Enviada do Observador a Madrid

Óscar Ortega del Río quase nunca é tratado pelo nome próprio nem pelo último. O uruguaio é conhecido como Profe Ortega, professor Ortega, e é desde 2006 o preparador físico de todas as equipas técnicas de Diego Simeone. No Atl. Madrid, acabou por ganhar uma segunda alcunha, “sargento de ferro”, pelos exercícios duros e quase militares que impõe aos jogadores colchoneros. Embora trabalhe sempre em consonância com Simeone, tem carta branca para experimentar, inventar e testar, levando os plantéis ao limite para retirar deles o melhor rendimento possível.

Ora, para o Profe Ortega – e, por inerência, para o Atl. Madrid –, as terças-feiras de uma pré-época são dias de sessão tripla: começam com um treino físico matinal, a partir das 7h45 para fugir ao calor, continuam com ginásio a meio da manhã e terminam com exercícios com bola já ao final da tarde. Esta terça-feira, dia 3 do estágio colchonero em Los Ángeles de San Rafael, teve uma novidade – a introdução de uma rampa com 50 metros de comprimento e 30% de inclinação para os jogadores treinarem sprints, aceleração e resistência. A ideia é evitar as longas e sucessivas lesões musculares com que o Atl. Madrid se debateu na temporada passada e Diego Costa e João Félix, dois dos principais elementos ofensivos às ordens de Simeone, foram dos mais “castigados” pelo Profe Ortega.

O jogador português realizou esta terça-feira o segundo treino às ordens de Simeone

Quer isto dizer que João Félix passou o dia seguinte à apresentação no Wanda Metropolitano a cerca de 70 quilómetros de Madrid. A capital espanhola, porém, continuou a mexer: e os três locais onde a história do jogador português no Atl. Madrid poderá ser escrita continuam em movimento. Félix mostrou-se ao mundo e a Espanha no Museu do Prado no vídeo de apresentação; passou pelo estádio colchonero esta segunda-feira para responder a perguntas pela primeira vez enquanto jogador do Atl. Madrid; e vai passar as próximas temporadas a contribuir para que o clube regresse à Praça Neptuno, onde os adeptos costumam festejar as conquistas.

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Poucos metros separam o Museu do Prado da Praça Neptuno – que, na verdade, se chama Praça Cánovas de Castillo e só é conhecida pelo nome do deus romano do mar pela fonte que tem uma representação desse mesmo deus romano do mar. O caminho do Prado, que está atualmente coberto por imagens alusivas ao 200.º aniversário do museu, até à praça faz-se por uma rua ladeada por árvores altas, com o Ritz em obras do lado direito e o Palace Hotel ao fundo, onde uma conhecida cadeia de cafeterias com um logótipo verde rouba as atenções ao edifício centenário. É perto do histórico hotel, por onde um dia passaram Dalí e García Lorca, que está Javier, bem perto de um artista de rua que toca saxofone sentado e exibe vários discos num escaparate.

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Javier distingue-se da multidão porque decidiu, em julho e com o futebol de clubes praticamente parado, vestir um pólo com um símbolo do Atl. Madrid no lado esquerdo do peito. “Qual é a diferença entre vestir hoje ou vestir noutro dia qualquer? Os turistas também não andam aí com camisolas do Real Madrid vestidas? Pelo menos para mim significa alguma coisa”, atira rapidamente, assim que é questionado sobre o porquê da indumentária. Anotado. As regras dos bons costumes – ou pelo menos da boa convivência – indicam que, para aliviar o ambiente, se fala de futebol. E neste caso esse parece ser um tema consensual. A memória da última vez que esteve na Praça Neptuno para festejar uma vitória do Atl. Madrid, em 2018 depois da final da Liga Europa, é abafada por aquela que maior significado teve.

