A apresentação do programa eleitoral do PCP às eleições legislativas de 6 de outubro foi feita no contrarrelógio pontual que caracteriza habitualmente as sessões públicas do partido. A sessão, num hotel de Lisboa, começou à hora marcada, com a apresentação de um vídeo com testemunhos de portugueses — recolhido em vários locais do país e abordando cada testemunho um problema diferente (transportes, educação, saúde) — a que se seguiu uma introdução de Agostinho Lopes, membro do Comité Central do PCP, antes do discurso de Jerónimo de Sousa. Foram 10 minutos para o vídeo inicial, 20 minutos para Agostinho Lopes e os 30 minutos finais estavam reservados para o secretário-geral do partido, para perguntas nem um minuto. Numa hora, o PCP fez a apresentação de sete compromissos do programa e deixou alguns recados ao governo do Partido Socialista e à coligação entre PSD e CDS-PP.

Das creches à despenalização das reformas antecipadas

Com vários deputados do PCP presentes na sala, o primeiro compromisso apresentado por Jerónimo de Sousa foi o da “garantia de creche gratuita para todas as crianças”, quando termine a licença de parentalidade, através da “criação de uma rede pública” de creches ou soluções equiparadas. A medida destina-se às “crianças que nasçam a partir de 2020” e representa uma “solução para quantos querem ter filhos” num contributo “para enfrentar o grave défice demográfico”.

Apresentando-se às eleições legislativas coligado com o Partido Ecologista “Os Verdes”, na Coligação Democrática Unitária (CDU), o PCP assume um caderno de encargos de 12 compromissos do PEV e propõe que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) passe a ter “poderes executivos para declarar vínculos efetivos a todos os trabalhadores que estejam a ocupar postos de trabalho permanentes”. Esta é uma reivindicação antiga do PCP, mas que conhece nestas legislativas uma proposta bem concreta no combate à precariedade. Jerónimo de Sousa entende que será possível erradicar o trabalho precário, tal como foi possível “erradicar o trabalho infantil”.

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Além da proposta de aumentar as pensões e reformas em 40 euros ao longo da legislatura, o PCP quer eliminar as penalizações na reforma dos trabalhadores que se reformaram antecipadamente e tiveram penalizações e que, nessa data, reuniam as condições agora propostas: 40 anos de descontos ou 65 anos de idade. A medida vai ter impacto, principalmente, nos trabalhadores que se reformaram entre 2011 e 2015.

Se no discurso inicial foram feitas duras críticas ao desinvestimento em áreas essenciais da sociedade, na apresentação dos sete compromissos, estas não podiam ficar de fora (além da área da educação, com as creches para as crianças): os transportes, a saúde, os serviços públicos (estações de CTT, centros de saúde, balcões da Caixa Geral de Depósitos) e a cultura. O PCP quer “concretizar um programa integrado para reforço do Serviço Nacional de Saúde”, através de um forte investimento, com prioridade para hospitais e cuidados de saúde primários, com recurso à contratação de profissionais, equipamentos e também a criação de uma rede de cuidados continuados e paliativos.

Nos transportes, o pedido já tantas vezes feito a António Costa no Parlamento: estender a todos os municípios e regiões de país os passes a 30 euros (municipais) e 40 euros (regionais). Uma medida que, defende Jerónimo de Sousa, “significará talvez um dos saltos mais decisivos para a defesa do meio ambiente e para a redução das importações”.

Não será surpreendente também quando, durante a campanha, o PCP revisitar espaços públicos que foram encerrados nos últimos anos. Jerónimo de Sousa afirmou que a reabertura dos serviços públicos deve acontecer mesmo que “tal signifique não atender a rácios e critérios de ocupação e de produtividade artificiais”. Para o partido, a reabertura de estações de correios, balcões da CGD e de serviços de saúde e educação constitui-se como “um elemento de atração e fixação das populações”.

O PCP compromete-se também em “atingir nesta legislatura o estabelecimento do objetivo de 1% do Orçamento do Estado para a cultura”, pondo fim “à destruição do tecido cultural”.

Estes sete compromissos vêm somar-se aos objetivos já conhecidos do programa eleitoral como a redução do IVA para 21%, a introdução de um imposto de 0,5% para depósitos acima de 100 mil euros e também ao património mobiliário em geral, e o IVA a 6% para a eletricidade e gás natural, por exemplo. Na sessão de apresentação, os comunistas desafiaram ainda a UTAO a avaliar as contas do programa eleitoral do partido que defende que uma maior tributação de quotas, títulos, ações, obrigações, depósitos de elevado valor representaria “uma subida significativa da receita fiscal, na ordem dos 8,7 mil milhões de euros, aproximadamente 4,2% do PIB” (que permitiria colmatar o impacto da descida do IVA).

As conquistas da legislatura que termina e o desafio da que iniciará

Depois do debate do estado da nação e do despique das conquistas da legislatura entre PS, Bloco de Esquerda e PCP, o PCP repete que “tudo quanto de positivo foi alcançado só aconteceu pelas medidas impostas pelo PCP e suportadas pela luta dos trabalhadores e do povo”, sublinhando que “não resulta do cumprimento do cenário eleitoral do PS”. Os comunistas, pela voz de Agostinho Lopes, lamentam ainda que “saiba a muito pouco [o conquistado] face às expectativas criadas” e afirmam que o PS “demonstrou de forma substantiva a sua incapacidade de responder aos problemas estruturais do país”.

O PCP apelou também a que os partidos sejam claros quanto à Europa. “Não é possível manter o silêncio sobre um assunto que condiciona todo o futuro do país”, afirmou Agostinho Lopes instando os partidos a “serem claros quanto ao seu posicionamento em relação à União Europeia”.

Claro foi também Jerónimo de Sousa, mesmo ao terminar o discurso quando afirmou que “o programa apresentado — já maturado — não impedirá o partido de assumir novos compromissos no futuro próximo”. O secretário-geral do PCP garantiu ainda que “não trairá nenhum dos compromissos que agora assume, nem nenhum voto que receba em outubro”.