O debate e aprovação do novo regime jurídico de autonomia de gestão dos museus, que gerou expectativas e críticas dos museólogos, por alguns considerarem insuficiente para resolver os problemas do setor, foi um dos temas que marcou esta legislatura.

Promulgado em maio deste ano pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e publicado em junho em Diário da República, o novo regime trouxe também a criação do grupo de projeto para os “Museus no Futuro”, que irá pensar o modelo a seguir nesta área, dentro de dois anos.

O novo regime — anunciado em maio do ano passado como uma das prioridades do Governo — foi criado com o objetivo de delegar competências nos diretores dos museus, reduzir a burocracia e aumentar o acesso aos recursos gerados.

O diploma abrange não só os museus, mas também monumentos, palácios e sítios arqueológicos, num total de 30 designadas “unidades orgânicas”, tuteladas pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) e pelas Direções Regionais de Cultura (DRC, do Norte, Centro, Alentejo e Algarve).

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Está previsto, com a entrada em vigor, que sejam realizados novos concursos para as direções. Contactado pela agência Lusa sobre esta matéria, o Ministério da Cultura respondeu: “O aviso de abertura dos concursos será publicado em Diário da República. As comissões de serviço atuais mantêm-se até ao seu termo, pelo que os concursos abrem à medida que as comissões de serviço vão terminando”.

Quanto ao grupo de projeto “Museus no Futuro”, que nomeou 14 representantes de várias áreas para um mandato de um ano, terá um trabalho transversal e irá “preparar, de modo abrangente e participado, a estratégia de adaptação dos museus às transformações presentes e futuras” a nível social e económico no país, nas próximas décadas, de acordo com o diploma.

Este grupo de projeto envolve várias áreas governativas e é composto por representantes da Cultura, dos Negócios Estrangeiros, da Defesa Nacional, da Economia, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Educação.

O projeto foi apresentado pelo Ministério da Cultura ao setor, com o objetivo de constituir “uma verdadeira mudança de paradigma”, que venha a gerar “um novo dinamismo na gestão dos equipamentos culturais”, de acordo com o preâmbulo do documento a que a Lusa teve acesso, na altura.

Assim que foi dado a conhecer aos responsáveis dos museus e aos representantes do setor, ainda em esboço, há um ano, a proposta de diploma gerou expectativas, mas também críticas, especialmente no que consideravam ser uma falta de “autonomia real”, fiscal e jurídica.

As duas principais entidades que representam o setor e os profissionais da museologia em Portugal – o Conselho Internacional de Museus (ICOM) e a Associação Portuguesa de Museus (APOM) – o documento “não é uma revolução”, mas “institui grandes inovações”, pecando, no entanto, por não criar uma autonomia fiscal e jurídica, e foi nestes aspetos que as críticas foram mais consensuais.

Depois de terem entregado pareceres para algumas modificações, o documento veio a adotar algumas, nomeadamente na garantia de maior autonomia real para as direções, mas o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, António Filipe Pimentel, um dos maiores críticos do documento, manteve inalterada a sua posição.

Mesmo depois de a ministra da Cultura, Graça Fonseca, ter garantido que as unidades orgânicas teriam número fiscal, Pimentel viria a deixar o cargo, não se recandidatando ao lugar, ao fim de quase uma década a liderar o museu nacional com o estatuto mais importante do país, e depois de ter recebido elogios de mecenas e dos seus pares.

Pimentel – que chegou a ser ouvido no parlamento depois do anúncio da sua saída, para junho deste ano – considerava a versão final do diploma sobre a autonomia dos museus apenas “a manutenção do ‘status quo’, com outra capa”.

Além de se prenderam com a falta de autonomia de gestão, as razões para a saída do diretor do MNAA foram também a “falta de condições para trabalhar”, nomeadamente recursos financeiros para melhorar o museu, e recursos humanos para a manutenção de vigilância das salas de exposição, que ao longo destes anos têm fechado ao público para garantir a segurança das peças.

