O violoncelista holandês Anner Bylsma, que se distinguiu pela investigação da música barroca e da sua interpretação, autor de “Bach, o mestre de esgrima”, morreu na madrugada de quinta-feira, aos 85 anos, em Amesterdão, informou a família.
Pioneiro da corrente de interpretação historicamente informada, que mudou os padrões de investigação musicológica nas seis últimas décadas, Anner Bylsma marcou igualmente o repertório contemporâneo, tendo divulgado mais de 300 anos do património musical europeu, de Frescobaldi, Bach e Vivaldi, a Mozart e Beethoven, Maurice Ravel, Paul Hindemith e Olivier Messiaen.
Anner Bylsma nasceu em 17 de fevereiro de 1934. Formado no Conservatório Real de Haia, em 1957, com o Prémio de Excelência, foi aluno do violoncelista Carel van Boomkamp, fundador do Netherlands String Quartet, um dos primeiros investigadores de fontes originais da música pré-romântica, nas principais instituições europeias.
Em 1959, Bylsma venceu o primeiro prémio do Concurso Pablo Casals e ocupou o posto de primeiro violoncelo – violoncelo solista – da orquestra do Real Concertgebouw de Amesterdão, de 1962 a 1968.
As suas gravações das seis Suites para violoncelo solo, de Johann Sebastian Bach, com violoncelo barroco – em 1979 e em 1992 – foram das mais premiadas de sempre da obra do compositor alemão, conquistando as “Rosetas” (distinção de excelência) dos “Guias Penguin”, entre outros prémios.
As interpretações de Anner Bylsma foram distinguidas com prémios Gramophone, Diapason d’Or e Choque Musique, da imprensa especializada, prémios Vivaldi, Liszt e Edison, os prémios da Academia Charles Cros, de França, e da crítica alemã, tendo recebido várias nomeações para os Grammy de música clássica, que conquistou, como no caso de gravações das Sonatas de Brahms.
Com o cravista e chefe de orquestra Gustav Leonhardt (1928-2012) e o maestro e flautista Frans Bruggen (1934-2014), Anner Bylsma formou um dos primeiros agrupamentos especializados na investigação e resgate de obras e compositores do período barroco, como Georg Philip Telemann, Arcangelo Corelli, François Couperin, Francesco Geminiani e Charles Dieupart, entre outros.
Fundou o agrupamento L’Archibudelli, com a violinista Vera Beths, sua mulher, e o violetista Jurgen Kussmaul, com quem trabalhou Bach, Vivaldi, Haydn, Mozart, Weber, Reicha, Onslow, Beethoven, Schubert, Schumann, Brahms, Franchomme, Dvorak, entre outros compositores.
Trabalhou com músicos como os pianistas Malcolm Bilson, Bob van Asperen, Robert Levin e Jos van Immerseel, o violinista Sigiswald Kuijken, com orquestras como Anima Eterna, Tafelmusik, Barroca de Friburgo e do Iluminismo (Orchestra of the Age of Enlightenment) e com agrupamentos como os Smithsonian Chamber Players e o Rondom Kwartet, de música contemporânea.
O pianista Pedro Burmester e a cravista Ana Mafalda Castro estão entre os músicos portugueses que atuaram com Anner Bylsma.
Os violoncelistas Roel Dieltiens, Jean-Guihen Queyras, Bruno Cocset, Pieter Wispelwey estão entre os seus antigos alunos, à semelhança dos portugueses Bruno Borralhinho, membro da Orquestra de Dresden, Bruno Cardoso, Diana Vinagre, Nuno Abreu e Pedro Neves, fundador da Camerata Alma Mater, maestro convidado pela Orquestra Gulbenkian.
A investigação de Bylsma sobre a obra de Johann Sebastian Bach deu origem não só a interpretações premiadas, mas também a ensaios como “Bach, The Fencing Master” (“Bach, o mestre de esgrima”), análise das Seis Suites para violoncelo solo, “Bach senza basso”, sobre o impacto do compositor na emancipação dos instrumentos, no Barroco, “Bach and the Happy Few”, dedicado aos manuscritos, e “Droppings”, sobre as muitas possibilidades de interpretação, abertas pelo mestre de Leipzig.
Anner Bylsma atuou dezenas de vezes em Portugal, em particular no âmbito das temporadas de música da Fundação Calouste Gulbenkian, e nos ciclos dos Concertos Em Órbita, do programa de rádio do antigo Rádio Clube Português/Rádio Comercial e da RDP-Antena 2 (1965-2001).
Além da colaboração com os Encontros Internacionais de Música da Casa de Mateus, em Vila Real, nos concertos e nos cursos de verão promovidos pela instituição desde as décadas de 1970/1980, Bylsma também atuou em diferentes edições do Festival dos Capuchos (1981-2001), em Almada e em Lisboa, e da Festa da Música (2000-2006), do Centro Cultural de Belém, na capital.
Bylsma tocava um violoncelo Matteo Gofriller de 1695, para o repertório barroco, e um Pressenda de 1865, para obras posteriores.
Com o violoncelo Servais Stradivarius, do Instituto Smithsonian, gravou alguns dos seus mais premiados discos, como a integral das Suites para violoncelo solo de Bach (1992), Trios de Schubert, o Octeto de Mendelssohn, Sonatas de Brahms e o Grande Duo Concertante de Chopin.
Nas suas ‘masterclasses’, Anner Bylsma alertava sempre para o perigo de o intérprete se fechar sobre si mesmo, de não reconhecer ninguém, nem nada mais, no mundo.
“Quando se toca Bach, devemos falar sobre a humanidade, sobre amor e destino, sobre Deus e a morte, todas essas coisas. É como se fôssemos um orador numa pequena igreja, numa congregação onde todos se conhecem e a todos se ama por igual [nos seus predicados e nos seus defeitos]”, dizia.