Depois de semanas de avanços e recuos, de exclusivos e desmentidos, de diz que disse e garantias, João Félix foi confirmado como novo reforço do Atl. Madrid há menos de duas semanas. Depois do vídeo no Museu do Prado, que o colocava ao lado de obras de arte como “puro talento”, o jogador português foi apresentado esta segunda-feira no Wanda Metropolitano.

Gorada a especulação de que seria apresentado no relvado, a la Ronaldo no Real Madrid ou até Hazard também nos merengues, Félix foi apresentado no auditório, sem grandes aparatos mas com direito à presença de Paulo Futre e Adelardo Rodríguez, dois históricos do Atl. Madrid. Depois de uma cerimónia curta, com espaço para algumas perguntas, saltam à vista cinco tópicos chave da apresentação da contratação mais cara da história dos colchoneros: desde a gratidão de João Félix ao Benfica, a sempre presente importância da família e a desvalorização dos (muitos milhões) que fez movimentar.

João Félix: a mensagem de Futre, a vontade de fazer história, Ronaldo, Bruno Lage e o dérbi com o Real Madrid

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A importância da família, sempre a família

Desde que saltou para a alta roda do futebol português e ganhou protagonismo, João Félix foi assistindo à formulação de vários perfis de si próprio, com recurso aos amigos mais próximos, aos antigos colegas de equipa e aos treinadores das camadas jovens. Em todas as tentativas de desenho da personalidade do jogador português, existia uma linha de pensamento comum: Félix, acima do talento e da vontade de ser maior do que os maiores, era profundamente ligado à família.

Depois de demonstrar isso mesmo ao festejar com o irmão, Hugo Félix, depois de marcar um golo no Estádio da Luz, o jogador de 19 anos voltou a deixar claro que as pessoas mais importantes para cada decisão que toma e cada passo que dá são mesmo os pais. Esta segunda-feira, no auditório do Wanda Metropolitano, os pais de João Félix estavam sentados nas primeiras filas, perto de Jorge Mendes, Paulo Futre e da cúpula do Atl. Madrid, enquanto parte integrante do negócio que ali se confirmava.

Há um Félix que sai mas também há um Félix que fica. Hugo, o irmão mais novo que quer escrever a própria história

Quando respondeu às perguntas dos jornalistas que se encontravam no auditório, o agora jogador dos colchoneros agradeceu precisamente à família e garantiu que “não foi fácil” tomar a decisão de deixar Portugal. Ainda assim, e mesmo partindo para outra capital europeia, a verdade é que João Félix vai estar acompanhado pelos pais — pelo menos nos primeiros tempos –, de forma a adquirir alguma estabilidade. Pormenor que, face aos 19 anos do jogador português, pode vir a ser fulcral para o futuro de Félix.

As comparações com Ronaldo — que Félix agradece mas afasta

Cristiano Ronaldo mudou-se de Manchester para Madrid há precisamente dez anos, em 2009. É verdade que já tinha 24 anos, já tinha conquistado uma Premier League, já tinha vencido uma Liga dos Campeões e já chegava enquanto contratação galáctica do Real Madrid: contudo, não deixava de ser um jovem jogador português a apresentar-se na capital espanhola com o objetivo de fazer história.

Dez anos depois, João Félix chega a Madrid com o mesmo propósito. As diferenças são muitas: João tem 19 anos, só jogou profissionalmente no Benfica e traz na bagagem somente o título de campeão nacional português. Ainda assim, é novamente um português a assentar arraiais na capital espanhola, desta vez no Atl. Madrid, com a intenção clara de ver o seu nome ser recordado durante décadas. As comparações, sempre com Madrid pelo meio, sempre com a juventude pelo meio, sempre com os milhões pelo meio, são óbvias e quase obrigatórias — mas João Félix fez questão de as dispersar.

As comparações entre os dois jogadores portugueses têm sido uma constante

“Todos sabemos que o Cristiano é um grande jogador. É o melhor jogador do mundo, talvez o melhor de sempre. Quando estivemos na seleção ele ia falando sobre Madrid, disse que gostou muito. Estou aqui para fazer a minha história, para ser lembrado como o João Félix. Claro que são boas as comparações mas o Cristiano é o Cristiano e eu quero ser eu mesmo”, disse o jogador português na apresentação, esta segunda-feira, no auditório do Wanda Metropolitano.

Os paralelismos com Cristiano Ronaldo, que começaram logo quando o agora jogador do Atl. Madrid se estreou na Seleção Nacional — no início de junho, na Liga das Nações –, parecem acompanhar João Félix. O que não significa, como já deixou claro, que João Félix queira ser acompanhado por eles.

Ao lado dos maiores mas sem pedestal

O português de 19 anos foi apresentado no sítio onde Marcos Llorente, Felipe e Herrera, as outras três principais contratações do Atl. Madrid este verão, também foram apresentados. Quando se esperava uma apresentação no relvado, com direito a adeptos nas bancadas e passadeira vermelha para João Félix, o Wanda Metropolitano abriu apenas as portas do auditório e tornou oficial a chegada da contratação mais cara da história do clube da mesma forma que oficializou todas as outras.

À partida, é notório entender que o clube quer manter João Félix num patamar equiparado ao restante plantel, sem abrir espaço para um eventual estatuto de estrela ou deixar claro, desde logo, que o português está acima dos colegas de equipa. Ainda que a cara e o nome presentes no enorme placard eletrónico na fachada do estádio sejam de Félix, nada na apresentação desta segunda-feira deixava perceber que o jogador custou mais de 120 milhões de euros aos cofres do Atl. Madrid. Ainda assim, existiu um momento durante a cerimónia que sublinhou aquilo que se espera de João Félix.

