O Ministério Público (MP) pediu à Hungria o alargamento do Mandado de Detenção Europeu (MDE) de Rui Pinto para assim poder acusar o colaborador do Football Leaks por novos factos apurados na investigação relacionada com a Doyen e o Sporting.

“Confirma-se que o MP já pediu a extensão do MDE [Mandado de Detenção Europeu]”, refere a Procuradoria-Geral da República (PGR), em resposta escrita enviada nesta quarta-feira à agência Lusa.

Em prisão preventiva desde 22 de março, o português Rui Pinto, de 30 anos, foi detido em janeiro na Hungria e entregue às autoridades portuguesas, com base num MDE que apenas abrange os acessos ilegais aos sistemas informáticos do Sporting e do fundo de investimento Doyen Sports, estando indiciado pela prática de quatro crimes: acesso ilegítimo, violação de segredo, ofensa à pessoa coletiva e extorsão na forma tentada.

Como o arguido nunca renunciou ao princípio da especialidade, para que a justiça portuguesa possa vir a acusar e a julgar Rui Pinto por outros factos e crimes que não estes, o MP teve de pedir a extensão do MDE às autoridades húngaras, com base em novos factos e indícios entretanto apurados no decorrer da investigação – que não constam mandado original – e que poderão vir a dar origem a outros processos judiciais.

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Entre estes factos, estão acessos ao correio eletrónico de “largas dezenas de ofendidos”, nomeadamente, magistrados do MP, elementos da Administração Interna, PSP, escritórios de advogados, FIFA, FC Porto, Nacional e da confederação sul-americana de futebol (CONMEBOL).

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Este é o principal argumento do despacho do MP, a que a agência Lusa teve acesso, a pedir ao juiz de instrução criminal (JIC) que declarasse a especial complexidade do processo, o que daria mais seis meses à investigação e, consequentemente, poderia manter em prisão preventiva Rui Pinto, pelo menos, até 22 de março de 2020.

Contudo, esta pretensão do MP foi negada pelo JIC, alegando o princípio da especialidade, pois o MDE original abrange apenas os factos relacionados com a Doyen e o Sporting, que não são considerados de especial complexidade.

Esta decisão do JIC faz com que o MP tenha de deduzir acusação contra Rui Pinto pelos factos relacionados com a Doyen e o Sporting até 22 de setembro (seis meses após a aplicação da medida de coação de prisão preventiva), ou então o colaborador do Football Leaks terá de ser colocado em liberdade.

O Tribunal da Relação de Lisboa explica que o princípio da especialidade – “inato ao instituto tradicional da extradição, que traduz a limitação do âmbito penal substantivo do pedido, cuja abrangência se encontrava vedada e circunscrita aos factos motivadores do pedido de extradição – surge como uma garantia da pessoa procurada e como limite da ação penal ou da execução da pena ou da medida de segurança e representa uma segurança jurídica de que não será julgada por crime diverso do que fundamenta o MDE, ou que não cumprirá sanção diversa da que consta do MDE”.

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No requerimento a pedir a declaração de especial complexidade, negada pelo juiz de instrução criminal, o MP sustentava que “o sucesso” da investigação a Rui Pinto dependia do alargamento do respetivo prazo de inquérito, pois, só assim, “seria possível o cabal esclarecimento dos factos, com o apuramento da total dimensão da atuação do arguido Rui Pinto, a qual, demonstradamente, não se cingiu ao Sporting e à Doyen, nem tão pouco a entidades desportivas”.

A procuradora da República Patrícia Barão acrescentava ainda que, nestes autos, se verificou que Rui Pinto “estendeu a sua atividade delituosa ao longo de quatro anos, durante os quais desenvolveu uma intensa atividade de recolha de informação através do acesso não autorizado a sistemas informáticos”.

A procuradora recordava também que se aguardavam os resultados das várias diligências em curso, nomeadamente, “a inquirição dos ofendidos, cujas caixas de correio o arguido acedeu, a análise da totalidade dos ficheiros apreendidos, num extensíssimo volume de dados correspondente a cerca de 12 TB (terabytes), que implicará uma prolongada e minuciosa recolha de prova” e os interrogatório a Rui Pinto, “sobre a nova factualidade” descoberta, e ao advogado Aníbal Pinto, o outro arguido no processo, que serviu de intermediário na alegada tentativa de extorsão à Doyen.