Estava escrito no destino. E foi um destino que não se resumiu às vontades da natureza. Ninguém conseguirá dizer ao certo o que se passaria se a antepenúltima etapa do Tour que terminava em Tignes não tivesse sido neutralizada a cerca de 30 quilómetros. No limite, ninguém conseguirá dizer ao certo o que se passaria na penúltima tirada a acabar em Val Thorens se não tivesse sido reduzida a menos de metade, também por condições climatéricas. Uma coisa é certa: Egan Bernal estava preparado para fazer a diferença nas últimas subidas da Volta à França. Mas não foi só por aí que o destino estava escrito para o colombiano.

A natureza quis, o miúdo sonhou, a obra vai nascer: Bernal segura amarela e tem Tour na mão aos 22 anos

Depois de algumas quedas que prejudicaram o ano de 2018 (marcado pelo facto de ser o mais novo no Tour, com apenas 21 anos), Bernal começou da melhor forma a presente temporada com vitórias na Paris-Nice e na Volta à Suíça. Tudo apontava para que fosse uma das principais apostas da Ineos no Giro mas uma queda e consequente fratura da clavícula retirou-lhe a hipótese de fazer a corrida transalpina, passando dessa forma a ser opção para o Tour. “As coisas acontecem por alguma razão, é incrível. Se tivesse ido ao Giro, se não tivesse caído, não estava agora aqui com a amarela”, confidenciou este fim de semana. Em Bruxelas, o sul-americano recomeçou. Três semanas antes da Volta a França. E para fazer história.

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Bernal, de 22 anos, sagrou-se este domingo o campeão mais novo de sempre da era moderna, superando por três meses o vencedor na edição de 1965, Felice Gimondi. Com menor idade, só mesmo de 1935 para baixo: Henri Cornet, Romain Maes e François Faber. Mas em vez de ser a notícia, o colombiano poderia estar como membro do grupo dos que escrevem as notícias.

“É verdade que estudei jornalismo mas graças a Pablo Mazuera [o mecenas que financia o clube onde fez a formação] sou ciclista. Quando fui para a universidade tinha decidido deixar a bicicleta de lado e dedicar-me ao jornalismo mas convenceu-me que fazer mais um ano. Se agora tivesse de escrever sobre esse momento, não sei como conseguiria fazê-lo”, explicou ao ABC. Tudo na Universidade de la Sabana, em Bogotá, onde conheceu a namorada, Xiomara, com quem vive em Andorra quando está na Europa além do pai, German. Foi a eles que Bernal dedicou o triunfo que marcou a mudança de amarela, emocionando-se mesmo ao olhar para ambos quando subiu ao pódio. “Se pensasse nisto há três anos, não acreditava”, confidenciou.

“Filho” de Zipaquirá, município a cerca de 25 quilómetros de Bogotá que tem parado para acompanhar as últimas etapas do Tour a começar logo às sete da manhã e com a imagem dele e de Quintana bem presentes, como contava uma reportagem do El Mundo este domingo, o colombiano ganhou nome pelo médico que acompanhou a mãe, Flor, no parto. E porque Egan lhe recordava um deus grego vitorioso, como recordava este domingo o El País. Começou a especializar-se em ciclismo de montanha nas suas moutains bikes e tornou-se um dos melhores na especialidade antes de chegar à Europa via Itália, na equipa do Androni Giocattoli–Sidermec. Só aí começou realmente a adaptar-se às corridas de estrada, numa fase da vida que lhe deixou saudades agora que se mudou para Andorra, dos amigos aos gelados – sobretudo nutella. Em 2018, quando foi campeão nacional de contrarrelógio, iniciou a sua ligação à equipa da Sky, hoje Ineos, de pesos pesados como Chris Froome ou Geraint Thomas.

Quando chegou a Itália ainda sem equipa nem experiência, tinha na vontade de aprender o ciclismo de estrada o principal desejo e nos exames físicos/médicos um cartão de apresentação. Resultado? “Genes de campeão”. A isso juntava ainda outros predicados que não demoraram a levá-lo a outros voos, como a maturidade acima da média e as qualidades em contrarrelógio. Nada a ver com os predicados que o pai German, que também foi um ciclista amador, quando tinha aquela idade.

Agora, chegou aos Campos Elísios em Paris como vencedor depois de ter tornado apenas o terceiro colombiano a ter a amarela no Tour depois de Vítor Hugo Peña e Fernando Gaviria. Nairo Quintana ganhou o Giro em 2014 e a Vuelta em 2016. Rigoberto Urán já conquistou uma prata nos Jogos Olímpicos. Miguel Ángel López venceu a Juventude no Giro e na Vuelta. E ainda houve Fábio Parra, Herrera ou Santiago Botero. A partir de hoje, entrou na história – e ganhou 500 mil euros. E não ficará por aqui.

Caleb Ewan venceu ao sprint a última etapa, que terminou nos Campos Elísios. O australiano da Lotto Soudal conseguiu terminar na frente do holandês Dylan Groenewegen (Jumbo) e do italiano Niccolò Bonifazio (Total Direct Energie). No resultado geral, tudo ficou na mesma com Egan Bernal a ter 1.11 minutos de vantagem sobre o companheiro de equipa Geraint Thomas e 1.31 minutos para o holandês Steven Kruijswijk (Jumbo). Julian Alaphilippe (Deceunink), que durante muitos dias andou com a camisola amarela, foi o melhor francês na edição de 2019 terminando na quinta posição a mais de quatro minutos da liderança.