João Félix ouviu conselhos de Adelardo Rodríguez e Paulo Futre, dois históricos do Atl. Madrid

Além de Paulo Futre, Jorge Mendes e da família do agora jogador colchonero, Adelardo Rodríguez também estava no auditório do Wanda. O antigo médio espanhol, que cumpriu mais de 400 jogos pelo Atl. Madrid nas décadas de 60 e 70 e se tornou uma autêntica lenda do clube, foi chamado ao palco, em conjunto com Futre, para dar conselhos a Félix. “Ouvi durante dois meses que o menino de ouro ia para o Real Madrid, Juventus, Manchester…quando soube que vinha para aqui fiquei muito feliz! Estou muito contente como colchonero e como português. Não há dúvidas de que tem o caráter para singrar. Foi fundamental para o título do Benfica e vai aguentar a pressão do Wanda. O João tem caráter, está preparadíssimo para a guerra, para a luta”, disse o antigo jogador de FC Porto e Sporting, que é uma das figuras mais queridas dos adeptos do Atl. Madrid.

João Félix foi apresentado no auditório como os outros, sem grandes aparatos como os outros e sem adeptos como os outros. Mas na hora de explicar qual era o objetivo da contratação do jovem português e dos mais de 120 milhões investidos, Félix foi colocado ao lado de dois históricos do Atl. Madrid. Por muito que, de forma perceptível, o clube espanhol queira equiparar o jogador ao restante plantel, a verdade é que João Félix é desde já colocado ao lado daqueles cujo nome está no passeio da fama nas imediações do Wanda Metropolitano.

A gratidão ao Benfica e a vontade de “voltar a casa”

Quando a saída de João Félix do Benfica — ainda sem destino certo — se tornou praticamente certa, a maioria das vozes cujas opiniões chegavam às televisões, aos jornais e às rádios veiculavam mais ou menos o mesmo: o jovem jogador português estava a cometer um erro. A ideia era que era demasiado jovem para sair, demasiado inexperiente para saltar para uma grande liga europeia, demasiado desamparado para ir viver sozinho para outra capital que não Lisboa.

A quase preocupação deu depois lugar a uma espécie de acusação de ingratidão por parte dos adeptos do Benfica, que queriam, esperavam e ansiavam por outra temporada em que o talento de João Félix corresse pela Luz. A confirmação da saída chegou há duas semanas, a apresentação foi esta segunda-feira: o jogador de 19 anos deixou Lisboa, Portugal e o Benfica e abraçou Madrid, Espanha e o Atlético. A consolação para os adeptos encarnados, porém, chegou no momento em que Félix não teve receio de ferir susceptibilidades e garantiu que gostaria de encontrar o Benfica na Liga dos Campeões para “voltar a casa”.

“Gostava de encontrar o Benfica na Liga dos Campeões. Gostava de voltar a casa. O mister Bruno Lage é muito especial para mim, foi ele que me meteu lá dentro de verdade. Já lhe agradeci e ele sabe que é especial. Não foi fácil sair de Portugal mas todos me desejaram muita sorte, disseram que vão estar sempre a torcer por mim. E eu vou estar sempre a torcer por eles”, explicou Félix, que recordou um momento já revelado por Lage. “Ele já disse que no primeiro jogo dele só tinha duas coisas na cabeça, a tática e que eu tinha de jogar. Por isso agradeço-lhe”, lembrou o jogador, referindo-se à estreia do treinador ao comando da equipa principal do Benfica, em janeiro, contra o Rio Ave e logo depois de substituir Rui Vitória.

“Se a ganhar permitir tudo, quando perder também vêm cá partir tudo”. Lage sobre Félix, a promessa a Jonas e a pedagogia

A desvalorização dos (muitos) milhões

O nome de João Félix tem sido nas últimas semanas associado a números. Os 126 milhões de euros que custou aos cofres do Atl. Madrid e que encaixaram na Luz, o facto de ser a contratação mais cara de sempre dos colchoneros e a maior venda de sempre dos encarnados, o pormaior de se ter tornado o jogador português mais valioso de sempre e ainda a entrada direta no top 5 dos maiores negócios da história do futebol. São números, muitos números, que correspondem a muitos milhões — e que, supostamente, colocam em João Félix uma pressão acrescida e a expectativa de corresponder com exibições ao valor que deram por ele.

O dobro da maior em Portugal, o triplo da maior do Benfica, a quarta maior de sempre: João Félix confirmado oficialmente no Atl. Madrid

Nada que, porém, tire o sono ao jogador português. Durante a apresentação, face às sucessivas perguntas sobre os mais de 120 milhões que saíram do Atl. Madrid, Félix acabou por garantir que não lê notícias sobre dinheiro nem valores. “Isso dos valores é uma questão de mercado e não percebo nada disso. Só me concentro em trabalhar e ajudar o clube. Não ligo aos valores, desligo-me dessa pressão”, atirou o jogador português.

Números à parte, a verdade é que João Félix carrega nas costas a responsabilidade de ser o porta-estandarte de um período pós-Griezmann do Atl. Madrid, uma fase que quer distanciar-se da figura de proa que era o francês e descobrir uma nova no português. O jovem jogador pode até demarcar-se da pressão dos valores — mas será quase impossível afastar-se da pressão das expectativas.