Reservado ao limite e obcecado com a sua segurança. Provavelmente, dois dos traços mais conhecidos na postura do criador das lojas de roupa de ‘fast fashion’ imbatíveis em popularidade e preços baixos. Arthur Ryan, o fundador da célebre Primark, morreu na segunda-feira aos 83 anos, confirma a empresa num comunicado.

© Primark

A primeira loja da Primark abriu em Dublin, na Irlanda, em 1969, e ainda hoje se chama ‘Penneys’, o nome original da marca que cumpre 50 anos de atividade, e que está presente em Portugal em dez espaços espalhados pelo país. Nascido em julho de 1935, filho de um funcionário dos seguros, Arthur St. John Ryan abriu a primeira Penneys no número 47 da Mary Street, na capital irlandesa, e ao longo das décadas manteve o peculiar hábito de visitar as suas lojas de forma o mais anónima possível. De resto, o empresário cultivou sempre a discrição ao longo do seu trajeto, permitindo pouco acesso à sua vida privada e fazendo-se acompanhar em permanência de uma equipa de guarda-costas.

Foi em Londres, para onde a família se mudou, que se estreou a trabalhar, primeiro entre gravatas na Swan &Edgar e posteriormente nos armazéns Carr & McDonald. Mais tarde regressaria à sua Irlanda natal para deitar mãos à obra nos armazéns Dunnes Stores. Foi aí que o milionário britânico-canadiano Gales Weston reparou em Arthur, garantindo-lhe o capital suficiente para arrancar com o modelo de negócio Penneys.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com o público alvo situado nas faixas mais jovens, até aos 35 anos, o primeiro passo da expansão, já em 1973, foi conseguido em solo inglês, onde em 2005 o grupo haveria de comprar 120 lojas à cadeia Littlewoods por 450 milhões de euros. Para trás, ou neste caso confinado apenas ao território irlandês, ficara o nome de batismo inicial. Uma decisão para evitar conflitos com a norte-americana J.C. Penney. E assim nascia a Primark, que aterrou em solo nacional em 2009 (o primeiro espaço abriu portas no Dolce Vita Tejo), fiel à fórmula do grupo: o acesso a um sem fim de peças-tendência acessíveis por um preço que promete não dar cabo do orçamento. É nesse mesmo ano que Ryan se despede da liderança, depois de 40 anos ao leme dos destinos. Paul Marchant, o chefe de operações a retalho, assumia então a direção da Primark.

Meio século volvido, falamos de um verdadeiro templo de roupa, acessórios, artigos para a casa e soluções para criança que se estende hoje por milhares de metros quadrados espalhados por 11 países na Europa e América. Ao todo, somam 350 lojas, a mais recente das quais uma gigantesca meca do consumo. Falamos da loja de Birmingham High Street, que ocupa um espaço comercial de 14 800 m² que ocupam cinco pisos e incluem experiências de degustação, estúdio de beleza e barbeiros.

Inglaterra. Osso humano encontrado em par de meias da Primark

Mas se o franchisado é conhecido pelas suas bagatelas, o seu fundador pagou um preço altíssimo no contexto mais pessoal, fruto de alguns episódios particularmente trágicos, e que nem o seu afastamento dos holofotes conseguiu abafar. Ryan foi casado com Alma Caroll, com quem teve uma filha (tivera outros quatro filhos de um anterior casamento), e vivia numa das casas mais protegidas de Dublin. Raramente visto em público, e zero recetivo a entrevistas, receava ser alvo de rapto, uma ameaça latente para uma série de magnatas do retalho irlandês nas últimas décadas do século XX. Nos anos 80, nomes como o de Ben Dunne, ou mesmo o de Galen Weston foram alvo das investidas do IRA (Exército Republicano Irlandês).

Um dos maiores reveses para o empresário terá acontecido em junho de 2015, quando o seu filho Barry, então com 51 anos, morreu ao tentar salvar do afogamento o seu filho e a namorada deste, que também não conseguiram sobreviver.

Quanto à história da Primark, é feita de altos e baixos como em quase todas, e não faltam detalhes curiosos, como a opção dos clientes transgénero poderem escolher em qual dos provadores se sentem mais confortáveis ou o rosto feminino que terá estado ao lado de Arthur em boa parte do seu caminho. Eis Breege O’Donoghue, mais conhecida como a “matriarca da Penneys”, que se retirou das funções de diretor executiva em 2016, depois de 37 anos ao serviço.