“Em 1996, quando fomos campeões quase 20 anos depois da última vez. Com Antić e depois com Caminero, Molina, Simeone, Kiko…descemos [à Segunda Liga] nem quatro anos depois mas não importa. Essa foi a melhor festa, foi a mais saborosa”, garante Javier, que olha para a fonte onde está Neptuno como se ainda lá perdurasse alguma réstia dos festejos de há 23 anos. O Atl. Madrid teria de esperar novamente quase 20 anos, até 2014, para voltar a sagrar-se campeão espanhol — já com Simeone no banco e não no relvado, como em 1996. De lá para cá, os colchoneros não voltaram a conseguir intrometer-se na luta pelo título e têm sido consecutivamente batidos por Barcelona e Real Madrid na disputa do primeiro lugar da tabela. Esta temporada, mesmo com a saída de Griezmann, o clube da capital espanhola conta com Marcos Llorente, Herrera, Felipe e João Félix para ir à procura daquilo que escapa há cinco épocas: e é precisamente a falar sobre este último que terminamos a conversa com Javier, já mais bem disposto, depois de quebrado o gelo causado pela pergunta sobre a camisola.

A enorme bandeira junto ao Wanda Metropolitano é uma homenagem do Atl. Madrid aos adeptos

“Félix é muito bom, muito bom. Grande contratação, claro. Talvez seja ainda muito jovem para a pressão toda, para aquilo que lhe estão a pedir. Mas é muito bom e é muito bom tê-lo do nosso lado”, comenta Javier, que repete muy bueno várias vezes, para atestar a qualidade do jogador português. Seguimos caminho e Javier ali fica, a ouvir a música que ainda sai do saxofone do artista de rua, a rivalizar com os turistas que andam pelas ruas de Madrid com camisolas do Real.

A cerca de 10 quilómetros da Praça Neptuno, ao largo de uma avenida batizada com o nome de Luis Aragonés, fica o novo Wanda Metropolitano, inaugurado em 2017. O enorme placard eletrónico onde esta segunda-feira se lia apenas “benvindo, João Félix” dá agora lugar a uma imagem do jogador português, já vestido com a camisola do Atl. Madrid, com o nome ao lado e o número 7. O Wanda fica algo isolado do resto da cidade, envolto numa zona residencial onde os prédios mais próximos obrigam a uma caminhada de 15 minutos. O ambiente quase desértico é quebrado pelo tour ao estádio organizado pelo clube e que provoca longas filas à entrada da porta 10: é desse mesmo tour que acabaram de sair Jaime e os dois filhos, ambos vestidos com camisolas colchoneras, quando os encontramos.

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“Yo seré tu seguidor, yo contigo hasta morir”, “Eu serei teu seguidor, eu contigo até morrer”, é parte do refrão do hino entoado pelos adeptos do Atl. Madrid em todos os jogos do clube e é também a frase que está na base da enorme bandeira colchonera que fica à entrada do Wanda Metropolitano e foi uma homenagem à claque. É aí, enquanto tiram fotografias a tentar apanhar a gigantesca bandeira em pano de fundo, que nos aproximamos de Jaime e dos dois filhos – e, desta vez, já aprendemos a lição e sabemos que não é boa ideia fazer qualquer questão sobre a indumentária. Diretos ao assunto, diretos ao futebol: João Félix vai fazer o que Paulo Futre fez em Madrid?

“Acho que não se pode pedir já isso. Ele tem 19 anos, o Futre era um bocadinho mais velho quando veio e até já tinha sido campeão europeu antes, acho eu”, começa por dizer Jaime, que acha bem, já que o jogador português tinha conquistado a Taça dos Campeões Europeus em 1987 com o FC Porto. “Mas joga bem e foi uma boa escolha, isso sim. Acho que o Simeone tem a capacidade de puxar aquilo que os jogadores têm de melhor e vai fazer isso com ele. O Atlético precisava de juventude, de uma certa rebeldia, e ele traz isso. É bom, é bom”, termina, enquanto tenta segurar um dos filhos pela mão quando este já vai tentando trepar pelo mastro que segura a bandeira.

João Félix começou a estadia em Madrid no Museu do Prado, arrancou a fase intermédia no Wanda Metropolitano e tem como objetivo chegar à Praça Neptuno. Pelo meio, terá de ganhar espaço e a certeza de que não é demasiado jovem para aquilo que lhe é pedido. Atestado de qualidade, esse, parece estar mais do que confirmado.