Mais de cinco mil pessoas participaram este sábado na 14.ª edição da Marcha do Orgulho LGBT+ do Porto, a maior de sempre, uma festa reivindicativa da liberdade sexual e de género que coloriu as ruas da cidade. A Praça da República começou a encher-se, a meio da tarde, de cor, música e palavras de ordem, com a marcha a seguir depois pelo viaduto Gonçalo Cristóvão, as ruas Santa Catarina e Passos Manuel, passando pela Avenida dos Aliados e terminando no Jardim da Cordoaria, onde se iniciará um Arraial.

Na linha da frente seguia uma carrinha de caixa aberta com elementos da comunidade LGBT a segurarem cartazes referentes a pessoas marcantes para a causa, como Gisberta, a transexual assassinada na cidade há 13 anos, Alcindo Monteiro, espancado até à morte por ‘skinheads’, em 1995, e a deputada brasileira Marielle Franco, assassinada o ano passado. “O grande objetivo é continuar a lutar pelos direitos de toda a gente. O lema este ano é “O Porto não se rende e o orgulho não se vende”. É sublinhar a ideia de não haver orgulho para alguns sem a libertação de todos. É reivindicar políticas de habitação, saúde e educação e também contra a crescente comercialização das lutas LGBT+”, afirmou à Lusa Fernando Pimenta, um dos organizadores.

Segundo este ativista de 24 anos, o evento foi organizado por “um conjunto de coletivos, associações e partidos com igual peso de voto”, sendo este um tema que “importa sempre” manter na esfera pública, porque é uma questão “não só de civilidade”, mas de “existência política”. “Ultimamente tem havido mais o debate do trabalho sexual, é um exemplo de questões que — doravante existirão outras — agora são tabu. Estas marchas são o momento em que se dá o passo em frente no debate destes temas”, disse.

Para o líder parlamentar do PAN, André Silva, que esteve presente, “é extremamente importante participar nestas marchas” de uma “comunidade que precisa de expressar a sua identidade, o orgulho e deixar de ter vergonha e medos por parte de uma sociedade ainda machista e patriarcal”. “Temos de afirmar perentoriamente que não há politicas de género, há direitos humanos que têm de ser cumpridos e reiterados. Quando são alcançados e inscritos na legislação têm de ser alimentados, não estão assegurados para sempre. É fundamental reafirmarmos todos os dias as conquistas que fazemos e reafirmar o orgulho destas pessoas e desta comunidade que sabem quem são e têm de ver os seus direitos reforçados”, sublinhou.

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Ainda na Praça da República, o fotógrafo e ativista Pedro Verde Pinho, de 30 anos, deambulava por entre a multidão antes de afirmar à Lusa que “esta marcha e o movimento que a compõe é um dos maiores expoentes da liberdade que existem na nossa sociedade”. “É importante manter o tema na esfera publica, até ao momento em que isto não seja tema. Em que não haja miúdos que se matem e sintam-se oprimidos por serem, de algum modo, diferentes. Sendo heterossexual, tenho noção que o chavão da masculinidade tóxica existe e é mau para nós, mesmo para quem é diferente do padrão da sociedade patriarcal”, indicou.

Nascido e criado no Porto, defendeu que não houve um “grande crescimento na sociedade civil ‘mainstream'”, mas que a sente menos “incomodada” e que, mais do que o crescimento de aceitação na cidade, “é o crescimento na faixa etária”, porque há “uma maior consciência nas camadas jovens, os que têm hipótese de mudar o mundo”. “Enquanto houver opção, isto faz sentido e tem de ser cada vez mais alto, com mais voz e mais gente. Não serei eu, enquanto não oprimido, a definir o limite. As pessoas que sentem a opressão é que definem quando isto já não é necessário, se algum dia deixar de o ser. Poderá é haver sempre a necessidade de celebrar a diferença. Uma festa a celebrar a existência humana e a nossa diversidade”, defendeu.

Rita Roldão, de 29 anos, também apareceu no local “por empatia e amizade”, para dar o apoio aos amigos e por achar “que devem lutar pelos seus direitos”, e apesar de não pertencer a nenhuma das siglas, mantém a luta “pela liberdade dos outros”. “Uma concentração com tanta gente, de tantas gerações, permite que aquela pessoa que está em casa, com uma data de conflitos interiores, se sinta apoiada. Um miúdo que se identifica com a comunidade LGBT+, numa família conservadora, ver um grande número de pessoas é importante. Pode não ter o apoio familiar e dos amigos, mas existe um grupo a que pertence e o aceita”, referiu.

A guia turística sustentou que a cidade tem tido uma “evolução muito interessante” graças ao turismo, por ter criado uma “abertura social” e uma maior empatia com a causa, que por sua vez faz com que existam menos “mentes fechadas”.

Uma opinião partilhada por Ana Afonso, ativista presente desde a primeira edição da marcha na cidade. Aos 45 anos, a também tradutora e sindicalista, assumiu que apesar do avanço dos direitos LGBT+, é necessário estar atento para que não recuem e porque “ainda há muito por conquistar para sermos todos iguais”. “Este tema não é marginal dos outros, as questões estão interligadas. Acho que não é possível termos um mundo melhor se não for feminista e anticapitalista. Se o for é pela igualdade de toda a gente e vai abraçar os direitos de todas as pessoas. Todas têm direito a um lugar igualitário no mundo”, opinou.

Recordou a primeira marcha, quando um “blogue de direita” ameaçou os participantes com “paus de marmeleiro” e foi necessário pedir proteção à polícia, mas nos anos seguintes o número de pessoas foi crescendo, assim como o comportamento social. “Nas ruas da cidade não se viam demonstrações públicas de afetos entre pessoas do mesmo sexo, não se viam pessoas a assumir a sua transexualidade na rua, mas agora vê-se muito mais. O turismo também ajudou, a cidade está mais colorida em todos os sentidos. O que é importante é que não seja comercial”, explanou.

Questionada sobre se via o futuro com esperança ou com receio, respondeu que vê com as duas objetivas. “Tempos difíceis se avizinham, temos de estar de Atalaia”, alertou.