Em pouco mais de um mês, Miguel Duarte, o português investigado em Itália por alegado auxílio à imigração ilegal, conseguiu mobilizar milhares de pessoas e impor o tema da criminalização da solidariedade na agenda mediática e política.

O pontapé de partida foi dado a 7 de junho com a campanha de crowdfunding lançada pela plataforma HuBB – Humans Before Borders para apoiar a defesa do estudante português, que chegou esta sexta-feira ao fim às 18h00, com 54.732 euros angariados, cinco vezes mais do que o valor inicialmente pedido. Os donativos vieram de 2959 cidadãos para quem “salvar vidas não é crime”.

Em declarações à Lusa, Miguel Duarte agradeceu a solidariedade e sublinhou que Portugal é “único na Europa” apontando o apoio político dado pelo primeiro ministro, António Costa, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e vários líderes partidários que se mostraram solidários com o jovem de 26 anos.

Miguel Duarte. “Quando vejo uma pessoa a morrer afogada não lhe pergunto se tem passaporte. Tiro-a da água”

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É espetacular, é muito inesperado para nós o apoio que temos tido, ao nível institucional e de pessoas individuais. Tivemos milhares de pessoas que decidiram manifestar o seu apoio não só com contribuições para a campanha, mas também com declarações públicas de apoio à nossa causa”, disse o voluntário da organização não-governamental alemã Jugend Rettet

Considerou ainda “absolutamente decisivo, num caso que é político, antes de ser judicial” poder contar com o apoio da sociedade civil: “Diria que é único na Europa ter a opinião pública tão consensual no apoio a esta causa”

Para Miguel Duarte, o “apoio inequívoco” das mais altas figuras do Estado português “é extremamente importante e, de alguma forma, inesperado” tendo em conta a situação política atual da União Europeia.

Embora o apoio à ajuda humanitária seja “o mínimo que se espera de um estado democrático”, Miguel Duarte acredita que a política europeia face aos refugiados não vai ter alterações significativas com a entrada em funções dos novos líderes. “Não penso que os resultados tenham sido muito favoráveis nesse aspeto, no entanto acho que conseguimos alterar o rumo das coisas se a sociedade civil se manifestar e indignar. É possível, se nos juntarmos e se nos indignarmos em conjunto, mudar o rumo das coisas”, desejou.

Miguel Duarte espera ser absolvido e garante que “voltava já amanhã” a uma nova missão se pudesse, embora tenha de aguardar o desfecho do processo.

A minha participação em projetos de ajuda humanitária vai depender do resultado deste processo legal. É preciso esperar para ver o que vai acontecer. No entanto, no dia em que formos absolvidos vamos pensar seriamente em voltar ao mar. Era esse o nosso trabalho, é isso que sabemos e queremos fazer. Se pudesse voltava amanhã”, garantiu à Lusa.

Miguel Duarte é um dos dez elementos do Iuventa, um navio pertencente à organização não-governamental (ONG) alemã de resgate humanitário no Mediterrâneo, Jugend Rettet, que está a ser investigado em Itália por alegado auxílio à imigração ilegal, um crime que prevê até 20 anos de prisão.

Em Portugal, o jovem conta com o apoio jurídico pro bono da sociedade Carlos Pinto de Abreu e associados e está a ser acompanhado por uma equipa legal transeuropeu liderada em Itália pelo advogado Nicola Canestrini.

O dinheiro angariado pelo crowdfunding vai ser usado para financiar os custos relacionados com este processo legal, desde as custas judiciais ao pagamento de viagens para fazer contactos institucionais e discutir questões legais com os restantes intervenientes, que são de cinco países.

Os tripulantes do Iuventa já foram constituídos arguidos, mas ainda não sabem se o caso irá a julgamento. “Fomos constituídos arguidos há cerca de um ano e estamos à espera que saia uma acusação formal ou que o caso seja arquivado”, adiantou.

O caso de Miguel Duarte não é único. Um estudo da ReSOMA (Plataforma Social de Investigação sobre Migração e Asilo), datado de junho, revelou que pelo menos 158 pessoas foram investigadas ou formalmente acusadas por auxílio humanitário em 11 países europeus, entre 2015 e 2018, sobretudo em Itália, Grécia e França.

“O nosso caso não é único, há muita gente numa situação semelhante à nossa e não é só Itália que está a fazer este tipo de acusações. Já houve pessoas presas na Grécia durante meses com acusações absurdas”, lamentou.

Aluno de doutoramento em Matemática do Instituto Superior Técnico, o português começou a colaborar com a ONG alemã em 2016 e participou em quatro missões (cada uma com uma duração de três semanas), além de ter estado cerca um mês e meio a ajudar nas reparações do navio num estaleiro de Veneza, Itália.

A HUBB vai assinalar o fim da campanha com um novo vídeo para agradecer os donativos.