Na altura, disse aos jornalistas: “O que falta efetivamente são condições de trabalho, e que passam pelos recursos humanos, capacidade de financiamento, e agilidade administrativa. São esses os três pilares”.

Por outro lado, uma das vozes que apontou para a possibilidade do regime vir a criar melhores condições nos museus foi a diretora do Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, Maria João Vasconcelos, mas alertando para a falta de regulamentação de “muita coisa”.

“Ficamos contentes ao ver que é reconhecida uma necessidade de alterar a situação, prevendo que a maior autonomia dos serviços poderá vir a criar melhores condições”, disse, em entrevista à Lusa, Maria João Vasconcelos.

A necessidade de maior autonomia para as direções de museus e monumentos tem vindo a ser defendida pelo setor nos últimos anos, a par de queixas da burocracia e das limitações na gestão destes espaços.

A criação de um projeto nesse sentido foi falada em maio do ano passado pelo próprio primeiro-ministro, António Costa, anunciando que o projeto seria de avançar este ano, depois de estabilizada a questão orçamental e com a concretização da nova lei de descentralização.

A seguir, em junho do ano passado, no parlamento, o então ministro, Luís Filipe Castro Mendes, anunciou a reforma jurídica para “responder às necessidades e aos anseios dos profissionais da área dos museus”, com uma “mudança de paradigma no que respeita aos tradicionais modelos de gestão dos museus, no sentido de uma cada vez maior autonomia”.

De acordo com o novo regime jurídico, serão várias as alterações, nomeadamente a abertura de concursos para diretores de âmbito internacional e não apenas nacional, para comissões de serviço de cinco anos, com a limitação máxima de dez anos, alterando o regime atual de três anos, sem limite de renovação, feita através da Comissão de Recrutamento e Seleç̧ão para a Administração Pública.

Os candidatos a diretor terão de apresentar uma proposta de projeto a implementar na unidade orgânica, e que será avaliada – bem como o seu currículo – por um júri composto por representantes de entidades da museologia e especialistas do setor, bem como da DGPC ou das DRC.

Os diretores nomeados, segundo o decreto-lei, passarão a ter contratos plurianuais de gestão por objetivos e terão acesso às receitas geradas pela sua própria entidade, sem comprometer o princípio da solidariedade que já existe, mas desde a criação da DGPC que todas as receitas geradas entram num “bolo” comum.

O ponto essencial do novo regime é a delegação de competências nos diretores das designadas “unidades orgânicas”, que será muito mais alargada, através da celebração de um contrato-programa a cinco anos que os poderá autorizar a assinar despesas de aquisição de bens e serviços, pequenas empreitadas e contratações temporárias, mas o limite do valor terá de ser negociado para ser autorizado.

As receitas geradas por cada unidade podem ser provenientes da venda de bilhetes, mecenato, contrapartidas obtidas por protocolos com entidades públicas ou privadas, nacionais e estrangeiras, ‘merchandising’, cedência temporária de espaços e de bens, e gestão de fundos europeus.

O diploma também prevê a criação de um conselho geral, que é um órgão de natureza consultiva, de composição variável, que funciona junto do diretor da unidade orgânica – composto por entre cinco a 15 membros não remunerados – ao qual compete “pronunciar-se sobre todas as questões relevantes para a atividade e a programação da unidade orgânica”.

Relativamente à fiscalização, “compete à Inspeção-Geral das Atividades Culturais a realização de auditorias técnicas, financeiras e de gestão à atuação do diretor e atividade da unidade orgânica, sem prejuízo das competências, previstas na lei, do Tribunal de Contas e da Inspeção-Geral de Finanças”, determina o documento.

O decreto-lei foi publicado a 05 de junho, e depois dos 90 dias seguintes à entrada em vigor, a DGPC e as DRC procedem à abertura do procedimento concursal para a seleção dos diretores das unidades orgânicas.