O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, provocou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, cujo pai foi opositor durante a ditadura militar e que foi morto pela polícia política daquele regime, dizendo que podia contar de forma forma ele desapareceu.

Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, disse Jair Bolsonaro, esta segunda-feira. “Conto para ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro.”

O pai de Felipe Santa Cruz, Fernando Santa Cruz, fez parte da Ação Popular (AP) e foi preso pela polícia política da ditadura militar, o DOI-CODI, em 1974. Desde então, nunca mais foi visto. De acordo com o jornal Estado de S. Paulo, que cita o livro-relatório “Direito à Verdade e à Justiça”, de 1978, Fernando Santa Cruz foi dado como desaparecido. As informações dos presos políticos e outros perseguidos pelo DOI-CODI apontaram que o desaparecimento do pai do presidente da OAB aconteceu a 22 de fevereiro de 1974 e que este teria sido posteriormente no Rio de Janeiro.

Em reação às declarações de Bolsonaro, a OAB emitiu um comunicado onde dizendo que “todas as autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos”. A OAB criticou ainda as “manifestações excessivas e de frivolidade extrema” do presidente do Brasil.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Esta não é a primeira vez que Jair Bolsonaro faz declarações sobre Fernando Santa Cruz. De acordo com o jornal acima citado, em 2011, Jair Bolsonaro, então deputado federal, disse numa palestra na Universidade Federal Fluminense que aquele opositor da ditadura militar tinha morrido “bêbado” enquanto celebrava o carnaval.

Para trás, há também um passado de disputas legais entre Jair Bolsonar e a OAB sob a liderança de Felipe Santa Cruz. Em 2016, o jurista pediu ao Supremo Tribunal Federal que fosse retirado o mandato de deputado a Jair Bolsonaro, acusando-o de ter feito “apologia à tortura” quando, nesse ano, anunciou o seu voto a favor do impeachment à então Presidente Dilma Rousseff evocando a figura do general Carlos Brilhante Ustra, ex-diretor e torturador do DOI-CODI.

E há também outro episódio de disputa entre Jair Bolsonaro e a OAB — ao qual o Presidente do Brasil se referia antes de virar o foco das atenções para o pai de Felipe Santa Cruz. Trata-se do processo judicial em torno de Adélio Bispo, o homem que esfaqueou Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2017. Esta segunda-feira, a justiça brasileira teve em consideração a doença mental de Adélio Bispo e, dessa forma, declarou-o inimputável.

O Presidente do Brasil acabou por não recorrer desta decisão. “Se eu recorresse, ele seria julgado não por homicídio, mas tentativa de homicídio, em um ano e meio ou dois estaria na rua. Como não recorri, agora é maluco o resto da vida. Vai ficar num manicómio judicial, é uma prisão perpétua”, disse.

Em março de 2018, a OAB moveu processos na justiça para impedir que o advogado de Adélio Bispo, Zanone Manuel de Oliveira Júnior, fosse investigado. O intuito seria o de averiguar quem estaria a financiar a defesa do atacante de Bolsonaro. Após o pedido da OAB, essa investigação foi impedida pelo juiz desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região Néviton Guedes.

Porém, em dezembro de 2018, a Polícia Federal de Minas Gerais acabou por fazer buscas na casa do advogado, ao abrigo de dois mandados de busca, na qual foram apreendidos recibos, comprovativos de pagamento dos seus honorários ou documentos de contabilidade. À altura, a OAB acusou a Polícia Federal de Minas Gerais de “violar as prerrogativas da advocacia”.