes para Portugal”.

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“Basta pensar que a redução dos juros na despesa pública representa qualquer coisa como 1,4% do PIB [Produto Interno Bruto] e os dividendos e IRC do Banco de Portugal representa mais 0,5/0,6% do PIB. Portanto, dois pontos percentuais de uma consolidação orçamental nos últimos quatro anos de três pontos percentuais mostra bem a importância que a política monetária teve”, explicou Joaquim Miranda Sarmento.

Também Pedro Lino, economista e administrador da Dif Broker e da Otimize, afirmou à Lusa que “a política do BCE tem sido positiva para Portugal”, mas sublinhou igualmente “o esforço e a política que foi seguida em Portugal nos últimos anos”, de demonstrar que podia controlar o défice orçamental.

“Se compararmos Portugal, por exemplo, com Itália, temos uma diferença muito grande nas taxas de juro e não foi o BCE que salvou a Itália ou que ajudou a reduzir tanto as taxas de juro”, indicou Pedro Lino, adiantando que a atuação da instituição “teve o seu efeito”, mas só por si não chega.

“Portugal hoje paga 0,28% a 10 anos, o que é um mínimo histórico, enquanto Itália ainda está quase nos 1,8%. Ou seja, houve um apoio do BCE, mas também houve muito esforço interno” em Portugal, indicou o economista.

Por isso, no entender de Pedro Linho, a mensagem passada pelo próprio BCE é que “os países que cumprem ou fazem algum esforço orçamental terão uma compensação adicional” por parte da instituição “e um suporte ainda mais forte”.

Há risco a médio/longo prazo para a economia nacional?

Para o futuro, Joaquim Miranda Sarmento considerou que a manutenção da atual linha de política monetária “tem benefícios de curto prazo para Portugal muito grandes, mas encerra também alguns riscos de médio/longo prazo a que é preciso ter atenção”.

O economista recordou a política monetária “muito expansionista” dos últimos anos e “completamente atípica” em relação a tudo aquilo a que se estava habituado no espaço europeu, antecipando que é “muito difícil de prever o que pode acontecer”.

“Nunca tínhamos estado numa situação dentro do espaço europeu de taxas de juro próximas de zero e em muitos casos até negativas e, por outro lado, de um excesso de liquidez nos mercados muito grande e uma procura por rentabilidades em aplicações com algum nível de risco”, disse o professor do ISEG, alertando que esta situação “obviamente tem perigos e o excesso de liquidez pode conduzir a economia novamente a uma recessão”.

Também para Filipe Garcia, “o facto de a economia europeia estar tão habituada a muita liquidez e a taxas de juro muito baixas faz com que alterações da política monetária possam ter impactos que vão muito para lá da esfera iminentemente monetária”.

“O impacto na economia, na sociedade e até na própria integração da zona euro é enorme e as decisões do BCE acabam por ser decisivas nessa matéria”, sublinhou o economista da IMF.

Para Filipe Garcia, “o BCE ganhou um peso enorme naquilo que é a vida dos europeus”, sobretudo pelo “papel absolutamente crucial naquilo que foi a crise da dívida da zona euro”.

Na terça-feira, dia 2, os chefes de Estado e de Governo da União Europeia (UE) chegaram a acordo sobre as nomeações para os cargos institucionais de topo, designando Christine Lagarde, atual diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), para a presidência do BCE, sucedendo ao atual presidente, Mario Draghi, cujo mandato termina em 31 de outubro.