O aquecimento global está a provocar um aumento da proporção de tartarugas fêmeas em Cabo Verde, que em algumas ilhas já chegam a 99% do total, com implicações na continuidade da espécie, segundo um levantamento realizado no arquipélago.

Os dados resultam de um estudo coordenado pela organização não-governamental (ONG) cabo-verdiana BIOS.CV, com sede na ilha da Boa Vista, e que com o apoio de outras organizações do género, em mais sete ilhas (apenas a Brava e Santo Antão não foram estudadas), monitorizaram as temperaturas, projetando depois as consequências para a espécie de tartaruga caretta caretta, predominante no país.

As conclusões, agora conhecidas, têm como base dados recolhidos entre 2011 e 2013 (maio a novembro, época de nidificação) em 40 praias de Cabo Verde, em que a temperatura — que define o sexo das tartarugas — foi monitorizada a cada 30 minutos.

“Estamos a falar de um claro aumento das temperaturas, que por sua vez definem o sexo dos répteis. Produzindo cada vez mais fêmeas, isso compromete o desenvolvimento da espécie”, explicou à agência Lusa Samir Martins, investigador e presidente da BIOS.CV.

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O fenómeno, acrescentou, é cada vez mais evidente nas praias de areia preta de Cabo Verde, cuja nidificação já dá origem a 99% de fêmeas, mas o problema também já é visível nas praias de areia branca. Nestas, as fêmeas também já são a maioria, com um peso de 60 a 70%.

“Nas praias de areia negra o fenómeno é mais grave porque o calor é mais absorvido e com isso a temperatura aumenta”, acrescentou Samir Martins.

Ainda assim, garante que o problema é generalizado: “O que vemos é que, independentemente da cor da areia e da ilha, vão nascer [no futuro] mais de 90% de fêmeas”, alertou, apoiando-se nas extrapolações da Universidade de Exeter, do Reino Unido, que trabalhou os dados recolhidos no terreno.

As projeções, publicadas num artigo científico, apontam que a subida das temperaturas, mesmo num cenário favorável de emissões de gases de efeito estufa, levará a que 99,86% das tartarugas caretta caretta que vão nascer em 2100, em Cabo Verde, serão fêmeas.

Está mesmo em causa a continuidade das tartarugas em Cabo Verde“, sublinhou Samir Martins, acrescentando que um outro estudo em curso já aponta também que as crias estão a nascer “mais fracas”.

“O que as torna mais vulneráveis à predação nas praias”, explicou.

A criação de zonas de sombra nas áreas dos ninhos de tartaruga é uma das recomendações dos especialistas, para tentar inverter o cenário.

“Ao baixar a temperatura nos ninhos, estamos a permitir uma reprodução mais equilibrada, em termos de sexo das tartarugas”, sublinhou o investigador.

Outra solução passa pela colocação de água – exclusivamente doce – sobre os ninhos, algo que face à seca que Cabo Verde atravessa há vários anos acaba por ser inviável.

“Mas criar sombras é viável, basta uns ramos e conseguimos minimizar o problema”, garantiu, apelando ao apoio do Ministério do Ambiente.

Em Cabo Verde há registo de uma média de 18.790 ninhos de tartarugas nos últimos 10 anos.